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“Eu vim ao mundo negro, homossexual e soropositivo. Ou eu sofria com tudo isso ou eu enfrentava tudo isso”, revela jovem ativista carioca


22 anos são pouco mais de duas décadas de vida. 22 anos na dito popular também simboliza a chula expressão “idade de maluco”. Mas é com muita sanidade, generosidade, altruísmo e dedicação que Walter Sabino desmitifica qualquer conotação negativa ou desconfiança que sua precoce vivência possa transparecer. Com uma vida dividida na maior parte do entre o Centro do Rio do Janeiro (onde morava com a mãe e irmãos) e Bangu, no quente e distante (para muitos) bairro da zona norte (na casa de sua avó), atualmente o carioca reside no Recreio dos Bandeirantes, área nobre (e “primo rico” de Bangu) da cidade.

“Moro lá por conta do meu relacionamento. (Porque) eu sempre fiquei na ponta do elástico entre o centro da cidade – até meu pai falecer – e Bangu na casa da minha avó”, explica ele. Questionado sobre as diferenças sociais sentidas entre uma região (mais abastarda como o Recreio) e a área central, Sabino afirma que na verdade “as diferenças que eu vejo (entre o Centro e o Recreio) é o contrário: : quando eu morava aqui na cidade, por ser uma área comercial, de pessoas com terno e gravata, (percebia) alguns olhando indiferente. Porque quando a gente é negro recebe olhares de todos os lados mesmo. Então aqui eu sentia mais isso do que lá”, explica ele. E completa: “lá eu sinto um ar mais tranquilo do que aqui. Sim, aqui eu sinto mais esses olhares porque aqui a gente está convivendo diretamente com pessoas engravatadas que se acham superiores”, atesta.

E essa questão do racismo e também do racismo estrutural, independente de onde more, nunca foi uma novidade em sua vida. Por ser algo velado, mas real, natural que a questão também permeie outras áreas da vida como a afetividade. No que tange a relacionamentos, o jovem afirma que “nunca tive na verdade, essa questão de olhar  a a cor de quem eu me relacionaria. Eu sempre pensei que o que fosse acontecer sempre iria acontecer depois de uma boa conversa. Mas eu já tive, acho que me primeiro namorado, ele foi e ele é branco. Mas acho que ele foi o único e a gente ficou junto durante um ano e pouco, chegamos a morar juntos também, mas não deu certo. E o que eu me apaixonei por ele, na época, é que ele não tinha essa questão. Foi uma das primeiras pessoas que chegou em mim e não me sexualizou. Como até os rapazes negros na época faziam. Ele chegou de uma forma totalmente natural, doce e me conquistou”, revela.

Talvez por essa característica que Sabino não se vê na obrigatoriedade de afro centrar seus relacionamentos, como ocorre com algumas pessoas – de dentro e de fora do movimento negro – atualmente. “Eu sou totalmente contra a gente separar tudo por caixinhas. Tem certas questões que a gente realmente precisa pra dar visibilidade, dar força à luta, mas essa questão de eu precisar ver a cor de quem eu vou me relacionar pra vê se vai dar certo ou não, isso não. . Porque a sociedade quer isso: que negros fiquem com negros, brancos fiquem com brancos, os negros cada vez mais pobres, os brancos cada vez mais ricos, mulheres em casa, homens trabalhando e assim vai se voltando uma sociedade da pré-história”, diz ele. Para reforçar o que pensa, Sabino citou o caso da atriz Érika Januza, que ao postar uma foto em rede social com seu namorado branco recebeu inúmeras críticas de seguidores. “Muitos ataques que ela sofreu foram dos próprios pares, foram de pessoas negras. E qual é a necessidade que a gente tem de atacar o outro pelas escolhas que ele faz na vida? Só porque a nossa é diferente da dele a gente tem que obrigar seguir a mesma coisa?”, indaga.

Racismo e Hipersexualização

“Desde pequeno eu aprendi que por ser negro eu ia ter que lutar 10 vezes mais do que qualquer outra pessoa. E quando eu fui crescendo e aflorando a questão da sexualidade já foi mais uma motivação também pra dar dois passos na frente dos outros, senão realmente a gente acaba baixando a cabeça pra qualquer um e deixando que as coisas não fluam. Desde pequeno eu aprendi que teria que lutar mais e eu teria que enfrentar outras situações”.

A frase acima retrata as vicissitudes que Walter Sabino já começava a descobrir que teria que enfrentar na medida que sua existência se interseccionava com duas questões chaves: a cor da pele e a sexualidade. Descobrindo desde cedo o racismo e, segundo ele, sendo preparado para enfrentar com dignidade tudo isso, afinal, “minha mãe sempre resolveu essas questões na justiça. Ela não tinha só o discurso contra o racismo, ela ia além e levava a questão até o fim”, quando o despertar da sexualidade aconteceu ele viu que precisaria lidar sem imunidades com essas mesmas vertentes – e outras diferentes – também dentro da comunidade LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis).

“Realmente dentro da comunidade LGBT existe todas essas diferenças. Não é só com o negro, mas também com o gay mais gordinho, com o mais magrinho, se não tiver num padrão “certo”. Mas de certa forma eu consigo enfrentar não com mais naturalidade, porque não é algo natural, mas consigo enfrentar com mais força porque eu já vim preparado pra isso. Acho que já nasci preparado por já enfrentar outras situações também. Vou te falar que sim (“me sinto hipersexualizado junto com meu namorado que  também negro”). Já me senti muito e acho que hoje mais ainda. Porque sempre rola essa questão de qual seria o ‘meu segredo’. As pessoas sempre vem e realmente são pessoas brancas com esses discursos que a gente é mais avantajado, que a gente é mais isso, que a gente é mais aquilo”, critica ele. Mas ele também deixa claro que, alguns pares negros, também reforçam essa hipersexualidade sobre os corpos pretos quando “vai dando mais corda e se aproveita disso pra entrar realmente em relações pra se achar, ou sei lá, de repente usar isso como uma conquista”.

Representatividade LGBT

Mas nem só de críticas se faz um movimento. Com um histórico de muita luta – principalmente nesse momento conservador – e história, cada vez mais o movimento LGBT vem ganhando pautas e holofotes perante suas reivindicações. E isso é motivo de orgulho e reconhecimento para Sabino, como cidadão, homossexual e militante. “Eu acho que a gente já sofreu tanto baque, até por sermos o país que mais mata LGBTQIs no mundo, principalmente as pessoas trans, que a gente tomou a força. A gente entendeu que só viraria um gigante se fosse todo mundo junto. E conforme a gente foi se juntando de espaço em espaço, estado em estado, a gente realmente tomou essa força pra dizer um chega: parem de nos matar”, conta.

Entretanto, todo esse reconhecimento e valoração não passaram em branco para muitos setores. Comércio, Moda, Política e – principalmente –  a Mídia perceberam que apoiar as causas do movimento traria retornos – de imagem e capital. Atento aos sinais, o jovem observa que “hoje em dia LGBT dá assunto e tudo que dá assunto, dá lucro. A mídia tá se apropriando um pouco disso e eu acho que vem de muita militância, muitos anos e os artistas que hoje conseguem dizer quem são, que gostam do que gostam devem agradecer e muito a militância que por anos eles viraram as costas. Pessoas anônimas que lutam diariamente e que hoje dão a possibilidade deles terem vozes para ser quem são”. Mas ele ressalta que nem todos os artistas que se dizem apoiadores da causa realmente ‘vestem a camisa’. Em outras palavras, sobra pink money e falta objetividade. “(Há) pessoas que sempre se disseram apoiadoras de LGBTs e que num momento de luta e necessidade viram as costas para a comunidade LGBT. Comunidade que dá lucro demais para todos esses artistas. O Nego do Borel é um que foi imperdoável o que ele fez. No país que mais mata as transexuais ele vem de transfobia com um público que sempre foi tão dele e que eu espero que hoje não seja mais”.

Homofobia

Ser diferente é normal. Mas aqui no Brasil, muitas vezes, o preço pago por ser diferente muitas vezes é com a vida. País que lidera o ranking mundial de mortes da população LGBT – especialmente de travestis e transexuais – é com pesar que o ativista carioca revela ser uma das vítimas presentes nas estatísticas de agressão (simbólica, psicológica ou física) no Brasil. E pior. Praticada no ambiente onde mais se esperava acolhimento.

“Já (sofri) andando na rua. Já ouvi piadinha de mau gosto, coisas do tipo assim, que no impulso a gente acaba respondendo, mas depois a gente pensa que não vale a pena na verdade. Mas eu acho que até hoje o maior ataque de homofobia que eu sofri foi uma questão na escola. Um professor chegou em cima de mim, dentro da sala de aula, no primeiro dia falando coisas horríveis. Que eu não deveria estar naquela sala, que o final dos viadinhos era estar jogado pelas esquinas da rua. Ali sim eu tinha como realmente enfrentar porque não era uma pessoa passando na rua e ia sumir da minha vida. Era alguém que ou eu ia me submeter aquilo durante todo o ano escolar ou enquanto ele tivesse ali – e deixaria que acontecesse com outros jovens que fossem estudar ali – ou eu tentava dar um basta”, revela.

A partir dali então ele resolveu agir. “Na hora eu fiz um escândalo, chamei a polícia e ele foi afastado da escola por um tempo”. Mas como nada é perfeito, o efeito de sua ação durou pouco tempo. “Como as nossas leis e parte do ciclo social que a gente vive é conservador, com o tempo ele voltou a dar aulas. Provavelmente não mudou nada, porque tem pessoas que realmente é só questão de ignorância, mas quando elas tem uma informação ou vivenciam isso elas entendem que nada é uma escolha. Mas outras tem esse mal em si e que se o tempo não destruir, infelizmente, elas só vão colher o que plantar no futuro”, acredita.

Apesar da triste lembrança, Sabino também diz que recebeu muito apoio. Principalmente dos meninos da turma. “eu tive o apoio de praticamente todos os meninos da minha sala, (mas) das meninas não. Porque naquela sala, eu lembro até hoje, a maioria das meninas – e os meninos também – vinham de famílias evangélicas. Mas o que eu achei curioso é que os meninos continuaram do meu lado mesmo com tudo isso. Eles vaiaram o professor, protestaram na sala, toparam ser testemunhas e tudo mais. As meninas não. Ficaram totalmente neutras e no dia seguinte nem falaram comigo, os meninos que falaram, me chamaram pra almoçar e eu continuei indo mesmo sabendo que a maioria poderia nem falar comigo. As meninas que se afastaram de mim e eu senti o apoio daqueles meninos, da diretora da escola e isso foi muito importante”, reconhece.

Religião

Se na escola a maioria dos amigos eram evangélicos, Sabino foi a exceção dentro e fora das salas de aula. “Eu cresci aprendendo muito sobre o Evangelho por conta da minha avó e da minha tia, porque todo fim de semana e férias eu vivia na casa delas. Minha mãe é kardecista de mesa branca, meu pai também era. Eu tenho parentes do Candomblé, (mas) hoje em dia eu não me rotulo de religião alguma. Eu já conheci todas. E gostei de conhecer um pouco de todas. Hoje, eu digo que quero apenas viver segundo minha fé. Eu tenho fé em algo maior, tenho fé sobrenatural, mas que eu não preciso rotular o que é. Se é Deus, se é Jesus, eu não preciso rotular. Eu tenho fé na vida que eu tô aqui hoje e tenho muito a fazer por muita gente”, afirma.

Mas nem todos conseguem acolhimento dentro da religião que acredita ou pratica, por conta de sua sexualidade ou identidade de gênero mal compreendida por aqueles que dizem seguir os mandamentos bíblicos. Diante disso, busca-se alternativas. E foi a partir dessa e de outras premissas que surgiram as chamadas igrejas inclusivas. Sobre o tema, o ativista disse que “até então é necessário porque nunca, infelizmente, uma pessoa trans que pareça mais com uma figura masculina ou feminina conseguirá entrar numa igreja e ser respeitado sem ser visto ou receber olhares tortos. Então eu acho que a igreja inclusiva se tornou necessária para que as pessoas conseguissem ter a fé que elas quisessem ter e não a que a sociedade quer que a gente tenha. Porque pra sociedade todo LGBT é macumbeiro, é contra Deus, é bruxo, é feiticeiro”, reclama.

E numa sociedade onde cada vez mais religião e política fundem-se numa só visão, determina políticas públicas e valida quem “presta” e quem “não presta”, a situação só piora. “Eu acho que política e religião não devem se misturar. Infelizmente, a religião que tá no poder é uma religião conservadora e extremista. E aí já tá se misturando com a política, criando e destruindo as inclusivas. Então, realmente, não poderia haver essa mistura. Eu acho que deveria ter alguma pontuação, lei, algo que determinasse que a partir do momento que a pessoa se torna político a religião dela deve ficar de lado e que ela passa a governar para todos. Até porque nós somos cidadãos e estamos dentro dessa população”, reforça.

Por isso mesmo que, apesar dos pesares, Sabino reconhece e elogia a postura do Papa Francisco, principal liderança político-religiosa da Igreja Católica no mundo. “A Igreja Católica de um tempo pra cá ela tem realmente se aberto um pouco mais. Eu acho que os LGBTs estão muito mais propícios a irem numa missa do que numa pregação na igreja evangélica, porque eles acabam sendo mais aceitos dentro da Igreja Católica. Quando a gente é privado de poder escolher, quando a gente é julgado por uma religião, jogado de um lado pro outro, a gente tá sendo privado do nosso direito de ter liberdade de escolher. Quando as religiões começam a se abrir e aceitar as pessoas independente de quem elas são, elas realmente dão a liberdade da gente escolher a fé que a gente tem ou se encontrar com a fé que a gente tem”.

Família e Sexualidade

Caçula de uma família de 6 irmãos (5 homens e 1 mulher), o carioca afirma que nunca sofreu ou teve maiores problemas com nenhum deles. “Talvez no começo, um deles, o mais velho teve algumas opiniões contrárias. Mas ele fazia isso porque a gente discutia de maneira aflorada. Coisas que hoje em dia ficaram no passado, porque eu entendo e respeito o amor que meus irmãos tem por mim e eu por eles”, relembra.

Mas que, passada algumas rusgas, sempre teve acolhimento. Onde o principal porto seguro foi (e é) sua mãe. “Com a minha mãe nunca (tive sequer algum problema), inclusive ela só me fez criar mais amor e admiração por ela. . E foi ela quem falou pra mim com 11 pra 12 anos ‘filho a mãe te ama e vai te amar muito mais quando você confiar na mãe pra falar quem você é e o que você gosta’. Naquela hora eu chorei, abracei ela e a partir dali eu sabia que tinha uma amiga e protetora para contar pro resto da vida. Até hoje não tem quem fale de minha sexualidade ou da minha forma de levar a vida que não compre uma briga grande com minha mãe”, diz ele com carinho.

Algo que desde muito cedo ele também sempre teve certeza que seria pro resto da vida era sua sexualidade. Segundo ele, “eu sempre soube (que era gay). Desde pequeno quando começava aquela questão de olhares, as conquistas na escola, coisas de criança paquerar e brincar de namoradinho, eu sempre tive olhar pros meninos e não pras meninas. Apesar de já ter tido namorada, eu sempre tive esse olhar mais voltado pros meninos. Quando eu comecei esses olhares, essas coisas eu no começo até antes de falar com minha mãe, na verdade, sempre achava meio esquisito. Eu não entendia muito bem. Mas nas conversas na escola com uma grande amizade, uma menina, la sempre ouvia de boa, dava conselhos, falava que talvez o tempo ou iria tirar ou me mostrar que é isso”. A certeza veio logo em seguida. “E aos 13 anos foi quando eu dei meu primeiro beijo na escola (risos). Tipo, tinha um outro menino ali – que hoje em dia ele é hétero e casado, com filhos – que naquele momento topou e debaixo da escada me deu um beijo”, revela.

Questionado se até ter certeza do que era e sentia namorou uma menina para tentar esconder suas verdadeiras intenções ou esconder sua sexualidade, Sabino afirma que não se tratou nem de uma coisa nem de outra. “Não foi por pressão (que eu tive uma namorada), mas também não foi pra provar nada pra mim mesmo. Na época a gente tava bem amigos na escola, ela me pediu em namoro e eu topei. Era coisa só de beijos mesmo e tal. Não durou tanto assim, durou meses e hoje ela também é lésbica (risos). Foi um passe errado de cada um (risos)”, explica.

Sexo, Prevenção e HIV

A efervescência da juventude traz consigo o desejo de viver todas as experiências possíveis como se não houvesse amanhã. Leia-se, namoro, sexualidade, festas, viagens, sexo etc. Sobre esse último, os primeiros despertares são extremamente importantes e cada vez mais cedo os jovens vêm praticando o ato, conferindo ao sexo um ponto principal nesse período. Mas não para todos.

“Eu sempre me achei muito diferente das pessoas porque todo mundo sempre teve uma necessidade – dos que eu conheci – muito grande de num relacionamento ter de fazer sexo. Eu não tinha essa necessidade. A minha necessidade sempre foi de ser carinhoso, ser gentil, estar junto, de mãos dadas. Pra mim se eu tô num relacionamento e o sexo for acontecer daqui há três meses, daqui há um ano, não importa. Se eu tô feliz naquela relação o sexo quando vier vai ser só mais um ponto”, revela ele.

Essa postura, para muitos talvez, romântica e pueril do jovem ativista lhe confere uma excepcionalidade diante de outras realidades. Entretanto, quando a questão é o diálogo sobre sexo dentro de casa, dificilmente Sabino fica de fora das estatísticas que revelam um desconforto em se tocar no assunto dentro de casa entre pais e filhos. “Eu até tinha liberdade, mas nunca cheguei a conversar (sobre sexo) em casa. Tudo que eu sei realmente foi fazendo. Eu não sei, eu acho que era eu mesmo que tinha (vergonha). As curiosidades que eu tinha a internet já estava ali. E o resto fui descobrindo por mim”.

O que, de fato, ele nunca teve vergonha foi das lutas que encampou desde muito novo, afinal, “desde muito cedo eu nasci pronto pra tudo. Porque eu vim ao mundo negro, homossexual e soropositivo. Ou seja, eu tinha uma série de coisas pelas quais eu seria julgado, discriminado, estigmatizado e atacado. Eu tinha que escolher: ou eu sofria com tudo isso ou eu enfrentava tudo isso. Pra mim chegar aqui hoje e poder falar abertamente sobre tudo que eu quero. foi muito importante eu ter entendido na minha vida que eu tinha que enfrentar o que viesse pela frente, porque nada pra mim veio de brinde”, atesta. A forma taxativa como fala do assunto, sem titubear ou se autopiedar, chama a atenção pela veemência.

Veemência, aliás, é uma de suas principais características e ele não se rende nem curva a cabeça para nenhuma dessas particularidades, que para muitos pode ser difícil de encarar, mas que para ele é combustível contra o estigma, discriminação e o preconceito. “E eu acho que depois, com o tempo, o que veio fortalecer as minhas outras lutas foi a questão do HIV.  Eu nunca me permiti carregar essa bagagem (do estigma). Eu sempre entendi que a questão de enfrentar estava justamente ligada diretamente a questão de não carregar um peso que não é meu. Eu ser negro, viver com HIV, pra mim não é um peso. É o que eu sou. Se eu fosse carregar comigo esse estigma, eu ia estar carregando a opinião das pessoas. O preconceito das pessoas. Então eu não estaria carregando a minha bagagem e sim a delas. E isso sim talvez me deixasse pelo caminho como muitas pessoas, infelizmente, acabaram ficando. Então eu entendo que sim: essa questão do HIV me ajudou também a entender a questão da prevenção”.

Prevenção que na atualidade tornou-se um ponto nevrálgico na relação entre HIV/AIDS  e juventudes, dada a baixa adesão dos mesmos ao uso do preservativo em suas relações, e o aumento dos índices de infeções nos boletins epidemiológicos país afora. Sobre isso, Sabino acredita que “hoje, o que a gente tenta fazer é trazer essa juventude para os espaços em que a gente tem liberdade de falar com ela. Porque se a gente não pode ir até onde eles estão, porque o governo além de não cumprir com o dever deles não permite que a gente faça nossa parte, a gente precisa de alguma forma tentar trazer eles até a gente. Não dá pra desistir. Nada que é obrigatório, nada que é impositivo vai dar certo ou ser abraçado. E quando eu te dou só uma opção e digo ‘você tem que fazer só isso’ jovem nenhum vai querer fazer. Agora, quando eu abro o leque e digo ‘você pode fazer isso, você pode fazer aquilo’, se eu tenho escolhas, é lógico que alguma delas vai ser abraçada. A juventude enfrenta um monte de coisas e a gente ainda querer impor algo e de formas, muitas vezes, grosseiras ou estúpida não vai convencer ninguém pra fazer nada”, ressalta ele.

Mas ele aponta caminhos. Uma das saídas para melhorar essa comunicação sobre prevenção com os jovens seria a dinâmica da educação entre pares e o ensino de educação sexual nas escolas e comunidades. “É mais prático a gente trazer jovens que entendam pra falar com jovens que não entendam da importância da prevenção, do que a gente tentar ser o adulto autoritário que vai impor ao jovem o que ele precisa fazer. Ele simplesmente não entende pela forma que os adultos impõem a ele aquele acontecimento. A maioria dos jovens que se infectam hoje nem sabem o que é o HIV”, atesta.

E completa: “Eu acho que abrir esse diálogo desde sempre e trazer essa educação sexual para as escolas é extremamente importante sim. E principalmente tentar de alguma forma levar essa educação sexual pra dentro das comunidades. Porque são as áreas mais afetadas sim! Porque dentro da comunidade, muitas vezes, a informação é menor, o colégio que frequenta é muito mais precário. Tipo, é bem mais complicado. Então essa educação sexual precisa ser levado sim pra dentro de todas as escolas e, principalmente, as escolas de comunidades”, finaliza.

Importância do Projeto

Apesar do desmantelamento de muitas ONGs AIDS pelo país, Sabino reconhece e valoriza as ações e resistência praticadas pela Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), onde o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens está inserido e também o Grupo Pela Vidda onde atua.

“Eu acho que principalmente nessa questão das campanhas está sendo fundamental. E na questão das informações online. Porque quem abre hoje a internet, quem abre lá o Google e tenta pesquisar alguma coisa cai no site da ABIA e tem sempre uma matéria maravilhosa explicando exatamente como são, como funciona as coisas, como procurar ou pedir ajuda.  E que traz toda essa diversidade de gênero, de cores. Toda essa miscigenação pra que seja alternativo realmente. E a mesma coisa é o (Grupo) Pela Vidda. Eu já estou lá, pelo menos, três anos e há dois eu participo do teste rápido de HIV por fluído oral, onde o objetivo é levar a informação sobre prevenção, justamente falando sobre a importância da PEP, da PrEP, do uso do preservativo, sobre o gerenciamento de risco (para) a população em geral. A importância que tem você levar essa informação pras ruas, levar essa testagem pras ruas, você dar um diagnóstico tanto positivo como negativo é pra que elas podem se prevenir pra que não tenham o HIV também”, salienta.

Futuro

Altruísta e esperançoso, Sabino estima um futuro baseado na cooperação, respeito e tolerância entre coletivos na sociedade. “o que eu desejo é que realmente a gente possa evoluir. Que a gente possa separar essa questão da religião e não interferir tanto nas nossas políticas. Eu desejo que a gente um dia volte a ter um governo bem tranquilo e que todas as pessoas – negras, que vivem com HIV, pessoas trans, LGBTQIs – inclusive as que não fazem parte de nenhuma dessas minorias levantem a cabeça e entendam a importância não só de assumir o que são, mas também de (que) precisam usar a voz para se defender. E que por mais que nossa justiça no Brasil não seja das melhores, combater qualquer preconceito e crime de ódio dentro da lei, é a única solução pra gente obter resultados coletivos”.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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