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Jovem universitário conta sobre seus desafios perante a sexualidade, teoriza sobre HIV/AIDS na juventude, o desmonte das universidades e ativismo


 

Apesar da idade revelar a precocidade de 23 anos, a maturidade parece se fazer mais presente do que a ação do tempo na vida do universitário J.P. Queiroz. Morador do bairro das Laranjeiras, o estudante de Psicologia passeou por diversos temas em sua entrevista para o site do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens no último mês de novembro.

Atualmente se graduando pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), na iminência de quatro anos de um novo governo – alinhado à direita mais conservadora e católica – J.P. não tem boas expectativas para o futuro da instituição. “Eu acho que não é a toa que a UERJ foi a universidade mais atacada, que foi a primeira a sofrer o maior problema. A universidade mais preta e ocupada por pessoas pobres, por pessoas que precisam inclusive da bolsa de auxílio permanência para estar e ocupar a universidade. Tem um gráfico que diz qual a quantidade de produção e a relevância (e produção de uma universidade) e a UERJ não é a que mais produz, mas a que produz o material de maior relevância. Produz ciência, produz conhecimento, produz prática onde não se produz nas outras universidades e tem um discurso muito politizado, pelo menos o nosso curso de humanas. Ali a gente está super nesse lugar de desconfiar e lutar contra aqueles professores ou representantes que não estão implicados e que estão cagando. E aí não foi a toa que a UERJ sofreu esses primeiros cortes”, conta ele ressaltando as qualidades da universidade carioca e os recentes cortes de subsídios sofridos pela ausência de repasses do governo do Estado que paralisaram por meses as aulas e serviços básicos ao longo de 2018.

Resistência parece também ser uma palavra comum para J.P.desde que muito cedo. Homossexual assumido e muito bem resolvido, hoje em dia, com essa sua subjetividade nem sempre o panorama foi assim tão positivo. Especialmente dentro de casa. “Então a minha relação (com minha mãe) é um pouco difícil e atravessada por um monte de coisas. Especialmente porque tem coisas que são singulares na forma que ela lida com a vida dela e eu acho que tem coisas que permeiam isso em relação a homofobia. Atualmente, a nossa relação é bem conflituosa, mas a gente consegue conversar e chegar num consenso”, admite ele.

Consenso esse que desde desde criança ele não tinha consigo mesmo, quando a manifestação da sexualidade se pontencializava em si e discursos moralizantes começavam a se apresentar sob a forma de estigmas. “Desde o começo em que eu fui me percebendo eu vi que existiam várias falas que tentavam sugerir os modos que eu poderia andar, sentar e gostar das pessoas. Isso vinha da minha e do meu pai principalmente. Então desde criança eu cresci com uma vontade me relacionar com pessoas e daí eu comecei a me relacionar desde novinho com meninos do meu prédio, da minha convivência. E aí teve uma vez que eu estava na minha casa e a minha mãe estava vendo uma coisa na televisão, no Fantástico, falando sobre o Cazuza e a temática da AIDS. E (era) um discurso fortemente estigmatizador e isso bateu em mim, que estava ali experimentando a minha sexualidade, ouvir que a relação entre dois homens era potencialmente geradora de problemas inclusive a infecção pelo HIV”, revela ele.

Isso imprimiu em si tons mais fortes do que ele poderia supor. Porque a partir dali veio a pré-adolescência e, em seguida, a adolescência. Período em que, ainda não bem resolvido e acreditando estar fazendo algo errado, “eu fiquei com essa coisa que tinha uma forte relação com garotos homofóbico e eu tinha que reproduzir uma masculinidade super homofóbica para conseguir lidar com o meio que eu estava e assim o jeito que eu lidava comigo era escondendo de mim mesmo essa possibilidade. Não existia a possibilidade de eu ser gay para mim só que isso voltava o tempo todo. Então eu me lembro de vários momentos em várias conversas durante a minha vida que isso apareceu de diversos modos. Inclusive lembro de ver TV e vê mais uma vez um discurso fortemente homofóbico falando sobre um garoto gay através de um depoimento onde ele fazia um discurso super negativo e triste. E aí eu sempre fiquei me ligando nisso ao mesmo tempo em que tinha que lidar com o mundo homofóbico, minha mãe homofóbica, meu pai e os meus desejos”, relata.

Nessa inconstante vivência, sem respostas para lidar com seus próprios questionamentos, J.P. afirma que passou a viver com uma dupla personalidade. Cada vez mais pressionado, vulnerável e querendo afirmar para os demais o que não podia sequer atestar para si. “Até que surgiu muito entre nós garotos de “ vamos transar com as meninas”, todo mundo queria transar e eu não queria transar. Aí eu comecei a ficar com meninas, pegava meninas e era até divertido pra mim, não era nenhum sofrimento. Só que teve um momento em que eu tinha que ficar com meninas e transar e eu tive que lidar com o meu desejo de não querer transar com elas. Mas, eu acho que isso era muito mais fruto do fato de eu não ter podido lidar com o meu desejo e a minha sexualidade por ter sido sempre reprimido nesse lugar. Então como eu não podia me expressar eu fui uma pessoa muito frágil durante a minha vida, muito inseguro. Sofria muito bullying, facilmente me atacavam. Eu me colocava em situações de extrema vulnerabilidade, eu era uma pessoa muito vulnerável porque eu não conseguia lidar, aceitar ou me apropriar, legitimar uma série de coisas dentro de mim, dentre elas o meu desejo de ficar com homens”.

E completou: “teve um episódio especificamente em que eu não consegui transar com uma mulher e eu liguei pro meu pai e falei: “Pai, eu acho que sou gay”, e ele falou “Não, isso é normal”. Porque de fato é muita pressão que o menino sofre na sexualidade, inclusive os meninos héteros. Porque tem essa coisa do piru ta (sic) duro e como eu não tava eu já fiquei desesperado de que “Será que eu sou gay?”. E nisso tudo eu não consegui transar. Porque mesmo depois que eu comecei a ficar mesmo com os meninos eu também tinha dificuldade de transar porque eu tinha muito ferida essa minha expressão sexual”, atesta. Apesar dos pesares, J.P.acredita que o fato da relação com seus pais sempre ter sido transparente, isso ajudou-o a chegar até aqui sem maiores pesos ou “máscaras”. “Tem uma coisa da minha relação com meus pais: eu sempre fui argumentativo, sempre falei muito, sempre discuti muito e isso foi muito importante. Depois que eu virei bicha e me reafirmei eu lutei sempre contra isso de que você tem que se comportar de determinada maneira para ser aceito. Até porque eu sofri muito isso de que você tem que se comportar como macho, você tem que ser macho e depois que eu virei viado eu comecei a usar todas as falas pra trabalhar isso com eles e assim eles entenderem a minha liberdade”. Mas admite que ainda encontra resistências. “Atualmente eu não sei como vai ser porque eu já estou sofrendo pressão de casa para não sair muito “enviadado”. Eu acho que tem momentos que eu fico mais bichona e momentos que fico menos, mas tem vezes que saio de vestido de casa ou uma roupa bem chamativa na cabeça dos meus pais e eles querem cortar. Só que vou lá e brigo contra isso. (Minha mãe) falou outro dia, alguns meses atrás, se eu queria ser travesti e eu sentei e conversei com ela sobre isso tudo”, diz ele.

Esse momento da conversa permitiu que o tema tomasse o protagonismo de sua fala no que tange as formas dos diversos relacionamentos contemporâneos. Do alto de sua consciência política, ação cidadã e psicologia, J.P. é categórico ao analisar a afetividade ao longo do tempo através de um olhar onde os códigos e pactos estão sendo quebrados ou reconfigurados em todos os sentidos.

“Eu acho que a gente está passando por um momento, uma virada. Desde a década de 60 com uma repressão muito forte. Então, eu acho que a gente estava progredindo desde o final do período da ditadura. E eu acho que isso tudo contribuiu muito para que a gente tivesse avançado em diversas questões inclusive nessa questão de quebrar a tradição, formas pré-determinadas. E aí surgiu no Brasil uma série de práticas e teorias que legitimavam formas não normativas e cis e isso permitiu a gente experimentar as possibilidades diversas. Então a gente ta vivendo um crescimento muito grande disso que não vai acabar. Eu acho que o desejo sempre encontra vias de se estabelecer. Eu acredito que a gente está passando por um corte no sentido dos pactos que estavam estabelecidos após a ditadura, os pactos democráticos. Até seis meses atrás era óbvio que se eu fosse discriminado na rua eu iria reclamar e ia falar porque isso era uma conquista que estava sendo possibilitada por muitas mortes, muito movimento e eu me colocando nesses lugares de luta, LGBT’s, dos movimentos sociais”, afirma.

E alertra: “só que agora eu tenho medo, meus amigos têm medo. Tenho amigos até que estão tomando porrada por um discursivo que está legitimado e autorizado pelo (futuro) presidente e isso é muito bizarro e assustador. Eu recebi inúmeros papos de familiares e amigos próximos muito preocupados comigo de como eu iria me relacionar com o meu namorado, aquelas dicas de segurança que de fato são muito importantes”, discursa ele com veemência sobre os retrocessos e ameaças que relacionamentos não padronizados correm riscos de sofrerem com a ascensão de um novo governo conservador.

Cura Gay

Uma das polêmicas mais publicizadas dentro do ramo da Psicologia diz respeito ao termo popularmente chamado de “cura gay”. A adoção de uma postura retrógrada por parte de alguns profissionais do ramo que insitem na ideia de tratar um LGBT e assim reverter sua sexualidade ou identidade de gênero, para J.P., faz parte de “um discurso patológico”. “A psicologia ela emergiu com o compromisso de normalizar, de dizer o que é o certo, o que é o comum, o que é o universal e o que é humano e o que não é. Hoje em dia tem todo esse discurso da patologização dos fenômenos, do diagnóstico, do remédio, da medicalização, então (tudo isso) está comprometido com a indústria farmacêutica, com esse discurso do que está errado e precisa consertar. E eu acho que a cura gay está nesse lugar. E aí por conta da homofobia, dessa questão da sexualidade como lugar de disputa do Estado, dos dispositivos da medicina e da psicologia nessa normalização em relação a homossexualidade surge uma psicologia tentando se colar num discurso científico que é um discurso branco, um discurso do certo e do errado, do método higienizado e aí como fazer uma psicologia contra hegemônica?”, questiona ele.

E com muita luta o CFP (Conselho Federal de Psicologia) é uma gestão de uma psicologia comprometida e aplicada”, emenda com certo alívio sobre o colegiado que negou a possibilidade desse tipo de tratamento para profissionais da área no Brasil.

 

Grupo Pela Vidda

Buscando contribuir de maneira cada vez mais atuante dentro do movimento social, em prol daquilo que acredita, com a certeza da importância do protagonismo juvenil o carioca atualmente colabora com o Grupo Pela Vidda no contexto do HIV/AIDS. “A juventude precisa se reunir e pensar estratégias para ela. Precisa de muita comunicação e mídia social. A gente precisa gerar e trabalhar em termos gerais e globais no sentido de descontruir o estigma e poder discutir isso com usuários de rua, na clínica da família, nas escolas e o protagonismo da saúde deve ser com o jovem, que é uma coisa que não existe. Hoje em dia na escola por exemplo a criança fica 10/11 anos e em nenhum momento ela produz conscientemente e elaboradamente sobre saúde. O máximo que você fala é sobre reprodução sexual e muito limitadamente. Esse bando de homem héteros, escroto, rico que tá (sic) usando esse discurso pra ganhar dinheiro e privatizar tudo fica ainda querendo dizer o que se pode ou não dizer na juventude. Então a gente precisa permitir a fala e o desejo do jovem porque não é pelo lugar do vertical, não é pelo “use camisinha”. A gente precisa (sic) nos apropriar das formas de prevenção além da camisinha pra que isso seja natural”, explica.

Uma das formas de prevenção que atualmente já se dispõe como método tão eficaz quanto a camisinha é a Profilaxia pré-exposição (PrEP), por exemplo. Mas ainda falta muito para chegar ao público que dela mais precisa e sobre isso o universitário é categórico ao dizer que “a PREP especificamente ela precisa talvez passar por uma avaliação e um programa de instalação de divulgação e de trabalho comunitário que a Fiocruz faz muito, mas só a Fiocruz faz. Eu acho que a PREP pra alcançar em termos de promoção de saúde grupos que estão vulnerabilizados e marginalizados historicamente você precisa trabalhar essa produção de forma mais horizontal e menos só medicalizante. Você precisa sair desse viés biomédico. Então assim, o trabalho de fazer um ambulatório que permita a pessoa trans a ter acesso a uma série de direitos inclusive jurídicos, sócio psicológicos e acesso ao direito da saúde dentro desse local de referência, isso pode ser uma estratégia mais positiva. Acho que o contato com organizações sociais nesse sentido é muito importante”, sugere ele.

Futuro

E se o futuro a Deus pertence, J.P. só espera que possa resistir diante de todas as agruras, dali retirar forças e subsídios para persistir no caminho e levar tudo que absorveu para a formação de outros jovens. De preferência, de dentro da universidade. “Eu espero estar junto de pessoas que produzam conhecimento e saber dessa maneira implicada. E pretendo fazer mestrado, doutorado, estudar e pesquisar. E pra isso eu preciso lutar, estabelecer formas de coletivizar esses desejos e desesperos para que a gente possa enfrentar todo esse desmonte dos nossos direitos e da universidade pública porque eu quero ser professor de uma universidade pública. Então essa é a minha meta, a minha luta para que possamos ter a universidade pública”.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

 

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