“Você já viu os sintomas de algumas infecções sexualmente transmissíveis?”
É com essa pergunta que inicia uma nova campanha do Ministério da Saúde para estimular o uso de camisinha. A estratégia foi lançada na tarde desta quinta-feira (31).
Focada em jovens de 15 a 29 anos, a estratégia aposta na reação de jovens ao pesquisar imagens na internet de infecções como sífilis, gonorreia e clamídia. Em vídeo, o grupo reage com expressões de medo, nojo e repulsa.
“Se ver já é desagradável, imagine pegar. Sem camisinha, você assume esse risco. Use camisinha e se proteja dessa e de outras infecções sexualmente transmissíveis”, finaliza um narrador no vídeo.
O vídeo tem gerado reações entre especialistas, que veem risco de aumentar o estigma em relação a essas infecções.
Para Mário Scheffer, da Faculdade de Medicina da USP, a redução que vem sendo apontada em pesquisas no uso de camisinha reforça a necessidade de novas campanhas de prevenção.
“Mas o mote da campanha ‘Sem camisinha, você assume o risco’ é antiquado e comprovadamente pouco eficaz. Lembra campanhas do início da década de 1990, do governo Collor, que pregavam que ‘Se você não se cuidar, a Aids vai te pegar’’, afirma ele, para quem a estratégia termina mais “por estigmatizar e discriminar quem se infectou do que para prevenir”.
“Estamos falando de sexo e de prazer, e neste caso, não funciona campanha de choque e de culpa, como dizer que ‘o risco é seu’. Choque e culpa não deram certo no começo da epidemia de HIV, e mais afastam do que aproximam jovens da prevenção.”
Segundo ele, evidências atuais apontam que comportamentos associados à maior vulnerabilidade em relação à sífilis, HIV e outras infecções e doenças sexualmente transmissíveis não dependem só da vontade pessoal. “Há questões sociais, além de preconceitos, machismo, homofobia e diferentes realidades que levam ao aumento das infecções”, diz.
Avaliação semelhante tem o infectologista Esper Kallás. “Ao focar nas reações de temor e rejeição, [a campanha] aumenta o estigma às infecções, quando deveria combater o preconceito”, diz.
Para ele, o combate às infecções sexualmente transmissíveis deveria focar no diagnóstico precoce, como estimular a procura por testes e assistência médica em caso de suspeita da doença. “Todas têm tratamento”, informa.
Na visão de Salvador Correa, da Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), embora seja importante ter campanhas de prevenção, “a forma escolhida pelo Ministério da Saúde é um caminho criativo para propagação do terror e do pânico moral”. “A campanha aponta algo grave: a desinformação sobre as IST. No entanto, estimular o conhecimento e a informação não pode ser sinônimo de educar pelo medo.”
Questionado no lançamento se a medida não pode gerar estigma ao trazer imagens de repulsa ao ver os sintomas, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta nega e diz que a ideia é aumentar “o medo de pegar a doença”.
“A maioria das pessoas não sabem [o que são essas infecções]. Dizem: ah, isso aí, o que é isso? Quando se fala de cancro mole, de clamídia, de gonorreia, ou herpes genital, quando se depara com imagens, talvez seja um gatilho [para usar a camisinha]. Se eu perguntar para um conjunto da população sobre a importância da camisinha, todos vão dizer que é importante. Mas e usou? Entre a informação e a ação, existe um gap”, disse.
Segundo ele, a ideia era abordar a consequência de não usar a camisinha. O valor investido na estratégia foi de R$ 15 milhões.
Presente no lançamento, Mauro Romero Leal Passos, professor de DST na UFF, diz avaliar que a ideia transmitida na campanha de “se ver é ruim, pegar é pior” pode aumentar o conhecimento das infecções sexualmente transmissíveis. “É uma ideia de ver para reconhecer que aquilo pode ser uma DST e não achar que é um corrimento ou algo banal”, disse.
Além do foco nas reações, a campanha também chama a atenção por outros fatores.
Ao contrário de campanhas anteriores pró-camisinha, a iniciativa dessa vez cita apenas de forma rápida o HIV e a Aids. Também não cita grupos considerados mais vulneráveis a esse vírus, como gays e transexuais, público que também ficou de fora da campanha veiculada no Carnaval.
A exclusão foi criticada por especialistas da área. “É importante que toda campanha tenha foco em grupos mais vulneráveis, onde mais ocorre a transmissão”, afirma Kallás.
Mandetta diz que a opção por abordar jovens de forma ampla ocorre para chamar a atenção para outras infecções.
“As ISTs não têm cor, não tem religião. A que está mais ligada à questão da homossexualidade é a Aids. Mas as ISTs lato sensu são um grupo de risco também”, disse.
Ele critica o que chama de “rotulagem” das campanhas de prevenção nos últimos anos. “Parece que já se criou uma rotulagem, tem que ser o homossexual e a Aids. Como se tivéssemos só uma infecção transmissível e só para um público. Por muito tempo ninguém falava de sífilis. Ficou em segundo plano e as consequências estão aí.”
Dados divulgados pela pasta apontam aumento nos casos de sífilis nos últimos anos. Só em 2018, foram 158 mil casos de sífilis adquirida, um aumento de 32% em relação ao ano anterior. Com isso, a taxa de detecção atingiu 75,8 casos a cada 100 mil habitantes. No mesmo ano, foram 62 mil casos de sífilis em gestantes, além de 26 mil em bebês –casos transmitidos de mãe para filho.
“Posso dizer que, se mantiver desse jeito, a sífilis vai ser uma das principais infecções num cenário curto, muito maior do que a Aids”, disse o ministro.
Ele cobrou que haja mais medidas mais taxativas, como projetos de lei para responsabilizar parceiros que se negam a fazer o tratamento contra a doença, aumentando o risco de novas infecções.
Ainda de acordo com Mandetta, uma nova campanha, focada na testagem do HIV, deve ser lançada em dezembro.
Fonte: Folha de São Paulo