RIO – A história de A., de 13 anos, é um retrato da exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Com 10 anos, ela vivia num lar violento em um bairro pobre de uma cidade no interior da Bahia. Não frequentava mais a escola, já usava drogas. Virou presa fácil para homens muito mais velhos que ofereciam dinheiro por sexo.
— Os coroas chegavam e perguntavam assim: “Você quer fazer um bolo para ganhar R$ 100?” Aí a gente ia para a casa dele. Eu tinha nojo, queria que terminassem logo para ganhar meu dinheiro, ir embora e comprar droga.
Não tinha ajuda de ninguém, nem do próprio pai, que abusou sexualmente dela quando a menina tinha 11.
— Mesmo que eu não fosse mais virgem, ele não podia fazer isso comigo porque ele era meu pai.
Com um filho nos braços aos 13, encontrou auxílio numa ONG e hoje vive num abrigo.
Um panorama organizado pelo Instituto Liberta a partir de estudos de organizações da sociedade civil e dados governamentais mostra que o Brasil é o segundo país com maior número de crianças e adolescentes exploradas sexualmente, depois da Tailândia. Calcula-se que haja 500 mil vítimas por ano no país.
Não há dados oficiais que dimensionem o problema; os mais usados vêm do Disque 100, serviço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) que acolhe denúncias, mas especialistas dizem que só 7,5% dos casos são denunciados. As razões são várias: havia longa espera para denunciar, a pessoa tem dúvida sobre a idade da vítima e, o mais grave, a sociedade ainda é muito tolerante com esse crime.
— Como é uma situação comercial, imaginam uma aquiescência das meninas. “Ela tá ali porque quer e até está sendo paga” — diz a gerente da ONG Plan International Viviana Santiago. — As pessoas querem proteger a infância, mas a adolescência já não é vista como uma etapa de desenvolvimento, são miniadultos. A sociedade não reconhece o problema.
A especialista reforça que é preciso entender que “elas não são profissionais do sexo, porque uma adolescente e uma criança não têm capacidade de tomar essa decisão”. O efeito dessa exploração impacta no seu futuro.
— Elas passam a ser tratadas como cidadãs de segunda categoria e ficam de fora das políticas sociais e estruturas familiares. Perdem o direito de viver essa fase da vida. São colocadas à margem da compaixão e de todo sentimento de um ser humano por outro.
Segundo Santiago, essas garotas — ao menos 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras— sofrem espancamentos, são estupradas, enroladas em dívidas, iniciadas no consumo de álcool e drogas, e pegam doenças, pois não conseguem negociar o uso de preservativos.
Especialistas destacam a diferença entre exploração e abuso: ambos são violências sexuais, mas na exploração há uma troca mercantil.
— Quando se fala de abuso, existe um imaginário que causa indignação, mas quando essa mesma menina de 12 anos está de shortinho na esquina, vira “só” uma prostituta — diz a presidente do Instituto Liberta, Luciana Temer.
Prevenção e Punição
A legislação brasileira classifica relação sexual com menor de 14 anos como estupro de vulnerável, com pena de 8 a 15 anos de reclusão. Se a vítima tiver entre 14 e 18 anos e o sexo envolver troca mercantil, o crime é de exploração sexual, com pena de 4 a 10 anos de prisão para quem teve a relação; intermediários dessa prática, como um agenciador ou o dono de um local que o favoreça, também são punidos.
As especialistas dizem que as políticas de combate a esse crime no país continuam muito desarticuladas.
— A resposta pressupõe uma política pública fortalecida num país que vive um congelamento de gastos. Existe um posicionamento do governo de desmantelamento da sociedade civil e hoje uma parte significativa do trabalho é feita por ela —diz Viviana Santiago.
A Childhood Brasil, por exemplo, atua na região Norte, entre outras, conscientizando capitães e pilotos de barco.
— Tem mãe que quer jogar uma criancinha dentro do barco para os homens fazerem sexo e darem dinheiro. Tem cidades no Pará em que levam as meninas arrumadinhas para a praça para mostrar para trabalhadores temporários de obras — afirma Eva Dengler, gerente da Childhood. — Esses homens têm família, então trazemos para eles essa discussão: ‘Vamos olhar para elas como olhamos para nossos filhos’.
Temer diz que é um equívoco achar que a exploração só acontece no Norte e no Nordeste. O que muda é a forma como ocorre. Relações com traficantes em troca de bens ou aplicativos tipo “sugar daddy” são exemplos.
— É preciso fazer um trabalho de reconhecimento das violências com as próprias garotas.
O MMFDH informa que adota políticas para proteção dessas crianças, como reformulação do Disque 100 e equipagem e capacitação dos Conselhos Tutelares.
Fonte: O Globo