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“Eu sempre me considerei negra desde criança e eu ouço também desde criança muitas pessoas falarem pra mim que não sou negra”, afirma jovem psicóloga. (2017)


“Eu sempre me considerei negra desde criança e eu ouço também desde criança muitas pessoas falarem pra mim que não sou negra”, afirma jovem psicóloga.

Entender os mistérios “do que se passa na cabeça das pessoas” e traduzi-las sob formas palpáveis de resolução dos problemas, para a melhor compreensão humana. Foi com esse objetivo concreto e visto, posteriormente, como extremamente difícil que Érica Andrade, de 29 anos, se formou em Psicologia. Mas antes de tentar ajudar a resolver os dilemas dos outros, foi consigo mesma que ela tentou lidar quando mais nova: é filha única e nunca foi muito simpática a isso.“Eu sempre achei que é um peso muito maior em mim porque você é o foco de atenção naquela família, então por ser só o único filho, tudo que acontece é só você, todas as expectativas somente em cima de você, você tem que dar conta de tudo, tudo sozinha. Você não tem com quem dividir responsabilidades, com quem dividir as expectativas que os pais tem sobre os filhos”, afirma. “Mas depois de tanto tempo eu já me acostumei”, resigna-se ela explicando que foi a quarta gravidez de sua mãe que tentou, mas não conseguiu mais engravidar após ela nascer.

Mas se tem algo que ela não consegue entender mesmo são as dificuldades e desafios de morar na Baixada Fluminense. Moradora de São João de Meriti, nos últimos anos a cidade vem se notabilizando pela falta de serviços públicos e básicos essenciais e sentindo a escalada da violência tomar conta da região. Sobre isso, Andrade revela que num passado nem tão distante assim a realidade era um pouco melhor. Era. “Antes não tinha muito(perigo e violência), era o contrário, eu sempre morei lá porque minha família optou por ficar lá justamente por isso, era um lugar tranquilo. E de uns tempos pra cá, hoje em dia, tá (sic) muito complicado em relação a segurança pública e os jovens hoje em dia, a galera mais nova que eu vejo lá, estão com muito menos opções assim de sair de casa porque na minha época eu conseguia fazer isso. Hoje, quem é mais jovem, já sai com medo, vivencia coisas ruins na rua, então tá mais complicado ainda do que era pra mim quando era mais nova. Hoje eu deixo (de fazer algumas coisas por causa da violência)”. E completa: “Eu procuro chegar em casa cedo e quando eu chego um pouco mais tarde eu pego um táxi do lugar onde eu estou até minha casa. Eu não vou mais andando porque eu tenho medo”.

Medo, talvez, apreensão com certeza. Esse misto de sentimento também se estende para as questões profissionais. Formada desde 2012 em Psicologia e pós-graduada desde 2015 em MBA de pessoas, com larga experiência na área corporativa, Érica encontra-se desempregada. Reflexiva, ela avalia o momento e já pensa em mudar o foco na área que escolheu. “Então, hoje eu tô (sic) pensando em entrar pra área da psicologia hospitalar. Que é uma área que sempre me despertou muito interesse, mas nunca fui porque fui seguindo outros caminhos. É fora das empresas e é algo que eu vou ter um contato direto com as pessoas, com os pacientes, com pessoas que vão estar passando por um momento de vida mais complicado e aí a minha intervenção vai poder ser um pouco maior e mais próxima daquilo que eu sempre quis que é de ajudar as pessoas”, conta. Diz ainda que com a crise do estado do Rio de Janeiro, além da enorme competitividade para uma única vaga – quando aparece – “as pessoas vão dar prioridade para outras coisas, contas de casa, alimentação, pra outras coisas e menos isso (pagar um psicólogo)”.

Auto-identidade Negra

Auto-identidade pode ser classificado como a relação estabelecida entre você, o mundo e os outros e que ajuda a construir a sua identidade a partir dos grupos sociais, do contexto familiar, das experiências individuais, dos valores, ideias, normas e etc. A partir desses critérios – sem necessariamente ter que se apegar didaticamente a eles – que Andrade sempre se colocou e identificou como uma mulher negra. À primeira vista sua pele clara pode denotar que ela não pertence a essa etnia. E na prática isso se traduz em desconforto, “porque a minha pele é um pouco mais clara, mas minha raiz é negra, meus traços físicos são de negra e minha família também é. Então eu sou negra. E eu sempre me considerei negra desde criança e eu ouço também desde criança muitas pessoas falarem pra mim “não, você não é negra” e aí eu questiono essas pessoas e falo “então tá, eu sou branca? Não, não sou branca. Sou oriental? Sou índia? Não sou, então eu tenho que ser alguma coisa e eu sou negra”. E eu sempre me enxerguei assim e nunca tive nenhum tipo de problema com isso”, atesta.

Até porque ter a pele um pouco mais clara (e o não reconhecimento de sua negritude pelos demais) nunca lhe garantiu a ausência de sofrer preconceito. “Ah, eu lembro que a primeira vez que eu sofri preconceito eu tinha uns 7 ou 8 anos de idade e eu tava num consultório médico a espera de um pediatra né (sic) e tinha uma mulher sentada do meu lado com um bebê, ela era branca e o bebezinho também e o bebezinho de repente começou a brincar comigo. E eu comecei também a brincar, eu era uma criança, e a mulher até então tinha me visto e ela deixou o bebê brincando. Quando ela olhou pra mim e viu quem era que estava brincando com o filho dela, ela sentou virada de costas pra mim e puxou a criança da minha mão. E ela não falou nada, não foi algo declarado, mas eu mesmo criança entendi o que estava acontecendo”, despeja em firmes palavras. Isso sem falar da “forma clássica” de perseguição dentro de uma loja “achando que eu ia roubar alguma coisa”.

Justamente por isso que a psicóloga acha muito importante a representatividade que o negro vem conquistando na mídia nos últimos anos. Segundo ela, em sua época de infância e adolescência era difícil reconhecer-se em alguma figura pública, fosse na televisão ou na moda, entretanto hoje em dia “as pessoas jovens já conseguem ter em quem se espelhar, em quem seguir, em quem admirar. É bem diferente. E se todo esse movimento não tivesse ocorrido, dificilmente, os jovens de hoje teriam essa identificação que tem hoje. Ainda existe muito preconceito, mas eu acho que o início está sendo muito válido”, enfatiza. Mas sobrou ainda espaço para criticar a proposta de criminalização do funk, movimento musical negro que dá voz às favelas e favelados. “Eu acho que quem propôs uma coisa dessas não conhece a realidade. O funk gera muitos empregos, gera uma renda pra muitas famílias e, assim, você querer acabar com isso é você querer acabar com as pouquíssimas oportunidades que essas pessoas tem na vida. Toda a violência e o tráfico de drogas (na comunidade) mora ao lado do funk, então se as pessoas tiverem o funk tirado da vida delas, a opção que resta é a violência e o tráfico”.

“Só falar use camisinha fica um discurso muito raso

Apesar da criação recebida de seus pais ser considerada como muito importante para o que é hoje, Érica Andrade reconhece que o fato de seus pais terem ficado “grávidos” tardiamente (atualmente eles estão na faixa dos 60 anos) e serem de uma outra geração, assuntos como sexualidade, prevenção e HIV/AIDS eram tratados como tabus em casa. Mas isso não a impediu de se informar e ter interesse pelas temáticas. Pelo contrário. “Sempre me preocupei bastante com isso. E sempre procurei me prevenir de todas as formas tanto de doenças como de gravidez. Na minha adolescência já era bastante falado esse assunto então assim, nunca tive problemas sobre, nunca tive assim falta de informação sobre isso. Informação sempre teve bastante”, conta ela.

Questionada sobre o porque de haver tanta informação e mesmo assim os jovens negligenciarem tanto o uso do preservativo e suas consequências, a psicóloga é taxativa: “hoje em dia a informação é muito propagada, até muito mais do que na minha época, então não acho que é a falta de informação. Mas é a falta de postura, eu acho. De você defender a sua convicção, medo de você desagradar seu parceiro, medo de você ser rejeitado. De você achar que nunca mais aquela pessoa vai te querer, então isso são fatores que acabam fazendo você ceder tipo “ah tá bom, uma vez só” então vai lá e faz. Eu acho que você tem que ser a sua prioridade”, ressalta. Para ela, um dos motivos que reforçam essa realidade é o fato de muito desses jovens serem da geração pós-Cazuza e terem a falsa impressão de  que os antirretrovirais solucionam a questão.

“Quem é adolescente hoje e tá (sic) iniciando a vida sexual hoje, realmente não tem referência nenhuma de pessoas que tenham morrido de AIDS e isso eu acho que é um ponto que influencia muito. Porque acha que nunca vai acontecer com você, acha que não é bem assim,“não conheço ninguém que tenha porque eu vou me prevenir?”. E também essa questão dos medicamentos, dos coquetéis que a gente tem hoje graças a Deus dando uma sobrevida muito grande e longa pra quem tem a doença, mas é óbvio que isso não é a melhor opção. A melhor opção é você se prevenir e não ficar doente”,observa ela. Psicologicamente falando, ela afirma que as campanhas de prevenção que focam somente no uso da camisinha já não tem mais tanta força e explica que a teoria do exemplo, aplicada na educação infantil, seria um método interessante para evidenciar com mais propriedade aquilo que você quer falar. “A gente educa pelo exemplo e comprovadamente você aprende mais, você consegue absorver mais o que foi dito pra você quando isso é aliado a um exemplo. E nessas questões aí da AIDS não tem tido esses exemplos e o jovem não tem se preocupado tanto. Só falar use camisinha fica um discurso muito raso, muito vago. É a mesma coisa que falar “não use drogas”. Mas se você não sabe como é a dependência química você não vai se importar com aquilo que está sendo dito. Então tem sim que reforçar com exemplos, tem que mostrar sim a realidade dessas pessoas que enfrentam a doença, a realidade como um todo: tanto a realidade médica (os fortes antirretrovirais) quanto a realidade de vida mesmo. A realidade que essas pessoas enfrentam com a sociedade, com o preconceito, isso tem que ser passado pros jovens”. Conclui.

Sobre o que espera do futuro, ela resume num misto de fé e esperança. “Eu acredito muito em renovação. Acho que assim, a gente ainda vai ficar um bom tempo nessa renovação mesmo, ainda muita coisa tem pra acontecer, mas eu acho que quando tudo finalizar, quando tudo realmente acabar tende a melhorar. Eu também estou passando por um momento de transição profissional, de relacionamento na minha vida pessoal, então eu acredito que as coisas positivas elas só chegam até você quando as negativas já tiverem ido embora. As portas precisam abrir, mas pra que novas se abram as antigas tem que se fechar. Então eu acredito que isso é o que vai acontecer com nosso país e nosso estado daqui pra frente”.

 

 

 

 

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