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Jovem universitário de São Gonçalo fala da importância da Literatura em sua vida e porque não se identifica com estereótipos de gênero e sexualidade. “Todos somos uma metamorfose ambulante. (A sexualidade) é um ato político”.


Com 210 milhões de pessoas e uma população culturalmente rica e diversa, o Brasil desponta no mundo como um dos celeiros mais representativos quando o assunto é Cultura. Entretanto, seu gigantismo fica por aí. Pelo menos no que diz respeito aos hábitos de leitura. Segundo a pesquisa divulgada na 4ª edição dos “Retratos da Leitura no Brasil”, desenvolvida em março de 2016, o brasileiro lê em média 2,43 livros por ano. Outros dados ainda revelam os seguintes hábitos de nossa leitura: gosto por leitura (25%), atualização cultural (19%), distração (15%), motivos religiosos (11%), crescimento pessoal (10%), exigência escolar (7%) e atualização profissional/exigência profissional (7%). E o mais assustador: 30% nunca comprou um livro sequer.

Isso por si só já diz muito sobre nós. Na contramão do último dado apresentado acima e agregando todos os demais percentuais de hábitos de leitura em si temos o jovem Arthur Conrado, de São Gonçalo. Aos 27 anos, o jovem atualmente cursa Publicidade na Universidade Federal Fluminense (UFF) de Niterói, mas seu grande amor é a leitura. Ou melhor, a Literatura, área pela qual desde pequeno sempre fora apaixonado. “Eu sou formado em Letras (Português-Literatura) e quase concluí um mestrado em Literatura Brasileira. Eu sempre fui apaixonado por Literatura. Minha mãe era professora de Português-Literatura também e quando chegou na época do nono ano que já começava a dar um pouco mais de Literatura, quase sempre quando tinha algum trabalho tipo ‘faça uma redação sobre tal tema’, aí minha mãe olhava e falava ‘leia esse livro aqui’. E eu fui me apaixonando cada vez mais pela leitura e eu acho que a única coisa que ninguém rouba ainda é o conhecimento”, conta ele. Mas somente o amor não foi suficiente para fazê-lo seguir pelo caminho literário e a Comunicação foi seu plano B. Segundo ele explica, “o que me fez mudar de caminho? Se eu puder continuo estudando Literatura, mas eu não me vejo em sala de aula e, assim, depois da graduação em Letras tudo que eu fizesse me encaminharia naturalmente pro Magistério, (tanto) mestrado quanto doutorado pra dar aula e eu não me vejo nesse espaço. Principalmente (pela desvalorização da profissão de professor no Brasil) e infelizmente a profissão não compensa. Eu admiro muito quem segue porque tem que amar muito. Mas eu achei que pra mim não compensava fora que você – pelo menos na graduação – e eu gosto muito de Literatura, acaba ficando engessado também por ter que dar os mesmos autores, as mesmas obras. Quase sempre a mesma receita de bolo. E eu não gosto de rotina. Não gosto de ficar preso, engessado. Eu acho que a Publicidade e o Jornalismo tá (sic) bem próxima de Letras na questão de linguagem e me possibilitam desenvolver atividades dinâmicas”, afirma.

E se a mãe foi o grande espelho para seus gostos pessoais sua tia, tios e primos foram o porto seguro necessário para continuar seguindo sua vida. Desde 2010, quando sua mãe morreu, que Arthur encontra-se em novo lar. Ao lado deles ele refez e refaz sua vida. Apesar de seu pai ainda ser vivo, a relação estremeceu após o falecimento de sua progenitora. Mas, apesar de tudo, ele sente-se bem e não guarda mágoas. “No caso eu sempre fui muito mais apegado à minha mãe. Com meu pai era normal: não era ruim nem bom. Só que depois que minha mãe faleceu meu pai ficou bem isolado. Ele trabalhava, chegava em casa, se trancava no quarto e não queria muito se abrir. E no ano seguinte (à morte de sua mãe), 2010, meu pai conheceu uma outra pessoa e minha relação com essa outra pessoa não era boa e eu optei por não continuar morando debaixo do mesmo teto que eles. Por um lado, eu achei bom ele conhecer uma outra pessoa pra poder não se privar de viver. Tanto que eu falei que ficava feliz por ele, que ele tinha que seguir a vida dele assim como uma hora ou outra eu também ia seguir, só que infelizmente a gente se afastou bastante depois disso”, resigna-se ele que apesar disso afirma não sentir falta da convivência.

Sexualidade

Algo do qual Arthur também não sente falta é do período na adolescência em que visões religiosas moldavam seus pensamentos acerca do certo e errado e onde não seguir um padrão de sexualidade o afligia. “Então, assim, eu sempre tive atração – hoje em dia bem menos – por mulher, mas eu sempre achei corpos femininos como corpos masculinos bonitos e atraentes. Claro, só na adolescência que eu fui ter consciência de que realmente era isso. Mas desde cinco anos de idade, parando hoje em dia pra analisar, que eu já tinha essa atração. E quando chegou na adolescência eu fui e comecei cada vez mais a achar corpos masculinos interessantes e tal, só que por ser da igreja – meus pais eram evangélicos – eu sempre me reprimia, achei que era errado, era pecado e todos aqueles clichês de quem nasce em família religiosa. Desde pequeno eu soube e eu mesmo me reprimia. Porque tá com aquela doutrina na cabeça de que tem que ser assim e assado, então acabava que a própria igreja fazia isso”, conta. Ele ainda completa que, apesar dos pais serem religiosos, “(meus pais) nunca tocaram em assunto sexual. Tanto que depois que eu me assumi fui conversar com meu pai e perguntei se ele sempre soube que eu era viado (sic) e ele achava que não, que era só o meu jeito. Eu acho que no fundo ele tinha esperança de que por eu estar na igreja iria encontrar uma mulher e tal”.

Na casa de sua tia – que também é evangélica – também não é cobrado por conta de sua orientação sexual. Mas nem todos são tão esclarecidos. “Minha tia é da igreja evangélica, só que super tranquila. Meus tios e primos comigo não teve problema, mas eles tem uma cabeça um pouco mais fechada, conservadora. Eu nunca sofri preconceito, mas de modo geral eles tem um tipo de preconceito com quem é gay. Porque quando passam reportagem e alguma coisa em novela, eu vejo deboche deles”, explica. E contemporiza: “não (me incomoda) porque pode ser algo da criação. Eu vejo assim: se comigo não são (preconceituosos), e eles conhecerem uma pessoa dessa realidade (LGBT), eles não vão agir de preconceito com aquela pessoa. Às vezes é a reprodução de um discurso que já tá dentro deles” acredita.

Falando em discurso, se tem algo com relação a sexualidade que o gonçalense rechaça são estereótipos, padrões ou “caixinhas”. Apesar de atrair-se majoritariamente por homens, Arthur não se define sexualmente e para ele tá bem assim. “Então, eu ainda acho mulheres bonitas, mas até hoje eu já beijei mulheres mas nunca cheguei a fazer sexo. Então não sei se eu gostaria, já que eu nunca tive oportunidade, e que por outro lado homem me atrai bem mais. Mas, não sei, se acontecer eu não me definiria. Sim, as pessoas sempre “precisam” de um rótulo. Mesmo que a gente saiba que o outro não caiba naquela “caixa”, a gente precisa colocar naquela caixa, de modo geral. Então, todos nós também de certa forma somos inomináveis porque nada vai nos definir, assim como eu e todo mundo é uma metamorfose ambulante por conta de uma série de fatos. E no caso da sexualidade, algo que particularmente me incomoda, mas cada um tem que ser feliz do jeito que é, é justamente a criação de diversos seguimentos dentro da área de gênero mesmo. Porque as pessoas não querem se definir, mas acabam criando múltiplas definições”, comenta.

Dentro de uma linguagem mais acadêmica – uma visível característica de sua personalidade e que não lhe confere nenhum demérito – ele explica que “(Michel) Foucault fala ‘discurso é poder’. Eu sou do seguinte pensamento da (filósofa) Judith Butlher, que traz a questão da performatividade: de você tomar sua sexualidade como um ato político. Então pra ela nem todos os rapazes gays, brancos e de 27 anos tem a mesma sexualidade (como eu). Tem uma sexualidade diferente que vai torná-lo, vai dar à ele um gênero único. Eu acho que, de certa forma, cada ato nosso propositadamente ou não é um ato político. Para as pessoas a visão de quem você é, é limitada. Então eu acho que ajo de modo com o contexto. Se a pessoa realmente quiser saber quem eu sou eu me abro e falo mais detalhadamente, mas se quiser saber com quem me relaciono, é com homens. (Porém), agora e atualmente”.

LGBTs

Com a questão da criminalização da homofobia e transfobia em voga no Supremo Tribunal Federal (STF), que busca estipular o crime às práticas do racismo (com caráter imprescritível e inafiançável) até que o Congresso crie uma lei específica para o caso, e na sociedade Conrado não se furtou em dar sua opinião. Objetivo e consciente, para ele “eu enxergo não só dos LGBTs, mas das minorias em geral, eu acho que pra você conseguir desbancar uma hegemonia é duro. É difícil. Então eu acho que depois de tanto tempo de opressão, tanto a classe negra como a classe LGBT, enxergou que assim: porque que eu sou inferior a eles? No caso de quem tá praticando a opressão. Porque eu preciso viver oprimido e marginalizado? Não. A gente tem direitos sim”, reconhece.

Questionado se a medida – atualmente com quatro votos a favor da criminalização e ainda faltando sete votos – pode ajudar a reduzir os índices de mortes LGBTs no país, que faz do Brasil líder no ranking mundial com uma morte dessa população a cada 16 horas, ele é sucinto. “É, eu acho que (a criminalização da homofobia) pode ajudar (reduzir números de assassinatos). Tendo uma lei as pessoas podem respeitar por medo e serem coagidas a não agredir. Isso já é algo que independente do que vai motivar o cara a não ter o respeito com você, ele tem que te dar o respeito que você merece e que ele quer ter. Então, esse já é um ponto excelente e importantíssimo. E quem sabe, ao longo do tempo, as pessoas passem a respeitar não só por coação, mas justamente por conscientização”, espera.

Relacionamento e Aplicativos

Ao longo do tempo também surgiram novas formas de relacionamentos. Com o advento tecnológico, inúmeros aplicativos de “pegação” saltaram ao alcance dos smartphones de uma grande parcela da população, especialmente do público LGBT. Sobre isso, Arthur se disse adepto do uso, afirma que “as pessoas que eu conheci foram por meio de aplicativos”, mas que toda essa facilidade também trouxe um lado mais ‘líquido’ das relações.

Isso é muito por conta do que o (escritor e filósofo Zygmunt) Baumann fala: que nós vivemos em tempos líquidos. E no amor líquido ele fala justamente que nessa teoria as relações estão cada vez mais ‘fáceis’ e, por outro lado, mais tênues. Ou seja, qualquer coisa é motivo para rompimento. Porque você tem a facilidade de encontrar alguém ou você já tem alguém como ‘estepe’ ou ‘reserva’. Eu acho que a internet só possibilitou ao ser humano fazer o que ele quer.O ser humano sempre quer ter o plano B pro plano B do plano B. Então você não sabe se vai continuar conversando com aquela pessoa por um dia, cinco dias, se vai encontrar aquela pessoa e depois ver mais uma vez. Então você quer sempre ter possibilidades e nunca um menu de uma única opção”, teoriza.

Mas Arthur também reconhece que os novos arranjos afetivos – relação aberta, poliamor etc – não são tão ruins assim. Somente quando o(s) outro(s) torna-se o ‘objeto’ com a responsabilidade de ser o guardião de sua felicidade.  Segundo ele, “se você se sente mais confortável com cinco pessoas e não com duas, qual o problema nisso se todas as cinco estão satisfeitas, obviamente? Eu sou do tipo que tentaria se fosse o caso, eu não sou fechado pra nada. Acho que você não pode dizer que não gosta até ter experimentado. É até interessante você falar disso porque só falta o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) pra mim me formar em Publicidade e eu quero falar justamente da questão do relacionamento amoroso. Eu quero pegar o filme Love do Gaspar Noé”.

E completa: “e eu quero trabalhar com a questão que tanto a mídia quanto diversos outros discursos acabam fortalecendo a ideia de que pra você ser feliz você precisa encontrar alguém e um único alguém. Que o relacionamento perfeito é dual, de que você precisa ter sua alma gêmea e aquela questão do happy end e tal. E em contraponto justamente com o que Freud falava da questão do amor, que o ser humano é um ser desejante. Ou seja, o que motiva o ser humano é o desejo de desejar. Então a gente acaba fazendo o que? Despejando em alguém essa possível felicidade que, na verdade, é impossível. E acaba que os relacionamentos muitas das vezes não dão certo por isso. Porque a gente acha que a nossa felicidade está naquela pessoa e que ela irá nos fazer mais feliz. E na verdade aquela pessoa também quer ser feliz”, filosofa.

Sexo, Jovens e Prevenção

Com muita propriedade sobre os temas falados e sempre contextualizando seu pensamento com bases teóricas bem delimitadas, Conrado também não se furtou em dar seu posicionamento acerca de outro importante tema: sexo e juventude. Para ele o assunto sempre fora velado e ausente dentro de casa. “Meus pais nunca falaram de sexo comigo, nem minha tia e meus tios também não. Então foi muito pela internet. Na época que a gente viveu, por exemplo, infância (anos) 90 e adolescência anos 2000 não tinha tanto conteúdo que não fosse ou estritamente pornográfico ou que acabava caindo no humor, no pastiche. Então acabava que o que eu sabia era justamente pela pornografia ou entre aspas bobeira. Então as coisas em minha mentalidade em termos de sexo mudou depois de fazer”, revela.

E depois que iniciou a vida sexual o jovem também entendeu a importância do uso da camisinha nas relações. “Precisa ser importante (a camisinha), principalmente, enquanto a gente não tem um relacionamento ou um relacionamento solidificado tipo assim: você confia plenamente naquela pessoa e vice-versa e você sabe que aquela pessoa, como a gente falou de outros relacionamentos mais fluídos, ainda que aquela pessoa faça sexo com outras ela vai tá prevenida ou sempre vai ter cuidado. Eu acho que enquanto você não entra num relacionamento mais sólido você tem que usar. Por si e pelos outros. Em primeiro lugar pela própria vida, porque você pode contrair uma doença, e pelos outros porque você contrai e não sente nada, até fazer um exame e descobrir(que tem HIV)”, pontua.

Indagado sobre o porque dos aumentos de casos de HIV/AIDS em jovens, mesmo com tanto acesso à informação e distribuição gratuita dos mesmos, ele afirmou que “não sei de modo geral(sobre o jovem não usar camisinha). Pra mim, eu digo particularmente, atrapalha na sensação de prazer e ereção. Atrapalha assim: não é a mesma coisa com e sem, pelo menos pra mim. Pra outras pessoas pode ser a mesma coisa”, desconfia. E complementa: “acho que um dos fatores pode ser, não vou dizer a falta da camisinha, mas você fazer sexo num rompante. Você conhece uma pessoa e ‘tá vamos fuder’(sic). E vai. E tipo assim, ‘tô sem’. E a pessoa pensa que não vai pegar numa transa só e rola. Acho que pode ser esses dois fatores: algumas com fetiche de transar sem (preservativo) e outras pessoas que simplesmente se levam pela situação”.

Independente de quais sejam os fatores de omissão (ou escolha) pelo não uso de preservativos, Conrado é taxativo porém no que diz respeito a importância do trabalho de assistência, empoderamento e acolhimento realizado pelas instituições que trabalham com a temática de prevenção e HIV/AIDS, como o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA).Acho importantíssimo. Acho que o governo deveria ter essa obrigação, mas se ele não faz alguém tem que fazer. Então esse trabalho de você dar um apoio a essas pessoas que são marginalizadas e que já estão fragilizadas emocionalmente, que já sofreram exclusão ou se sente abalada ao descobrir que tem AIDS já é importante por si só. Você fazer com que essas pessoas saibam que elas não estão sozinhas, que elas podem ter apoio e que tem instituições que lutam por elas. E além da questão da exclusão, da conscientização pra população de modo geral. Mostrar que AIDS não é sinônimo de morte, não é bicho de sete cabeças, que a pessoa pode e vai continuar tendo uma vida normal. Que não é porque ela se descobriu soropositiva que a vida dela acabou. E conscientizar como você pode agir com um amigo que se descobre, que tipo de apoio você pode prestar ou então, sei lá, conheceu uma pessoa que disse que é e ‘não vou me relacionar’. Não, você pode se relacionar sim. Trazer justamente essa informação pra muita gente que ou é desinformada ou tem a mente fechada e precisa disso”, justifica.

Futuro

Da máxima “viver um dia após o outro” Arthur não planeja muito o futuro. Mas isso não significa que não tenho planos. Ou melhor dizendo, um desejo. “Eu torço muito pra que não só eu, mas as pessoas de modo geral, consigam ser um pouco melhor que o dia anterior. Porque é o que eu li num livro do Antônio Torres ‘Um Cão Uivando para a Lua’: infelizmente ninguém perde uma noite de sono por conta dos problemas mundiais. Mas a gente deveria, apesar de não perder uma noite de sono, mas perder alguns minutos refletindo: porque certas questões são recorrentes? Porque as coisas acontecem? Porque a gente não ajuda a mudar essas certas coisas? Não deixar com que aquilo seja só mais uma estatística. De que mais uma travesti foi espancada. De que mais uma barragem rompeu. Que mais 50 famílias perderam casas ou qualquer coisa. Que seja só mais uma estatística e daqui há dois meses a gente veja de novo aquilo e fique naquele estado de choque momentâneo e vira só mais uma notícia no jornal. Que as pessoas tenham vontade de mudar”.

Texto: Jean Pierry Oliveira

 

 

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