Um ano para não ser esquecido. Com marcas indeléveis em diversos aspectos. E lembranças que ficarão para além da vacina desejada. Heloisa Souza, de 29 anos, radicada em Niterói – no Leste Fluminense – sabe muito bem o que é isso.
Professora de nível infantil, onde o compromisso com a alfabetização por si só é um verdadeiro desafio, e formanda em poucos meses em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), a jovem sente diariamente o peso de tantas responsabilidades do “novo normal” que a pandemia nos trouxe. Entre preparar aulas, aprender a se virar para lecionar virtualmente, enviar conteúdo para os alunos, retornar duas vezes por semana fisicamente ao local de trabalho, finalizar a monografia e cuidar dos afazeres domésticos não sobrou espaço para manter nos melhores dias a saúde física, emocional e econômica.
“Estive em isolamento total durante 3 meses (de março a junho) e estava no final de junho estava sentindo meu corpo adoecendo e a mente já não aguentava mais as paredes da casa. Em julho voltei a frequentar a escola na qual trabalho, seguindo todos os protocolos de segurança, e ao voltar a rever meus colegas de profissão e passar algum tempo fora de casa, mesmo que fossem dois dias na semana, a sensação já era outra!”. E completa: “particularmente não foi possível evitar os gatilhos psicológicos, mas tive que arrumar jeitos de não surtar e muita gente especial ajudou”.
Além de todos esses impactos, a universitária ainda compartilhou suas opiniões contundentes acerca do isolamento social, segunda onda e flexibilização da pandemia, prevenção, HIV/AIDS e futuro. Heloisa Souza é a 12º e última entrevistada do ano de 2020, representando o mês de dezembro, do Projeto Fala Jovem do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens realizado no formato online por conta do COVID-19.
Encerramos o ano desejando que todos se protejam, não esqueçam de usar máscaras, álcool em gel e manter o isolamento social sempre que possível. Feliz Natal e um próspero Ano Novo para todxs!
Confira a entrevista na íntegra:
1- Nome completo e Idade
Heloisa C. Oliveira de Souza, 29 anos.
2 – Você reside em Niterói, no Leste Fluminense. Quais os principais desafios de morar nesta região?
Particularmente considero por vezes alto o custo de vida nesta região, principalmente com relação a moradia (aluguéis) e lazer. Porém, por ser uma região onde muitas pessoas têm o poder aquisitivo considerado alto, há outras coisas que compensam também, como oportunidades profissionais, acadêmicas, saúde etc.
3 – Como é a relação com sua família? Mora com eles?
Não moro com minha família há alguns anos, mas a relação com minha mãe é boa. Aos poucos e constantemente aprendemos a respeitar nossas diferenças no modo de pensar sobre a vida.
4 – Sobre a pandemia, de que forma o isolamento social causado pelo coronavírus afeta ou já afetou sua saúde mental? E o que tem feito para distrair a mente e evitar os gatilhos psicológicos?
Fato é que o isolamento é uma potente ferramenta contra a propagação e aumento dos números de casos doa covid 19. Em contrapartida, o isolamento social por longos períodos também traz alguns prejuízos para a nossa saúde mental e emocional. Estive em isolamento total durante 3 meses (de março a junho) e estava no final de junho estava sentindo meu corpo adoecendo e a mente já não aguentava mais as paredes da casa. Em julho voltei a frequentar a escola na qual trabalho, seguindo todos os protocolos de segurança, e ao voltar a rever meus colegas de profissão e passar algum tempo fora de casa, mesmo que fossem dois dias na semana, a sensação já era outra! Para distrair, assim como muitos, a maior fuga eram as plataformas digitais de filmes e séries, uma vez que estamos todos com as opções bem restritas. Particularmente não foi possível evitar os gatilhos psicológicos, mas tive que arrumar jeitos de não surtar e muita gente especial ajudou.
5 – Como você avalia o combate ao coronavírus em sua cidade? Teme a segunda onda?
A prefeitura de Niterói saiu na frente me muitas medidas em relação ao combate da pandemia desde o início. No início e até um certo tempo atrás a fiscalização estava realmente funcionando na cidade, mas com o passar do tempo a flexibilização foi banalizada. Essa história de segunda onda ao meu ver não faz sentido na medida em que acredito que não houve de fato uma melhora. Ainda estamos lidando com o q nos deparamos em março e os números só diminuíram com o isolamento mais restritivo e aumentaram com a flexibilização sem controle.
6 – Você é formanda em Pedagogia e já atua como professora. Que avaliação faz desse ano perdido na Educação? Quais estão sendo suas maiores dificuldades para tentar dar aulas ou enviar conteúdo para os alunos?
Esse foi ano de muitas perdas, pessoais e profissionais e nós da educação fomos um dos grupos mais afetados com as mudanças que tivemos desde o início da Pandemia (em sentido diferente dos profissionais da saúde). Sendo bem objetiva neste ponto, nós da educação, principalmente educação básica presencial, fomos submetidos a uma escala muito maior de desgaste no trabalho, porém com muito menos retorno do que teríamos em contexto normal. Acredito que falo por mim e por muitos colegas quando digo que mais do que nunca estamos estafados, doentes, exaustos física e psicologicamente. Uma das maiores dificuldades que tive nesse período foi a dinâmica de fazer acontecer o ensino remoto na educação infantil, como professora de uma turma que dá início a alfabetização, foi desgastante e muito estressante esse modelo de ensino que não é nem de longe o recomendado para crianças, porém foi a única maneira que a maioria das escolas encontrou para tentar manter a relação com seus alunos. Além de ter sido necessária a colaboração dos responsáveis, que por muitas vezes foram bastante ausentes neste período e o estresse que são as gravações de videoaulas e aulas on-line. O cansaço está ao extremo e estou encerrando o ano com muitos danos a nossa saúde emocional e alguns físicos.
7 – Como se posiciona acerca da reabertura ou não das escolas?
Nesse momento sou de acordo com a volta às aulas. Diversos médicos conceituados, pesquisadores comprometidos já disseram sobre as evidências de que as crianças são um grupo de baixo risco (de se contaminar e propagar a doença). Além do mais não podemos mais atrelar a volta às aulas a uma cura e vacinação contra o vírus, visto que com a flexibilização, diversas atividades voltaram a funcionar com a participação das crianças também. Temos ainda os muitos danos que esse ano e a vida fora da escola acarretou em nossas crianças. Não temos ainda a dimensão de todos, mas temos a certeza que são muitos.
Lugar de criança é na escola e nesse momento penso que ela configura sim um espaço seguro e de aprendizado que abrange a situação atual que vivemos. Sendo realizados todos os protocolos de segurança exigidos pelas Organizações de Saúde, acredito que a escola seja um ambiente que deve voltar a ser frequentado pelas crianças. Atualmente me revolta a hipocrisia que insiste em manter os espaços escolares fechados, com todos os outros abertos e muitas vezes sem o cuidado necessário para com as nossas crianças. No campo da educação pública, penso que os governos precisam mais do que nunca investir em maneiras eficazes de proteger o público infantil principalmente e voltar a oferecer o espaço escolar e as experiências paras as crianças do sistema público por uma série de fatores também. Do ensino fundamental em diante, a mesma coisa. Em todo caso e atualmente, tendo em vista a situação das flexibilizações, sou totalmente a favor da volta às aulas desde que cada espaço possa oferecer os cuidados exigidos na prevenção do vírus.
Relacionamento e Prevenção
8 – Sobre a questão da prevenção, você tinha abertura para conversar isso dentro de casa? Ou o assunto era tabu? Quando tinha dúvidas ou dilemas nesse sentido, como buscava resolvê-los?
Não me lembro de qualquer assunto que fosse tabu em casa e com relação a sexo não foi diferente. A temática sempre foi discutida em casa de maneira aberta principalmente pela minha mãe. Na escola na qual cursei o ensino fundamental II também era um assunto recorrente, visto que a adolescência é um período delicado com relação ao tema. Além disso sempre tive acesso a revistas adolescentes e materiais na internet sobre o assunto.
9 – Jovens de 15 a 29 anos são uma das principais parcelas populacionais, atualmente, no que diz respeito aos índices de infecção por HIV/AIDS no Brasil. Ao mesmo tempo, nunca se teve tanto acesso à informações e outras tecnologias. Em sua opinião, o que faz com que a juventude se infecte tanto atualmente por HIV?
Acredito que mesmo com o acesso à informação, o que falta para os grupos mais vulneráveis é a falta de oportunidades, porque disponibilizar o acesso não quer dizer que de fato será acessado, existe toda uma trajetória particular até essa ação que determina se de fato ela acontece. Muitas pessoas insistem em culpabilizar alguns grupos por fazerem parte das piores estáticas, mas ignoram o fato de que na maioria das vezes o grupo não teve a oportunidade por uma série de questões sociais de extrema relevância que precisam sim ser levadas em consideração.
10 – A Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) trabalha, bem como o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, envolvida em questões do HIV/AIDS, prevenção, direitos humanos e justiça social para com populações vulneráveis (soropositivos, LGBTs, comunidades, jovens, negros, mulheres etc.). Você considera que esses tipos de ações são importantes? Por quê?
Com certeza sim, pois acredito muito neste tipo de projeto que visa educar e informar com qualidade e fundamentos científicos pessoas inseridas no grupo de população vulnerável, principalmente em um país extremamente preconceituoso e racista como o Brasil.
Futuro
11 – Acredita que sairemos diferentes e que tiraremos lições importantes para o mundo pós-pandemia?
Na verdade e de maneira geral, não. Não acredito que este contexto tenha mudado as pessoas. Cada um lidou e ainda lida com esse momento de acordo com sua trajetória individual, construída antes desse ano conturbado, e modo de pensar o mundo e as relações. É claro que há exceções, mas são poucas.
12 – Qual sua perspectiva para o futuro?
Anseio pela vacina para imunização da população mundial, para que aos poucos e por meio de muito trabalho ainda, possamos começar a tentar arrumar toda a bagunça que esse vírus nos trouxe, pessoalmente, economicamente, emocionalmente, fisicamente etc.
Texto: Jean Pierry Oliveira
Foto: Arquivo pessoal