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“Eu tive que sair do berço onde eu nasci, do qual eu gosto de conviver, por violência transfóbica”, revela Rodrigo Luther King. Cria do morro do Estácio, o jovem revela as dificuldades em (sobre)viver como negro, favelado e homem trans dentro e fora da comunidade


“Eu prefiro ser, essa metamorfose ambulante. Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”. Sim, os versos de Raul Seixas não foram somente imortalizados na Música Popular Brasileira. Ela também foi grifada como lema de vida para Rodrigo Luther King, de 28 anos. Nascido e criado no morro do São Carlos, no bairro do Estácio, no Centro (RJ) atualmente ele vive sob outro CEP. Motivo: foi expulso de sua própria localidade por conta de um vizinho agressivo, transfóbico e inconformado por não ter seu desejo (e objetificação) atendido.

Eu sofri transfobia por parte de um vizinho. Foi uma violência psicológica que quase chegou ao limite. A linha foi tênue entre psicológico e o físico e foi bem assustador pra mim. Ele ficou uns seis/sete meses me assediando com palavras de baixo calão. E teve uma vez que eu não aguentei e pedi que (ele) me respeitasse e começamos a discutir. E ouve a intervenção com quase agressão física, só que após essa intervenção, onde ele me via na comunidade ele me ameaçava de morte e jurava que iria cumprir. Então por temor que isso acontecesse – porque morar dentro de uma comunidade não é fácil e a gente vive sob o medo sim! – eu tive que sair do local onde eu morava desde a minha infância. (Foram) 28 anos vivendo dentro da favela e eu tive que sair por que a minha vida estava em risco”, revela com pesar e saudade.

Risco esse com requintes de machismo, objetificação e hipersexualização de um vizinho que o desejava e não foi correspondido. “Então eu vi que a minha vida estava em risco ali e se eu continuasse ele ia cumprir aquilo que ele prometia pelo machismo dele. Porque ele não aceitava/não aceita que eu sou homem independente do meu sexo biológico. Porque sexo biológico não define identidade de gênero, pra mim é só um órgão. Então ele não aceitava porque ele queria que eu fosse literalmente pra cama com ele, porque ele (me) erotizava. Eu passava e ele falava palavras de baixo calão terríveis, ele me chamava pra ir na casa dele e isso na frente dos vizinhos. Foi exatamente há um mês atrás que isso ocorreu e mesmo assim havia aquele fetiche todo em cima de mim, porque ele foi um rapaz que conviveu com a minha família, que vivia dentro da minha casa, que me viu crescer(“ele teve uma relação no passado com minha irmã”). Ele demonstrava que iria deitar com um homem, mas ao mesmo tempo ele teria não só o prazer com um homem, mas pelo órgão (sexual) ele teria o prazer com uma mulher também. Então isso é bem louco pra mim. E na cabeça dele não tem aquela desconstrução”, atesta.

E tudo isso só não teve um desfecho diferente também porque a primeira “violência”, a mais simbólica afetivamente falando, Rodrigo teve dentro de casa: a falta de apoio. “Eu não possuo apoio familiar. Antes de me transicionar, a minha família me reconhecia quanto uma mulher lésbica e isso já criava um certo conflito, criava uma certa oposição de que ‘ você é lésbica, mas você também pode ter filho, namorar homem’ aquela tentativa de que a gente (sic) muda a cabeça, é só uma fase que você tá passando. Então eu sofri esse tipo de opressão dentro da minha família. Depois da minha transição eu fui simplesmente ignorado e o que me restou foi a indiferença de todos os meus familiares”, diz ele. E completa: “na situação que eu vivi com o vizinho, não tinha ninguém por mim, eu não tinha ninguém que falasse por mim, ninguém que se colocasse na minha frente, ninguém que conversasse, e eu também não queria conversa”.

 

Identidade de Gênero

Com a mesma força e resistência que Martin Luther King Jr levou a sua vida, não aceitando a exclusão dos direitos civis para os seus pares negros, nos EUA, Rodrigo Luther King (a referência é autoexplicativa) também não aceitava aquilo que tangia ao sexo biológico com o qual nasceu. As estruturas machistas, patriarcais e conservadoras que sempre encaixotou a sociedade em termos como homem (pênis) e mulher (vagina) nunca foram algo assimilado por ele durante sua construção. Principalmente quando sua identidade de gênero começou a acentuar-se e ficava cada vez mais difícil viver num corpo e realidade que já não lhe pertencia mais.

“A gente cresce com esse conceito de que menina passa, menina lava, tem que casar com um cara e tem que respeitar, porque o homem é posto como cabeça. Eu era da igreja, fui criado dentro da igreja Assembléia, e eu sempre ouvia que o homem é a cabeça e a mulher é feito cauda (risos). Essas ideias bem desconexas e fora da realidade que a gente vive. Eu (sempre me) vi quanto masculino, quanto homem. Eu nunca me vi sendo lésbica. Eu simplesmente não sabia como chegar com 15 anos de idade e falar ‘Pai, eu não sou lésbica. Eu não sou uma menina, eu sou um menino!”. Mas revela que durante um determinado período teve que viver sob a égide de uma outra face. “Eu nunca me encaixei no padrão lésbico, porém admito que compulsoriamente eu tive que ter uma vivência de uma mulher negra e favelada. E hoje isso me agrega muita coisa na minha vida em questão até de desconstruir esse machismo que a gente muitas vezes reproduz sem nem perceber porque a questão é mesmo estrutural, e estrutura é uma coisa muito séria de ser mexida e muito delicada pra mim”.

Mas isso ficou no passado. Passado esse que Rodrigo não quer mais reviver, mesmo que para isso tenha que fazer a ‘travessia’ de maneira solitária. “Então entre abdicar de certas pessoas ditas amigas, pessoas ditas colocadas como familiares e viver minha liberdade como eu sou, independente dos ataques da sociedade, eu preferi viver a minha realidade, eu preferi ser eu de verdade. Antes eu incorporava sim uma personagem, hoje eu já não incorporo mais essa personagem. Hoje eu sou o Rodrigo de verdade, sem medo de ser feliz, sem medo de errar, sem medo de violência, sem medo de represália e ciente de que isso tudo pode acontecer comigo, como acontece com um dos meus irmãos e irmãs todos os dias”, adverte. “Ser trans não é fácil. Então hoje em dia quando a pessoa quer me definir ou querer saber demais eu não permito porque só eu sei o que passei pra chegar até aqui, só eu sei de quanta coisa eu abri mão, só eu sei que não tenho um teto pra morar por conta de transfobia porque minha família não me aceita”, atesta.

Foi por isso que nem o período em que ia para a igreja Luther King abaixava a cabeça para determinações impostas pela religião. Pelo contrário. Segundo ele, “eu comecei a ir pra culto de libertação achando que era coisa do demônio, do capeta e nada adiantava. Mas, até dentro da igreja eu ficava com meninas, eu ficava com as ditas irmãs da igreja. A sigla LGBT todinha quando quer se esconder e quando não tem coragem de enfrentar o mundo vai pra igreja (viver) atrás de uma máscara opressora e oprimir seus irmãos que se sentem assim. O opressor oprimindo os iguais porque ele ta na zona de conforto dele, entende?!”. E sem meias palavras finaliza: “dentro da igreja foi o local onde mais sofri opressão durante todo esse meu trajeto. Porque eu via pastor colocar a mão na minha cabeça e falar que eu era o capeta e eu já tinha uma depressão nessa idade porque eu havia perdido a minha mãe com seis anos de idade e com quatro pra cinco anos fui morar em Casimiro de Abreu com minha tia”.

 

Transição

Mas não havia obstáculo que não pudesse ser superado. Com esse pensamento Rodrigo foi em busca da vida que sempre desejou: do sonho ainda não realizado. Da pessoa que ele ainda não conseguia ser com plenitude. E há quase dois anos o caminho vem sendo pavimentado – regularmente falando. “Tem um ano e sete meses que eu estou transicionando. Eu faço acompanhamento e tomo a medicação que é a testosterona e tem todo um acompanhamento médico, psicológico, exames de três em três meses que a gente faz pra ver a taxa de glóbulo, qual o nível de testosterona que eu tô(sic) tomando pra ver se tá tudo certinho. Eu nunca me automediquei, porém eu também entendo a necessidade de certas pessoas, porque muitas não têm condições de arcar com o custo dos remédios que não são baratas. Eu me inscrevi pelo SUS na clínica da família onde eu morava na comunidade do São Carlos e eu tive que esperar uns seis meses – tem gente que espera quase um ano pra poder da entrada na bateria de exames. É exame pra AIDS, sífilis, HPV tudo bem detalhado porque eles precisam saber como o meu corpo vai reagir e um mês depois de todo esse circuito eu comecei a fazer uso dos hormônios e tô até hoje. Ainda não me fez mal, não tive nenhum efeito colateral drástico. O único efeito que eu tenho é que o nível sexual aumenta mil graus (risos)”.

Entretanto, Luther King afirma que mais importante do que uma aparência masculina, é o seu bem-estar diante do que sempre quis. “Eu não tenho a necessidade de estar com uma aparência masculina pra me ver enquanto homem, mas é questão de me adequar ao que eu me vejo. Mas é isso, eu to me sentindo bem com o que eu estou vendo e esse era meu objetivo”, declara.

 

Empregabilidade

Outros objetivos bem traçados em sua vida sempre foram os estudos. Apesar dos contratempos, Rodrigo completou seu ensino médio regularmente e desde novembro de 2017 também coleciona a formação técnica na área de montagem e manutenção de computadores com especialização de hardware. Mas até agora seu diploma não lhe garantiu a possibilidade de exercer fora das salas de aula tudo aquilo que aprendeu. “Eu ainda não consigo atuar na minha área. Quando eu vou numa entrevista antes de entregar meu currículo eles me passam uma mensagem superpositiva ‘ Ah, então volta aqui amanhã com toda sua documentação e coisa e tal pra gente fechar contrato’ e como agora no currículo a gente pode colocar nosso nome social, eu coloquei meu nome social entende?! Porque na hora que for assinar lá eu vou ter que assinar com o de registro. Então pra mim estava de boa. Eu mandei o currículo como Rodrigo de Oliveira Dames no meu direito exercer meu nome social naquele lugar, naquela questão, naquele momento. Aí quando eu cheguei lá com toda a minha documentação, xerox, carteira de trabalho a mulher apertou minha mão no RH e abriu a minha carteira de trabalho. Eu me lembro muito bem do olhar dela, foi horrível, porque ela falou assim ‘você não tem nenhum documento que seja seu não?”. Aí eu falei: ‘senhora, essa pessoa que ta aí sou eu.”E ela completou falando bem alto: ‘É VOCÊ?! É VOCÊ ?! Ata! Você aguarda um momentinho?’. E o pior é que as pessoas não disfarçam. Sei que ela voltou do RH com outro rapaz e me pediu desculpa e que (eu) aguardasse um retorno de casa. Até hoje não retornaram contato nenhum”, conta.

“Eu não consigo atuar de contrato com empresa, então eu trabalho por meios informais. Às vezes a pessoa me liga pedindo pra ir na casa dela vê e eu vou lá e conserto aquele computador e não é sempre que eu tenho clientes porque eu não tenho material de divulgação, é no boca a boca”, completa ele. Luther King diz ainda que apesar desses inúmeros desrespeitos, não se abala e nem espera oportunidades na área para trabalhar. O que aparecer ele faz e sempre com determinação. E compara o estigma que sofre com a mesma que muitos moradores de favelas do Rio de Janeiro também passam. “Eu sou favelado e favelado não é sinônimo de ser mal-educado, nem um bicho. Então as pessoas têm que entender que nós somos conviventes e não coniventes com o que acontece ali dentro, nós também somos reféns ali dentro e aqui fora”.

Segundo ele, “minha retificação civil ta em andamento na defensoria pública e eu não sei como eles vão se posicionar diante do STJ com essa lei imediata que a pessoa chega no cartório e faz a mudança de nome”, disse ele que durante a entrevista mostrou-se ainda surpreso e ao mesmo tempo desinformado – porém curioso – sobre a nova possibilidade de utilização de uma Carteira de Identidade Social para uso no estado do RJ, mediante solicitação no DETRAN.

 

Sexualidade

Apesar de identidade de gênero (a forma como me vejo ou me entendo) e sexualidade (para quem direciono minha afetividade) serem coisas distintas, ainda hoje é muito comum que as pessoas interpretem que ao passar pela transição, também se trasiciona o desejo ou o afeto pelo(a) outro(a). Mas Luther King mostra-se totalmente desprendido de rótulos quanto a isso e não se incomoda se quem estará ao seu lado é um homem ou uma mulher – em todas as suas possibilidades de reinvidicação de gênero.

Eu não rotulo a minha preferência. Eu sou um rapaz que me sinto bastante atraído por essa essência que se diz feminina, eu amo isso, independente do sexo biológico. É como se você gostasse mais do sabor de picolé de uva e eu de morango e ambos são picolés, entende? Sabe, eu não descarto a possibilidade de experimentar um de uva agora. Então eu não me defino como sendo bissexual, ou sendo pansexual, ou sendo não binário que é uma coisa que eu ainda estou estudando. Eu já me relacionei com um homem trans e com homem cis (pessoa que se identifica com o gênero com o qual nasceu). Eu tive uma namorada há pouco tempo atrás que ela dizia nas redes sociais que era lésbica e de repente assumiu um namoro comigo. Então tinha essa namorada que era lésbica mas namorava um homem e nesse período que a gente namorou eu percebi que ela continuava fazendo essa afirmação que era lésbica. Pô como assim ela é lésbica e ta namorando comigo? Foi aí que eu descobri que ela não me via enquanto homem, me via como mulher”.

E completa: “Ela não dizia que era uma mulher, mas deixava subentendido. Na verdade, existe uma resistência e aí a gente volta de novo nessa questão de estrutura. Porque as pessoas criam uma barreira, criam uma resistência. Porque por mais que ela vivesse naquele mesmo âmbito de pessoas trans e travestis, ela tinha uma resistência a tudo aquilo mesmo sendo uma militante muito atuante. Antes de transicionar o gênero eu só tive experiência com mulheres. A diferença é que hoje eu posso ser até quem eu sou na cama e antes eu tinha todo aquele receio. Todo aquele: ‘ Ai meu Deus é ativo ou passivo? ’. Eu entendo que as pessoas têm as suas preferências né? Porém, hoje eu acredito que ainda tenho muita coisa pra desconstruir, mas deixo (claro) que desconstrução não é uma obrigação e sim uma construção”.

 

Prevenção

Se de maneira geral ainda há intensos desafios de órgão ministeriais para acessar determinadas parcelas da população com ações de prevenção visando o HIV e a AIDS, como jovens e idosos, para pessoas transgêneras é ainda mais difícil. Contudo, Rodrigo afirma que sempre absorveu essa importância em suas relações. “Sempre ando com camisinha dentro da mochila, sempre ando com uma forma de proteção dentro da mochila. Até porque eu perdi uma vizinha, uma amiga minha e eu vi a transição dela. Ela se hormonizou primeiro do que eu e assisti a mudança dela nessas voltas que a população LGBT passa por ser marginalizado (a) (onde) a travesti tem que se prostituir, a travesti não pode ter trabalho formal, não pode ter uma empresa. Até um dado momento que ela se viu com AIDS não sendo só portadora, mas com nível transmissor de AIDS. Então eu acompanhei todo sofrimento dela. E então aquilo me ajudou a não querer trazer essa questão pra minha vida por ‘n’ motivos, aquilo me conscientizou melhor”, diz ele.

Sobre isso, inclusive, Rodrigo afirma que é fundamental que pessoas travestis e transexuais possam ser melhores visibilizadas e, principalmente, cuidadas em relação à saúde mental, que costumeiramente é afetada por conta dos dilemas enfrentados mediante o estigma, a discriminação, a exclusão e o preconceito. “Eu acredito que não só conscientizar, mas para além disso, essas pessoas precisam de um acompanhamento psicológico. Eu tenho depressão, eu por muitas das vezes já saí na rua falando que vou fazer isso, aquilo e foda-se. Eu tive um amigo trans que cometeu suicídio porque ele ia pra festas, se drogava, transava com um monte de pessoas. Eu nunca falei isso com ninguém. E ele simplesmente contraiu o vírus da AIDS e pra ele aquilo ali acabou. E ele não queria saber de tratamento e nem nada, daí ele desenvolveu uma depressão muito forte – porque depressão não é brincadeira – e se suicidou. Então muitas das vezes as pessoas vão pra uma festa e se drogam pra esquecer a opressão, essa coisa massacrante que a sociedade nos impõe, acabam se arrependendo e cometem o suicídio”.

E por pouco Luther King revela que não foi mais um dentro dessa triste estatística. “Há tempo atrás eu fiz uma postagem no meu Facebook me despedindo de todo mundo e muitas pessoas na postagem me deram apoio. Até um amigo meu entrou em contato comigo e me ajudou a não pegar aquela arma e dá um tiro na minha cabeça”.

 

Identidade x Representatividade

Com um interesse cada vez maior de diversos segmentos da Comunicação pela causa Trans – muito por conta de todo o ativismo desse movimento – a visibilidade, nos últimos anos, vem alcançando patamares anteriormente nunca atingidos. Já foi tema de novela (Ivana/Ivan em “A Força do Querer”), está presente na música em vozes como da travesti MC Linn da Quebrada, das transexuais Assucena Assucena e Raquel Virgínia do grupo As Bahia e a Cozinha Mineira e da cantora Liniker e os Caramelows, por exemplo, e também no teatro com a peça Gisberta, de Luís Lobianco. Um ganho exponencial de representatividade. Não exatamente para Rodrigo.

“Então, eu acho bacana e nós estamos fazendo uma revolução. Porque a gente sabe que a indústria da música é uma selva ne?! E as travestis estão ocupando o seu lugar, então eu vejo isso como resistência, como luta e isso é muito importante pro movimento, entende?! E eu vou citar sim uma pessoa que está na mídia e eu admiro muito que é a Linn da Quebrada. Uma travesti preta, favelada, que afronta e que ocupa o seu espaço. Então se ela abre a gente também entra. Então eu não concordo quando as pessoas falam que precisou de um gay-cis pra abrir caminho para as travestis sendo que eu tenho a certeza que nunca um gay-cis passaria ou teria coragem de passar o que a travesti passa todo santo dia. Quantas transexuais, travestis, transgêneros você vê na televisão atuando? Você não vê! As pessoas questionam que o artista pode se caracterizar do que quiser e não é bem assim. O cara (Luís Lobianco) está fazendo uma peça sobre a vivência de uma travesti que morreu assassinada por causa de uma transfobia em Portugal e simplesmente tem uma postura que não abre o diálogo pra uma conversa”, conta Luther King sobre a peça do ator global, que vem sendo criticada por inúmeros movimentos de travestis e transexuais naquilo que elxs chamam de “Trans Fake”.

Sobre o protesto realizado na última apresentação no Rio de Janeiro, na casa de espetáculos Rival, na Cinelândia, Rodrigo afirma que não houve agressão conforme noticiado em alguns veículos da mídia. Afinal, ele estava lá e afirma que nem tudo foi como o explanado. “Eu estava nessa manifestação toda e foi eu que entrei lá dentro. Ninguém agrediu ele e nenhum das meninas e meninos que estavam comigo agrediu ele. Ele simplesmente saiu com os seguranças ao redor dele e a gente perguntando/questionando ele sobre o “transfake”, e ele só ignorou e ficou com medo das travestis que estavam ali no local, que queriam dialogar com ele. Ninguém queria agredir ele. Muito pelo contrário. E ele simplesmente entrou no taxi e foi embora. E depois fez uma postagem super tendenciosa de que houve agressão, quando nada disso aconteceu”. Questionado sobre o porque de ser contrário a forma como a peça vem sendo desenvolvida, o jovem é categórico. “Assim como tinha o black face, eu não permito que falem sobre mim. Daí as pessoas burguesas querem discutir sobre black face, por exemplo, (mas) não entende do assunto, não sabe da sua vivência enquanto negro, não sabe o que os negros passaram naquela época pra que ocorresse isso, porque tinham que pintar a cara de branco e coisa e tal. Então as pessoas não sabem, erram por falta de conhecimento e não querem se informar”.

Provocado sobre então qual seria o limite entre atores cisgêneros interpretarem papéis com representação transgênera e o/a artista transgênero(a) sempre interpretar os mesmos papéis, justamente pela condição de ser transgênero(a), Rodrigo disse que “isso ai é desculpa pra que não haja um acesso maior em outros âmbitos artísticos para pessoas trans. Porque quantas pessoas trans você conhece no Brasil que são famosos? Que atuam? Que tem papel principal na novela? Então pra abafar essa questão eles sempre usam essa justificativa quebrada. E infelizmente a questão de algumas pessoas trans que rejeitam papéis pra não levantar a bandeira quanto a ser trans é aquela questão que falei no passado: eu nunca tive a vivência de ser um homem cis e nunca nem vou ter e também não vou negar a minha existência de ser um homem trans. Então passar por cima disso é passar por cima de toda a minha história”.

História essa que ele tem muito orgulho e que se sente lisonjeado de poder ter a oportunidade de dividir com o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens como protagonista de sua fala, para que outras pessoas saibam por si – e não por outras – sua verdadeira realidade. “É muito importante esse protagonismo que eu estou podendo ter, esse meu local de fala, porque tudo isso abre portas pra muitas outras pessoas que antes viviam oprimidas, escondidas, atrás de máscaras que a sociedade nos impõem até mesmo dentro do nosso meio. Vamos falar a verdade, sem hipocrisia? Um negro, favelado, onde muitas pessoas falam que eu não sei falar bem – e eu não faço questão de falar academicamente com ninguém porque eu acho que acadêmico tem que falar dentro da academia – estar aqui é único. Então eu espero que essa entrevista aqui dê voz. Eu não quero ser visto por muitos e sim ser lembrado”, filosofa.

Futuro

Eu não vou criar um mundo de ilusão, só que eu espero que nós trans, travestis, LGBT’s possam ter mais lugar de fala na sociedade. Eu espero que a Câmara dos Vereadores esteja cheia de travestis, de gays, de negros e é isso que eu espero do futuro. Essa diversidade e essa igualdade de estar com as pessoas, mas o futuro já está sendo construído por nós e uma hora isso vai acontecer”, acredita.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

 

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