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Jovem cearense diz como foi morar no Rio de Janeiro, a vida entre o Norte e o Nordeste, sexo, HIV/AIDS e homofobia. “Quando eu era mais novo, as pessoas diziam ‘não chega perto do meu filho porque meu filho não é como você’ ’’


O Rio de Janeiro tem a alcunha de cidade maravilhosa. Internacionalmente famosa pelas belas praias, localização privilegiada entre o mar e montanha, povo acolhedor. Todas essas características encantam turistas – de fora e de dentro do Brasil. E foi querendo descobrir todos esses adjetivos, com a premissa de estudar, que o jovem cearense Diego Medeiros resolveu radicar-se por algum tempo no estado da Guanabara. Durante quatro anos e meio fez do bairro das Laranjeiras sua morada, onde residia com sua tia e primos.

Apesar de não ter atingido por completo o objetivo inicial, ele não tem do que reclamar da vivência. “(Morar no RJ) foi diferente, foi transformador. É a palavra correta porque descobri várias coisas, pessoas legais. (Vim para) estudar. Primeiro eu fiz Direito, mas não me dei muito bem com a área das leis, foi uma problemática para mim. Depois eu fiz Publicidade e não concluí o curso por conta de outros problemas e aí eu voltei para o Ceará por conta de uma bolsa de estudos”. Apesar de sentir saudades da cidade, o jovem – que tem Paz como sobrenome – reconhece temer a violência da cidade. Sentimento compartilhado por outros conterrâneos. “Muita gente lá no Ceará é preconceituoso com isso. ‘Ah porque lá no Rio tem muito crime, muito assalto, muito roubo’, (mas) sinto (falta de morar no Rio), dos meus amigos, de ficar pra lá e pra cá, conversando com todo mundo, conhecendo todo mundo, cada espaço da cidade”, conta ele.

Seu regresso ao Ceará, como dito acima, foi motivado por uma bolsa de estudos para completar seu ensino superior. Mas diferentemente do que esperava não seria em seu estado natal que concluiria a graduação. Morador de Camocim, cidade do interior cearense, a vaga era para estudar no Piauí – não muito distante de onde mora. Problemas quanto à isso? Nenhum. “Eu vou e volto todos os dias do Piauí porque é pertinho. São duas horas de viagem mesmo. Vou de carro, de ônibus e não tem nenhum empecilho quanto a isso. Eu moro mais no Piauí por conta dos meus estágios e por conta da faculdade também. Quando eu tenho muito trabalho na faculdade eu prefiro ficar no Piauí porque tenho mais tempo pra estudar. Eu já sabia que ia morar no Piauí, só não sabia que seria tão próximo à Universidade. Eu imaginei que fosse Teresina, mas não. Não é Teresina. É Parnaíba e Parnaíba é bem próximo da minha cidade”, resume.

E após experimentar o Direito e não terminar a Publicidade Diego enveredou-se por outra área com essa oportunidade. Por uma área que despertara um amor platônico, mas era um caso mal resolvido por ‘N’ questões – principalmente financeiras, já que não é um dos cursos mais baratos: a Arquitetura. “Eu fazia Comunicação e fui pra lá pra continuar meu curso de Comunicação, só que não abriu turmas de Jornalismo nem de Publicidade na cidade, então eu tinha que abraçar um outro curso pra poder dar continuidade na bolsa. Eu sempre quis fazer Arquitetura, era uma opção. Então como Arquitetura sempre foi uma opção minha de faculdade, de vida, de tudo, aí acabou caindo no meu colo e eu gostei muito”, explica.

Questionado sobre estudar Arquitetura fora do eixo Rio-São Paulo, onde geralmente encontram-se as maiores oportunidades pós-formação, o estudante mostrou-se ciente que fez um caminho inverso, porém afirma que “as pessoas no geral, lá no Nordeste e Norte, elas estão pensando mais em Arquitetura. Porque? Por conta das leis, dos planos diretores das cidades que são obrigadas a cumprir todas aquelas metas e a gente precisa sempre de um arquiteto e de um engenheiro. Então é uma mescla de tudo”. E completa. “Eu fiz o oposto do que as outras pessoas fazem justamente pela facilidade de estar com meus pais. Porque quando você mora perto da sua família é mais fácil de se manter. Tem as responsabilidades, claro. Mas a gente se mantém um pouco mais aliviado.”

Família e Sexualidade

Ser um LGBTI+ (Lésbica, Gay, Bissexual, Travesti, Transexual e Intersexual) no país que mais assassina essa população no mundo nunca foi fácil. Porém, numa realidade geográfica como a do Brasil, de proporções continentais e com regionalismos fortes em cada área, certamente algumas peculiaridades pressionam ainda mais. E Diego sabe bem como pode ser difícil o despertar da sexualidade nesse contexto.

“Nossa, essa parte é complicada (sobre quando revelou sua sexualidade). Tipo, a descoberta já foi muito difícil. Eu só fui descobrir aos meus 18 anos. Quer dizer, não é que eu fui descobrir porque não é bem uma descoberta. A gente não acha a sexualidade ali na esquina. No caso foi mais a minha aceitação. Foi lá em São Paulo. Eu passei seis meses em São Paulo jogando – eu sou atleta de handball – pelo time do São Caetano do Sul e nós estávamos fazendo uma competição e de repente chegou um rapaz para conversar comigo. E ele começou a flertar comigo. E eu aceitei aquilo ali de boa. Dentro desses seis meses eu acabei me envolvendo com esse rapaz. Depois que eu voltei pro Ceará pra poder vir pra cá (no Rio) é justamente quando eu tinha entrado na universidade federal pra fazer Direito e fui descobrindo melhor o que eu queria. O que eu realmente gostava. E consegui me aceitar melhor a partir desse momento”, descreve. Mas no meio disso tudo ainda tinha a família. E se havia algum temor, quando decidiu abrir-se para familiares, tudo caiu por terra.

“Nossa, meus pais são maravilhosos. Tenho nem o que falar. A minha família hoje aceita muito bem. Nem parece que eu sou o único homossexual da família. Não é nem só a família, mas os amigos também. Eu tenho um percentual de 98% de amigos heterossexuais. Mas quando eu comecei a conversar com todo mundo e explicar, externar isso pra eles, todos me abraçaram como se eu fosse irmão deles, da família de todos”, conta ele orgulhoso desse fato ainda exclusivo da realidade de poucos pares. “Meu pai só virou pra mim e falou desse jeito ‘se você estuda e não faz nada de errado não tem o porque te julgar’. Com certeza (não é a realidade de todo LGBT)”, lamenta.

Apesar do acolhimento dos mais próximos, logo a homofobia – e a cultura local mais conservadora – apresentou-se em seu dia a dia. “Já vi casos de homossexual ser espancado na porta da escola, na porta da universidade, na porta de casa, na rua também. Mais por conta do preconceito das outras pessoas e não por conta do preconceito da família. Eles sempre apontam “ah mas na sua família tem homossexual, mas na minha não pode ter”. É esse o pensamento deles. Acontecia muito isso comigo quando eu era mais novo, com 19 pra 20 anos, as pessoas dizerem assim ‘ah não chega perto do meu filho porque meu filho não é como você’. Eu sou doente? Tenho algum vírus pra transmitir?  Era homofobia, mas não era denominada como. Até hoje pra eles isso ainda existe, é muito regional, é muito de criação”, pontua.

LGBTI e Negro

Negro, nordestino e homossexual. Alcunhas que se interseccionam e trazem consigo muitos conflitos. Não necessariamente por parte do indivíduo, mas de quem o enxerga somente por esses prismas para categorizá-lo ou reduzi-lo. Questionado acerca do tema, Diego foi enfático em sua resposta. “Na minha turma tem um monte (de gays). Negro (e LGBT), só eu. Sim, aumenta sim (a responsabilidade de ser gay e negro) porque eu tenho que estudar mais que eles. Eu tenho que virar mais noites que eles.  Sim, já (sofri racismo e hipersexualização). Já me disseram que eu não podia vestir tal roupa porque era muito masculina. Já me disseram que não podia vestir outra roupa porque era muito feminina. Já me disseram que eu era muito empoderado e que eu não podia vestir uma outra coisa que não fosse étnico. Esse é um dos exemplos do que acontece com os LGBTIs negros de todo o país, porque não é só comigo, não é só com você, não é só com o carinha ali da esquina ou do metrô. É com todo mundo. Todo mundo é taxado de alguma forma. É dessa forma que acontece”, exaspera.

Prevenção

O que também acontece em todas as suas relações, segundo suas próprias palavras, é a certeza do uso da camisinha como aliada da prevenção. Segundo o jovem, “não tem negociação: é só com camisinha e pronto. Não vai rolar sem camisinha”. E isso é uma postura adotada, principalmente, pelos ensinamentos obtidos na escola através de um professor. “Eu tive um professor de Biologia e ele teve sífilis. Aí ele falava o que podia acontecer com sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis. E eu virei pra mim mesmo e falei ‘eu não quero isso pra minha vida’. Aí perguntei quais eram as vias de prevenção e ele falou todos os tipos de prevenção e disse pra mim que o mais seguro era a camisinha. Então eu acredito nele até hoje”.

O que teve uma valia ainda maior para Diego, uma vez que dentro de casa o assunto sexo ainda é tabu e, praticamente, proibido. “Dentro de casa eu não falo sobre sexo. Minha mãe me reprime (risos) quanto à falar de sexo. Ela fica envergonhada e não gosta que fale. Nem com meu pai. Com meu pai é zero sexo. Pra ele eu não faço sexo e não existe sexo na minha vida”, revela. Mas ele tem uma justificativa para isso. “É a criação deles mesmos, eles não conversam sobre sexo nem entre si. Acontece de eu soltar uma ou outra, mas eles ficam fugindo de qualquer forma. Eles procuram outras formas de falar comigo porque eles mesmos têm vergonha disso. Eles acham que o sexo é vergonhoso e a gente sabe que não é. Mas é a criação deles e eles ficam todo envergonhados e avermelhados”.

Infecção por HIV em jovens

Diferentemente de seus pais, que são de outra geração, a nova geração lida com o sexo de uma maneira mais aberta e fluída. Porém, isso não impede que muitos deles negligenciem sua vida sexual e se exponham aos riscos que uma relação desprotegida pode acarretar. Tão jovem quanto outros tantos, para Medeiros, o lapso acontece por falta de informação adequada.

“(Acontece) porque a galera jovem está transando real, por aí, toda hora. Eu sou jovem e se deixar eu transo com meu namorado todo dia. E acontece, o jovem está transando todo dia, toda hora, onde dá, com quem dá. A camisinha não perdeu a importância de forma nenhuma, eu acho que é a falta de informação das pessoas mesmo. Eles não buscam (informação) e às vezes tem vergonha de ir na farmácia comprar camisinha. Às vezes os jovens eles pegam o telefone e vão ver a informação, mas a informação é tão banal que não tem importância nenhuma. Eles procuram mais a leitura no WhatsApp, mais imediato, pronta leitura. A geração de hoje é muito imediatista, querem tudo na palma da mão, ali naquele momento e é muito difícil você trabalhar com jovem que não quer uma informação”, reconhece ele.

E, diante dessa perspectiva, para ele seria essencial que os temas fossem tratados dentro do ambiente escolar. “Sim, (as escolas deveriam tratar do tema) da sexualidade. A galera vê a sexualidade ainda como tabu nas escolas. Se você chegar e ver a quantidade de jovens lá no Ceará de meninas grávidas, de gente fazendo sexo dentro da escola mesmo, então é um risco. Mas eles estão vivendo ali todos os dias. E todos os dias eles fazem sexo. Se duvidar, eles fazem mais que eu”, observa.

E em sua opinião o viés da prevenção também passa pela importância da testagem sorológica regular. “Porque eu não sei se antes de mim essa outra pessoa (com quem transei) teve alguém que já transou sem camisinha, se a outra pessoa já teve DST e esse meu parceiro não sabe. Meu último teste de HIV foi agora em agosto de 2018. Tem uma porrada de gente que tem medo. Tem amigos meus que tem medo de fazer esse teste, de dar alguma coisa e acabar se deprimindo. Mas eu já aconselhei alguns amigos meu, eles foram no meu papo, fizeram o exame e agora se previnem e usam camisinha. Não transam mais sem camisinha. Porque a gente vive num mundo, sei lá, distorcido. Cheio de informação, mas nem sempre todo mundo tem aquela informação”.

Importância do Projeto

E para uma informação embasada, de qualidade e objetiva muitas das vezes o caminho nem sempre está na internet. Diversas organizações não-governamentais realizam trabalhos de ponta e de destaque dentro do campo do HIV/AIDS, sexo, sexualidade e temas correlatos. E para o universitário isso é fundamental. “Nossa, na época que eu morei aqui no Rio eu trabalhava bem aqui na (Rua) Buenos Aires e eu não conhecia a ABIA. E eu achei um projeto super magnífico porque, tipo, eu tenho uma colega que ela tem HIV lá em Fortaleza e ela tem o acompanhamento de um ONG. Aí ela se sente bem com todo mundo que tá lá, faz eventos também, já me convidou para alguns e eu não fui (risos). E vocês se dedicam a informar outras pessoas, ajudar outras pessoas, a direcionar pessoas que tem uma problemática e que tem aquela dificuldade de resolução. Eu dei uma lida lá no informativo e vi o DVD (do projeto) e nossa, cara, é muito foda. Porque vocês fazem um trabalho de direcionamento da pessoa. É mais fácil você ter um acompanhamento com uma ONG tipo a ABIA do que eu procurar uma ajuda só. Então se a gente procurar as ONGs especializadas como a ABIA, tipo essa ONG que a minha amiga faz o acompanhamento com eles, seria muito mais fácil. Seria não, é.  E é muito legal isso”, elogia.

Futuro

Assertivo, Diego não titubeia ao responder sobre o que aspira para o futuro. Principalmente após estar na terceira graduação e ainda não ter completado nenhuma. “Bom, (espero) me formar primeiro (risos). Meu foco principal é me formar. Termino no finalizinho de 2021. No pessoal eu tô bem encaminhado, graças a Deus. Tenho uma família boa pra caramba, não tenho do que reclamar. E é mais profissional mesmo porque eu tenho que me formar. Depois de ter passado por três faculdades eu tenho que terminar essa e depois só trabalhar mesmo. E vamos ver o que vai dar (sobre retornar ao Rio). Negócio da construção civil aqui no Rio sempre é muito presente. E é isso que eu quero”.

 

Texto e Fotos: Jean Pierry Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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