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Funkeiro, da periferia e gay: como fui parar na USP


Foto: Fábio Tito/G1

“Ficar indo todo dia da periferia para o centro, do centro para a periferia, da pobreza para a riqueza, da negritude para a branquitude é tão… sei lá… estranho?” Assim Thiago Torres resumia sua nova rotina num post que passou de 56 mil curtidas.

“Eu sou olhado torto lá dentro, olham para mim como se eu fosse um bandido, como se eu fosse roubar. Sempre tem aquele choque quando falo que estudo na USP.”

Ele falava de seus primeiros meses como estudante de ciências sociais na USP. Nascido, criado e até hoje morador de um bairro de periferia, Torres percebeu o contraste com o ambiente intelectual/classe média a partir do seu visual não tão comum na Cidade Universitária.

O aluno se veste como um “chavoso” – estilo associado ao funk paulista e marcado por acessórios como cordões grossos, bonés de aba reta, tatuagens e cabelo e sobrancelhas riscados.

Thiago Torres tem 19 anos, nasceu na Brasilândia, bairro da Zona Norte de São Paulo, e hoje mora em Guarulhos, município da Grande SP. Ele lembra que ainda continuou tendo uma vida simples e estilo é um ato de resistência. “As pessoas na ‘quebrada’ geralmente não conhecem alguém que estuda em uma universidade pública, que estuda na USP, então é bem difícil de encontrar e isso é muito triste. Por isso eu acho que me tornei uma referência no meu bairro.”

A USP incluiu as notas do Enem como meio de ingresso na universidade em 2015. Naquela época, a instituição decidiu que 1.499 das 11.057 vagas do vestibular 2016 seriam preenchidas por meio da nota do Enem 2015.

“Eu fiz a prova da Fuvest, mas eu achei ela muito difícil, não tinha nada a ver com o que eu tinha estudado na escola pública. O que me fez entrar mesmo foi ter tirado 920 na redação do Enem”, conta.

Autoconhecimento

Torres conta que, até a jornada de entrada na USP, foi preciso um longo processo de aceitação e descobertas sobre sua identidade.

“Quando me mudei para Guarulhos, continuei sendo pobre, mas passei a conviver com algumas pessoas de classe média. A partir daí eu tentei esconder o meu passado na Brasilândia”, lembra ele.

Torres afirma que isso aconteceu como meio de defesa para se enturmar. As coisas começaram a mudar quando ele passou por um processo de autoconhecimento na adolescência e, aos 15 anos, revelou para a família que é gay.

“Essa noção de realidade chegou para mim quando eu me assumi como gay. Eu parei de querer ser uma pessoa que não sou, deixei o meu lado ‘mauricinho’ de lado e passei a adotar um estilo de ‘gay afeminado’ e além disso, eu comecei a entender quem eu era na sociedade”, explica.

Depois de descobrir sua orientação sexual, houve uma nova descoberta. Visto como “branco” nos bairros em que viveu, por causa do tom de pele mais claro, Torres só mais tarde se identificou dentro do todo da sociedade como negro.

“Foi a partir desse momento que eu adotei o estilo ‘chavoso’. Mas não é um personagem, eu passei a me identificar com esse estilo.”

Dados da Fuvest mostram que 25,7% dos calouros de 2019 são autodeclarados pretos, pardos e indígenas. Alunos vindos de escolas públicas representam 41,8% do total (49,7% são provenientes de instituições particulares). No recorte socioeconômico da turma que entrou em 2019, 45% têm renda familiar bruta entre um e cinco salários mínimos e 55% têm renda acima dos cinco salários mínimos.

Referência no bairro

O hoje uspiano aproveita que ficou conhecido para incentivar outros jovens em palestras nas escolas do bairro onde vive em Guarulhos, Grande São Paulo. Para ele, é preciso entender que sua história não é um exemplo de que todos no país têm as mesmas condições de entrar em uma universidade.

“Se a gente tivesse todo mundo no mesmo patamar e nível socioeconômico, eu acho que até poderíamos pensar em meritocracia.”

“Agora, enquanto uns já nascem com milhões e outros nascem na miséria, como a gente vai falar que essas pessoas estão nas mesmas condições de competir socialmente por um emprego? Por uma vaga na universidade? É desonesto e totalmente cruel com as pessoas mais pobres essa ideia”, complementa Thiago.

Abrindo caminhos

A jornada de Thiago começa cedo, às 5h30 da manhã, e só acaba às 23h. Depois do trabalho, vai direto para a USP e aproveita as 5 horas entre o fim do expediente e o início das aulas para estudar. Entre ônibus e metrô, o jovem usa o transporte público pelo menos 10 vezes por dia.

“Eu sei que é puxado, mas sei que estou abrindo caminho para outros jovens também. E escolhi ciências sociais porque quero combater essas opressões, quero entender como a sociedade funciona e resistir nos espaços também. Esse é o maior desafio da minha vida.”

Fonte: G1

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