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Jovem ativista conta como foi mudar-se da Baixada Fluminense para a capital federal, o trabalho na UNAIDS, racismo, religião, AIDS, homossexualidade e outros temas


Uma vida desde a tenra adolescência até a fase adulta dedicada ao ativismo, ao combate à discriminação, estigmas, preconceitos e outros dilemas. Assim podemos resumir a trajetória de Lázaro Silva. O jovem que sempre percorreu distâncias entre Queimados, na Baixada Fluminense, e o Centro ou a Zona Sul do Rio de Janeiro  durante seus trabalhos sociais, jogou-se de peito aberto a novos desafios e hoje encontra-se em Brasília, no Distrito Federal.

Sempre presente no movimento social, hoje em dia, Lázaro tem a oportunidade de estar do outro lado do front atuando como Consultor de Projetos e Programas na UNAIDS (Programa Conjunto das Nações Unidas sobre o HIV e a AIDS), da Organização das Nações Unidas (ONU). “Tem sido uma experiência muito diferente. Agora eu tô trabalhando com o UNAIDS e consigo ver o outro lado, enxergar as coisas com uma outra ótica”, disse ele.  Além de um acréscimo importante no currículo, o jovem afirma que a mudança de ares também foi bom no que tange ao aspecto urbano da capital do Brasil.  Oriundo de uma das cidades e regiões mais violentas do Rio de Janeiro, Lázaro afirma sentir-se menos preocupado com a questão de segurança no Centro-Oestre brasileiro. “O Rio de Janeiro é uma cidade muito violenta e Brasília dá uma sensação de segurança, onde você pode andar com celular na mão até determinada hora. Eu também consigo chegar um pouco mais tarde em casa, que é uma coisa que no Rio eu tinha essa preocupação porque morava muito longe, fazia as coisas no Rio e sempre eram coisas distantes de minha casa e ficava tarde(pra voltar)”, afirma. Mas apesar disso, também sentiu diferenças nem tão vantajosas assim. “Brasília é uma cidade que tem um custo de vida muito alto e também é uma cidade muito elitista e pensada na elite”, conta.

Outra importante mudança proporcionada pelo deslocamento foi no que diz respeito a relação com sua mãe. Não que tivessem um diálogo estritamente conflituoso, mas faíscas e rusgas surgiam em determinados momentos e baqueava a convivência diária. “Cortar esse laço com minha mãe tem sido bem diferente. Eu só contei (para a família sobre a viagem) na semana que eu tava (sic) indo, na semana que eu estava arrumando minha mala. Eu não contei antes porque estava esperando as coisas se concretizarem até que eu fosse. Minha mãe reagiu muito bem, foi uma época em que a gente não estava tendo uma relação muito boa e me serviu de válvula de escape ter saído do estado”, revela. E completa: “Minha mãe é religiosa e eu como homossexual, para ela, era um tanto de problema. Não tanto para ela, mas por conta do esposo dela que também era cristão e ela ficava nesse embate entre mim e o marido dela, entre quem defender. Tinha muito disso”.

Apesar da matriz religiosa, o jovem conta que nunca precisou externar com todas as letras  sua sexualidade para a mãe ou outro membro familiar. Segundo ele, “foi uma coisa que aconteceu, quando eu vi já estava namorando e aí falei da minha sexualidade naturalmente. Eu sempre me vi muito normal e muito parecido com meus irmãos heterossexuais, que nunca precisaram revelar sua heterossexualidade, e eu também nunca me vi na necessidade de revelar minha homossexualidade”. Apesar de acreditar que em muitos momentos a dualidade religião x homossexualidade possa ter pesado no convívio materno, hoje a situação encontra-se num processo harmonioso e respeitável. “Hoje em dia é até melhor porque a gente conversa mais, eles têm acesso ao meu namorado, conversam com meu namorado. É super de boa”. Mas nem sempre a sua relação particular entre fé e sexualidade foi tão bem resolvida assim. Durante um bom período de sua adolescência, a culpa e o sentimento de inconformidade estiveram como companhia. “Porque eu estava dentro de uma religião que dizia que era errado, que era pecado e eu me martirizei durante muitos anos. Isso traz marcas durante a vida toda de coisas que a gente ouve, dizendo que era coisa do diabo, que era disso e daquilo”, pontua.

Mas conforme o tempo progredia, junto com ele veio maiores ensinamentos, mudança de atitude e a confiança necessária para interpretar dogmas religiosos em sua diversidade. “Eu acho que isso foi um processo enquanto eu fui crescendo, amadurecendo e tendo um maior relacionamento com Deus, não só do que me falavam, mas do que eu conversava com Ele. Eu pude ver que a minha sexualidade não influenciava na minha relação com Deus como as pessoas me diziam”.

Homossexualidade e Negritude

“Até pouco tempo eu tinha a teoria de que todos as vezes em que eu enfrentei casos de racismo eram atrelados a minha sexualidade. Eu não via pelo fato de que é porque sou um homem negro. Era sempre porque eu era negro e gay. Muitos casos de racismo que eu sofri foram atrelados a minha sexualidade”. A afirmação em tom quase confessoral de desabafo dá a tônica de duas vertentes que se transversalizam: a negritude e a homossexualidade. Historicamente vistos como potentes sexualmente, fortes fisicamente e emocionalmente, avantajados e hipersexualizados em métricas corporais o homem negro também padece com muitos esteriótipos dentro dos padrões exigidos na comunidade LGBT.

Questionado se isso seria um dos motivos para afrocentrar as relações gays, Lazáro afirma que a questão “vai muito além de você estar num relacionamento com outro negro. Eu acho que afrocentrar é uma questão política também. Não é só eu estar namorando um cara que também seja negro, porque eu não acho que isso é um relacionamento afrocentrado. Isso vai da forma que eu levo meu relacionamento e se meu relacionamento é político. Vai muito isso também. Eu acho muito importante homens negros e casais com duas pessoas negras, porque é muito diferente. É diferente a forma como você conversa, é diferente a forma de ter com quem conversar sobre racismo, sobre coisas que aconteceram no seu dia a dia. Fica até mais fácil você enfrentar algumas coisas. Às vezes eu estou em alguns lugares com meu namorado e eu percebo, a gente consegue perceber juntos algumas coisas de dois homens negros na rua”.

A questão para ele, porém, extrapola limites meramentes de sexualidade. O problema encontra ecos em outras vertentes e lados sociais, muito por conta do histórico desigual de formação do país. “A gente vive (sic) numa sociedade totalmente branca, totalmente racializada, onde os negros só tem o lado serviçal. A gente tá sempre acostumado a ver o negro subserviente, de ver o negro em segundo plano. Tem muito disso também. Eu cresci muito sob essa ótica da minha mãe falar que por ser negro eu teria que ser duas vezes bom e isso por um lado é muito ruim porque faz com que você quando não atinge essa dualidade de ser bom duas vezes, faz com que você se frustre quando não consegue atingir as expectativas das pessoas. Essa expectativa de ser muito bom no que você faz é uma pressão que eu não vejo em pessoas brancas. Isso acaba trazendo vários constrangimentos pra (sic) gente quando não conseguimos ser bom ou quando é bom e tem que ficar provando o tempo todo que somos bons. A gente tem que provar o tempo todo que somos bons e merece o lugar que tá ocupando”, sinaliza.

Isso quando é oportunizada a possibilidade de viver para poder ter a chance de provar algo. “O Brasil é o lugar onde mais se mata jovens negros no mundo, é o país onde a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado. Eu acho que esse é um momento da gente se debruçar e ver onde está errando ou o que a gente pode fazer para que menos jovens morram. É um momento de se debruçar sobre essas questões, sobre que somos a maior parte da população brasileira e os mais presentes nos presídios. (É) hora de se debruçar nessas questões políticas. Toda vez que eu vejo que uma Marielle foi assassinada, toda vez que eu vejo que uma Matheusa foi assassinada brutalmente numa comunidade do Rio de Janeiro poderia ser eu. Porque eu também sou jovem, eu também sou negro, eu também sou periférico. Poderia ser eu. Toda vez que eu vejo um rapaz jovem, um adolescente que foi cooptado pelo crime – porque infelizmente o crime é uma coisa atraente e de ascensão social – eu vejo que poderia ser eu. Isso me afeta diretamente porque eu tenho familiares negros, eu tenho irmãos negros, eu tenho primos negros que por mais que não sejam tão pertos à mim eu acho que quando acontece alguma coisa com uma pessoa negra, eu acho que todos os outros negros também deveriam sentir essa dor porque diretamente ou indiretamente é com a gente”.

Representatividade

Apesar dos pesares, se tem algo de bom no que tange aos negros – atualmente – no Brasil, é o maior alcance de sua representatividade. Nascido ainda sob a regência dos anos 90,  Lázaro afirma que as novas gerações têm a oportunidade de se enxergarem em diversas plataformas, desde muito pequenos, o que em sua época era completamente diferente. “Eu acho que agora eles têm muito mais pessoas pra se inspirar. Muito mais artistas e escritores. Por mais que a gente se veja pouco nas mídias, se veja pouco na televisão, a gente se vê pouco em novelas, hoje em dia dia o negro tem muito mais voz. Por mais que a gente seja ainda muito silenciado a gente passou a ter voz e isso a gente não tinha há tantos anos atrás em representatividade”, rechaça.

Mas ele ressalta que isso não veio somente pelo bem querer de setores que comandam ou ditam novas regras quanto ao consumo. Muito disso parte da própria organização e luta do movimento negro e que, portanto, sempre se faz necessário manter-se atento aos sinais porque ainda há muitos desafios a serem superados, mesmo com progressões tardias ou minimamente alcançadas. Um exemplo atual é o caso da novela “Segundo Sol”, no horário nobre da Rede Globo. Ambientada na Bahia a novela vêm sendo alvo de cometários e críticas das mais negativas de público, crítica e principalmente dos movimentos negro por conta da baixíssima presença de atores afro-brasileiros na história. Para o jovem, a saída passa pela presença de mais representantes negros por detrás das câmeras.

“Essa novela ficou muito em evidência de que já tá mais do que na hora da gente ser escrito, da gente ter diretores, de escritores negros. Da gente não precisar ter nossas histórias contadas por brancos. Onde estão os diretores negros? E onde estão os escritores negros? A gente também tem que discutir sobre isso, sobre onde tá o nosso povo. A gente tem muitos artistas negros, a gente tem cantores negros muito bons, tem diretores negros muito bons. Eu acho importantíssimo ter a história de um artista negro sendo contada pela ótica de uma pessoa negra. Isso é muito importante. E que tenha mais Lázaros Ramos e Taíses Araújo, porque eles não são os únicos atores negros”, verbaliza ele.

HIV/AIDS, PrEP e PEP

Trabalhando num dos principais organismos internacionais de auxílio no combate à epidemia de AIDS e com uma vasta experiência na militância na área, Silva tem muito o que dizer sobre o assunto. Enfático, quando questionado sobre o uso da camisinha, sua resposta é objetiva. “Eu não gosto dessa fala ‘camisinhocêntrica’(sic) de que tenha que usar camisinha. Tem que ser algo negociado e conversado. Porque não adianta eu falar pra pessoa não usar e não explicar que ‘se você não usar acontece isso’. Eu acho que as pessoas têm que estar cientes de que se você não usar pode acontecer isso. Eu sou a favor da liberdade dos corpos, não dessa pressão do ‘use, use, use’. Porque não tem funcionado”.

Atualmente numa relação estável e monogâmica, ele disse que questões de prevenção sempre são largamente discutidas com seu parceiro. “Então, a gente fala muito sobre essas questões de HIV até porque ele trabalha diretamente com isso já tem bastante tempo. Meu namorado faz uso da PrEP(Profilaxia Pré-exposição), ele tem 20 anos e já tem dois meses que ele faz o uso da PrEP, e a gente fala muito até porque estamos inseridos nesse contexto e também falamos sobre questões como prevenção e uso do preservativo”, contou. Sobre as novas tecnologias de prevenção, Lázaro mostrou-se confiante e favorárel a sua implementação, mas faz uma ressalva: “Eu vejo essas medidas como aliadas assim como o preservativo. Que veio para somar junto à roleta de prevenções que a gente tem. Eu acho que ainda tem todo um certo tabu acerca da PrEP e a gente ainda tem umas mídias jornalísticas que fizeram um trabalho muito ruim falando sobre a PrEP e acho que tem que ser uma coisa muito bem divulgada para que mais e mais pessoas tenham acesso. Eu acho que a gente tem que ir onde o jovem mais fica: nas mídias sociais e internet. Fazer campanhas nas redes sociais, na televisão sobre PrEP, sobre PEP(Profilaxia Pós-exposição) porque muitos jovens não sabem o que é PEP e o que é PrEP”, alerta ele também citando uma outra importante ferramenta de prevenção, já disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de exposição sexual acidental ou casos de abuso e violência sexual.

Mas como incorporar e salientar a eficácia e adoção de novos métodos de prevenção no combate ao HIV, AIDS e as Infecções Sexualmente Transmissíveis, se a técnica mais popular, a camisinha, vem perdendo protagonismo? Para o carioca, a resposta se traduz em conservadorismo e tabu. “A gente tem que ver também que ultimamente temos estado num contexto super conservador em que a gente não pode falar de educação sexual, senão falam que a gente tá induzindo a sexualidade das pessoas. Eu acho que essas barreiras de falar de HIV é onde a epidemia cresce, nesse conservadorismo de não poder falar de certas coisas, de não poder ofertar preservativos. É preciso falar de HIV e de sexo em tempo e fora de tempo (de festas e datas alusivas ao HIV), porque as pessoas se infectam todos os dias. As pessoas não se infectam só no carnaval, as pessoas não se infectam só na festa junina. As pessoas se infectam e transam o tempo todo. Eu acho que a gente tem que falar de HIV e prevenção em tudo quanto é lugar. Tem que passar na rua e ver um banner falando sobre HIV, falando sobre prevenção, tem que tá na praia falando sobre prevenção. Porque é importante. Tem muito tabu sobre sexo e o HIV ele traz duas esfínges muito importantes: que é a vida e a morte. As pessoas não gostam de falar sobre morte e as pessoas não gostam de falar sobre sexo. E ainda um dos maiores meios de infecções é o sexual, (mas) as pessoas não gostam de falar sobre sexo, as pessoas não gostam de falar sobre prevenção. Tem pessoas que não gostam nem de pegar camisinha na rua. Tem pessoas que tem vergonha de comprar preservativos, sendo que todo mundo transa. E quem não transa, um dia vai transar. Se é uma coisa tão comum porque  a gente não fala com tanta liberalidade sobre sexo?”, indaga.

É aí que entra o trabalho de projetos como o Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS e de outras ONG’s da sociedade civil para Lázaro. “É (importante) porque a gente toca em assuntos que a sociedade não quer tocar. Assuntos sobre morte, sobre HIV, sobre sexo, sobre prevenção. E a gente vai onde as pessoas estão. Hoje em dia eu acho que a gente tem que gritar muito mais alto e tem maiores meios de chegar nas pessoas, coisas que antes a gente não tinha”.

Futuro

Mas e você Lázaro, onde quer chegar ?

“Eu viso continuar trabalhando com HIV que é a área que eu gosto. Eu quero ter um trabalho direcionado para o HIV e a juventude negra, é meu foco”, obstina.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

 

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