Todo mundo já passou por uma experiência em que se sentiu deslocado do grupo, alguma situação em que sentiu vergonha ou mal-estar apenas por ser ou fazer algo diferente da maioria. Pode ser a aula de educação física para você que não era bom em esportes, ou a festa da escola para você que era mais tímido e não conseguia ser tão falante, até mesmo aquela resposta errada dada na frente de toda a classe. Crianças e adolescentes são experts em identificar essas situações e fazer piadas a respeito, por vezes incessante e excessivamente.
Agora imagine que essa situação pela qual você é ridicularizado ou excluído não é algo pontual ou passageiro, mas algo constituinte da sua personalidade, do seu “eu”, algo que seja indissociável do indivíduo que você é. Algo que você saiba que é parte de você, mas que você não consiga ou não queira admitir, a você mesmo ou a outras pessoas, por acreditar que isso possa não só te custar a sua paz na escola ou a aceitação dos seus amigos, mas também te levar a ser expulso de casa e/ou ser rejeitado pela sua própria família. Bem-vindo à vida de um jovem LGBT.
Todas as minorias sofrem com esse tipo de problema em maior ou menor grau, mas no caso das pessoas LGBT há essa particularidade que faz toda a diferença: desde criança existe esse “esconder”, essa ideia de que é melhor que os outros não saibam para preservar suas relações de amor e seu bem-estar. E isso se repete vez atrás de vez, não importando o ambiente onde se encontra, tornando-se um hábito, quase um mantra interno: “não posso mostrar quem eu sou”.
Isso não vem sem custo. A teoria do minority stress (estresse de minorias, em português) propõe que estresses sofridos de forma crônica por minorias, em decorrência de uma vida inteira de não-aceitação, rejeição, discriminação, estigma e violência, contribuem para que essa população tenha risco aumentado em sua saúde física e mental em relação ao restante das pessoas. Os estudos corroboram essa hipótese: indivíduos LGBT têm maior risco de sofrer de ansiedade e depressão, de uso abusivo de substâncias lícitas e ilícitas e também maior risco de suicídio, quando comparados com a população cis e heterossexual.
O suicídio é uma questão que vem preocupando os profissionais de saúde mental em todo mundo. Nos EUA, é a 2ª principal causa de morte de jovens entre 10 e 24 anos. Quando falamos de jovens LGBT, a coisa fica mais alarmante ainda. E se você conversar com alguém LGBT, vai entender o porquê. No período em que se esconde e se questiona se as pessoas vão aceitá-lo, e mesmo depois, ao sofrer todo tipo de preconceito e violência, não é raro que essa ideia passe pela cabeça, mesmo que por um segundo, como uma alternativa possível. De acordo com as pesquisas, jovens LGBT pensam três vezes mais em suicídio que jovens cis heterossexuais e têm cinco vezes mais chances de tentar de fato o suicídio.
Essas taxas preocupam e nos põem a pensar sobre as razões para esse fenômeno. Parece claro que esse estresse crônico de se esconder e todo o preconceito envolvido na sociedade têm papel sobre isso, e que, mesmo após o indivíduo se assumir e se sentir um pouco mais confortável “em sua própria pele”, as marcas deixadas por anos de uma vida dupla têm efeito sobre seu modo de agir e sobre sua saúde mental.
Além disso, a falta de preparo dos profissionais de saúde e experiências prévias de preconceito dentro do consultório/hospital (principalmente quando falamos da população trans) muitas vezes fazem com que a população LGBT adie ou mesmo evite procurar o atendimento médico/psicológico, o que poderia ser de grande ajuda nesses casos.
No entanto, há um outro ponto interessante a se pensar que é o preconceito que a pessoa LGBT sofre não só na sociedade em geral, mas também dentro do próprio meio LGBT. Tendemos a esquecer que, mesmo sendo parte de uma minoria, um indivíduo foi criado e moldado a partir de uma cultura que apresenta diversos paradigmas que não são facilmente mudados internamente. Então, mesmo dentro da comunidade LGBT, a violência continua: seja porque você é afeminado ou é gordo ou é negro ou é pobre e por aí vai. Um espaço de onde se esperaria mais segurança e aceitação pode acabar se tornando um repetidor de experiências desagradáveis anteriores.
O papel da política e dos governantes também deve ser levado em conta. Atualmente, no Brasil, o que vemos é um governo que não só não cria ou se preocupa com políticas públicas visando o bem-estar e a segurança da comunidade LGBT, mas também reproduz um discurso violento e normatizador. “Meus filhos não correm o risco de virar gay, porque foram muito bem-educados” e “Eu seria incapaz de amar um filho homossexual” são frases ditas pelo presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em entrevistas. Que efeito têm essas palavras vindas de um presidente sobre a população? Como são recebidas por alguém que já se sente deslocado e com medo?
A questão do suicídio na população LGBT é alarmante e deve ser amplamente discutida e analisada. Um dos papeis da sociedade e da própria comunidade LGBT é o de pensar em como contribuem para essa sensação de deslocamento e violência e também em possibilidades de diminuir o estigma e preconceito. Um estudo feito pelo The Trevor Project,maior organização do mundo relacionada à prevenção de suicídio na população LGBT, mostrou que, para um jovem LGBT, a existência de um adulto próximo que o aceitasse e o acolhesse diminuiria em 40% a chance de uma tentativa de suicídio. Seja qual for a idade, o espaço para a escuta e para o acolhimento não pode ser subestimado como forma de lidar com a angústia e de salvar vidas.
Fonte: Carta Capital