Um grupo de modelagem convocado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Unaids) estimou que, se não forem feitos esforços para mitigar e superar as interrupções nos serviços e na distribuição de insumos de saúde causados pela pandemia de COVID-19, uma interrupção de seis meses da terapia antirretroviral poderia levar a um número superior a 500.000 mortes a mais por doenças relacionadas à aids, incluindo tuberculose.
As estimativas se referem ao cenário na África Subsaariana, para o período entre 2020-2021. Em 2018, estima-se que 470.000 pessoas morreram de causas relacionadas à aids na região.
Existem muitas razões diferentes que podem causar a interrupção dos serviços–esse exercício de modelagem deixa claro que as comunidades e os parceiros precisam agir agora, pois o impacto de uma interrupção de seis meses na terapia antirretroviral pode efetivamente nos colocar de volta ao nível de mortes relacionadas à aids visto em 2008, quando mais de 950.000 pessoas morreram na região por estes motivos.
A estimativa é de que, devido à interrupção destes serviços HIV, as pessoas continuariam morrendo em grandes números por pelo menos mais cinco anos, com um excesso médio anual de 40% de mortes nesta próxima meia década. Além disso, as interrupções nestes serviços também podem ter impacto na incidência de HIV no próximo ano.
“A perspectiva terrível de meio milhão a mais de pessoas morrendo de doenças relacionadas à aids é como retroceder no tempo”, disse Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS.
“Devemos ler isso como um alerta aos países para identificar maneiras de sustentar todos os serviços vitais de saúde. Para o HIV, alguns países já estão tomando medidas importantes como, como por exemplo, a garantia de que as pessoas possam retirar quantidades maiores de medicamentos para seu tratamento e outros insumos essenciais, incluindo kits de autoteste, em pontos de entrega, o que alivia a pressão sobre os serviços e equipes de saúde. Também devemos garantir que os suprimentos globais de testagem e tratamento continuem a fluir para os países que precisam deles”, acrescentou o diretor da OMS.
Na África Subsaariana, estima-se que 25,7 milhões de pessoas viviam com HIV e 16,4 milhões (64%) estavam em terapia antirretroviral em 2018. Agora, essas pessoas agora correm o risco de interromper o tratamento porque os serviços de HIV estão fechados ou encontram-se impossibilitados de fornecer terapia antirretroviral devido a interrupções na cadeia de suprimentos ou porque os serviços simplesmente ficam sobrecarregados em função das necessidades concorrentes para apoiar a resposta à COVID-19.
“A pandemia do COVID-19 não deve ser uma desculpa para desviar o investimento do HIV”, disse Winnie Byanyima, diretora executiva do Unaids. “Existe o risco de que os ganhos suados da resposta à aids sejam sacrificados na luta contra a COVID-19, mas o direito à saúde significa que nenhuma doença deve ser combatida à custa da outra.”
Quando o tratamento é seguido adequadamente, a carga viral de HIV de uma pessoa cai para um nível indetectável, mantendo a pessoa saudável e impedindo a transmissão progressiva do vírus. Quando uma pessoa é incapaz de tomar terapia antirretroviral regularmente, a carga viral aumenta, afetando a saúde da pessoa, o que pode levà-la à morte. Mesmo interrupções relativamente curtas no tratamento podem ter um impacto negativo significativo na saúde de uma pessoa e aumentar o potencial de transmissão do HIV.
Esta pesquisa reuniu cinco equipes de modeladores que usam diferentes modelos matemáticos para analisar os efeitos de várias possíveis interrupções nos serviços de testagem, prevenção e tratamento do HIV causados pela COVID-19.
Cada modelo analisou o impacto potencial de interrupções do tratamento de três meses ou seis meses na mortalidade por aids e na incidência de HIV na África Subsaariana. No cenário de interrupção de seis meses, as estimativas de excesso de mortes relacionadas à AIDS em um ano variaram de 471.000 a 673.000, tornando inevitável que o mundo descumpra a meta global de 2020 de alcançar menos de 500.000 mortes relacionadas à aids em todo o mundo.
Interrupções mais curtas de três meses teriam um impacto reduzido, mas ainda significativo, sobre as mortes por AIDS. Interrupções mais esporádicas do suprimento de terapia antirretroviral levariam à adesão esporádica ao tratamento e à consequente à disseminação da resistência aos medicamentos para o HIV, com consequências de longo prazo para o sucesso futuro do tratamento na região.
Serviços interrompidos também podem reverter os ganhos obtidos na prevenção da transmissão do HIV de mãe para filho. Desde 2010, as novas infecções por HIV entre crianças na África Subsaariana diminuíram 43%, de 250.000 em 2010 para 140.000 em 2018, devido à alta cobertura dos serviços de HIV para mães e filhos na região.
A redução desses serviços por seis meses, em função da COVID-19, pode fazer com que novas infecções por HIV em crianças aumentem drasticamente, em até 37% em Moçambique, 78% no Malawi, 78% no Zimbábue e 104% em Uganda.
Outros efeitos significativos da pandemia de COVID-19 na resposta à aids na África Subsaariana que podem levar a uma mortalidade adicional incluem a redução no atendimento clínico de qualidade devido à sobrecarga dos estabelecimentos de saúde e suspensão de testes de carga viral, redução no aconselhamento para adesão e troca de regime de medicamentos.
Cada modelo também considerou até que ponto uma interrupção nos serviços de prevenção, incluindo suspensão da circuncisão ciúrgica voluntária, interrupção da disponibilidade de preservativos e suspensão do teste de HIV, afetaria a incidência do vírus na região.
A pesquisa destaca a necessidade de esforços urgentes para garantir a continuidade dos serviços de prevenção e tratamento do HIV, a fim de evitar excesso de mortes relacionadas à aids e prevenir aumentos na incidência do HIV durante a pandemia de COVID-19. Será importante que os países priorizem o apoio às das cadeias de suprimentos e garantam que as pessoas que já estão em tratamento possam continuar em tratamento, inclusive adotando ou reforçando políticas como a dispensação de terapia antirretroviral por vários meses, a fim de reduzir a necessidade de acesso a serviços de saúde para manutenção de rotina, reduzindo a carga sobre os sistemas de saúde já sobrecarregados com a pandemia.
“Toda morte é uma tragédia”, acrescentou Byanyima. “Não podemos sentar e permitir que centenas de milhares de pessoas, muitas delas jovens, morram desnecessariamente. Peço aos governos que garantam que todas as pessoas que vivem com HIV recebam suprimentos regulares de terapia antirretroviral–algo que é capaz de literalmente salvar vidas”
Fonte: Unaids