Natural de Presidente Prudente, no interior de São Paulo, a escritora Katia Paiva Deniz, de 40 anos, encontrou nos livros a chance de mudar de vida. Ela vive em Santos, no litoral de São Paulo, há sete anos. Foi nessa cidade, que ela diz ter lhe proporcionado os piores momentos de sua vida, que Katia descobriu seu dom para a escrita.
Durante 14 anos, ela ganhou a vida como garota de programa. A escritora que vive dentro de si nasceu há apenas dois, quando alguns amigos sugeriram que ela investisse na profissão. “Disseram que eu escrevia bem e que deveria escrever um livro”, conta.
No início, ela não levou a sério, mas depois decidiu apostar na literatura, pois sempre gostou de ler. Katia parou os estudos na 5ª série do ensino fundamental, mas isso não a impediu de seguir em frente. O objetivo era escrever poesia, mas a ideia tomou novo rumo e ela decidiu se dedicar a um romance.
No ano passado, ela lançou o livro ‘Sedução, amor e ódio’, que fala sobre a história de dois rapazes homossexuais. “Eu me inspiro em romances que as pessoas acham que não vai dar certo, mas dá”, diz. Seu próximo livro será sobre duas garotas homossexuais.
Atualmente, Katia se divide entre a vida de recepcionista e escritora. “Hoje eu me vejo como uma mulher realizada. Cada dia quero chegar mais longe”, diz.
Mas sua vida nem sempre foi só de realizações. Para chegar onde está, ela passou por inúmeras situações de dificuldade, a começar pelo período em não se identificava com o próprio corpo.
Transexualidade
Aos 10 anos, Katia começou a perceber que era diferente dos outros meninos. “Eu achava que ia ficar igual minha irmã, eu não ligava para o que tinha no meio das minhas pernas. Na escola, os meninos me chamavam de ‘bicha’, ‘viado’, mas eu não entendia o que era aquilo”.
Ela foi se conhecendo aos poucos e, aos 13 anos, se assumiu para a família.
“Eu já sentia atração por meninos. Eu queria que eles me vissem e me achassem bonita”.
A essa altura, alguns familiares já sabiam da orientação sexual de Katia, menos seu pai. “Quando descobriu ele me deu um soco na cara. Eu caí e voei para cima dele. Porque eu sou assim, me bateu vai levar. Eu não tenho medo, por mais que fosse meu pai. Aí ele voltou a me bater de novo, até que minha mãe entrou no meio”.
Ela foi expulsa de casa e, desde então, a relação com seu pai passou a ser cada vez mais conflituosa. “Ele disse que não queria um filho ‘viado’ na família e me expulsou”, afirma.
Katia morou na casa de alguns amigos até que, dois meses depois, seu pai decidiu que ela poderia voltar. “Aí ele já não podia falar mais nada porque ele já sabia quem eu era”.
Mas os conflitos continuaram e ela se mudou para a casa de uma prima aos 15 anos. Desde então, trabalhou como babá, até que um dia ouviu falar sobre a cidade de Americana (SP) e decidiu buscar novas oportunidades em território desconhecido.
Prostituição
Aos 23 anos, sem nenhuma oportunidade de emprego, ela conheceu a prostituição – profissão que ela dizia que jamais seguiria. “Ou partia para o programa ou voltava para trás”, diz.
Aos poucos, a mulher acanhada, que chegou ao lugar sem conhecer ninguém, foi se fortalecendo. Com o tempo, ganhou nome na cidade e passou a ter sua própria clientela. “Eu era muito briguenta, mas esse era meu modo de sobreviver. A noite é muito traiçoeira”.
Katia chegava a fazer até seis programas por noite. De Americana, passou a conhecer outros lugares. “Eu viajava por várias cidades para trabalhar como garota de programa”, conta.
Ela diz que o máximo que já recebeu por um programa foi R$ 900, quando viajou para Santa Catarina. “O preço variava conforme o serviço. Em compensação, teve noites que cheguei a ganhar R$ 50”, diz.
O período de viagens e programas rentáveis em Americana deu lugar a um quadro de depressão. “Eu cheguei a tentar me matar”, afirma. Infeliz, decidiu se mudar para Santos, cidade que já tinha frequentado algumas vezes.
No litoral, Katia foi ‘ao fundo do poço’, como ela mesma se refere. O uso de cocaína passou a ser constante. “Em Americana eu não conhecia muito o lado das drogas. Eu usava, mas não da forma como eu conheci em Santos. Lá eu usava mais quando ia para balada, aqui era quase todo dia”, conta.
“Eu andava muito oprimida. Eu achava que quando saía na rua todo mundo estava me criticando por eu ser desse jeito ou por andar desse jeito. Hoje eu saio lindamente e se alguém tiver olhando demais para mim eu dou tchau, falo bom dia, boa tarde”, diz, aos risos.
Religião
Katia conta que se reergueu quando conheceu a umbanda. “O que salvou minha vida foi minha relação com Deus”, garante.
Longe do vício, ela se deu a chance de participar do projeto Salão Autoestima, da prefeitura, que conheceu através de Taiane Miyake, coordenadora da Comissão da Diversidade de Santos. “Lá eu aprendi que não tem limite para cada pessoa ser o que quiser. Se você tem um sonho, tem que ir à luta. Eu precisei passar por muita coisa para entender isso”.
Ela se formou em cabeleireira, mas exerceu a profissão por apenas seis meses. Depois disso, decidiu que era hora de se dedicar à escrita. “Hoje em dia eu não tenho medo, não tenho crise, não tenho nada. Eu tenho é vontade de viver e de vencer na vida. Quero voltar a estudar e me tornar uma dirigente de casa de umbanda e uma grande escritora. Quero dar muito autógrafo ainda”, finaliza.
Fonte: G1