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“Eu ainda estou encaixado em um certo padrão: sou branco, não sou tão afeminado, sou de classe média. Então acho que de repente isso faz com que o preconceito não me atinja tanto, mas ele ainda existe”, reconhece jovem carioca


Moreno, alto, bonito e sensual. Tirando o adjetivo da morenice podemos pegar os demais adjetivos e parafrasear a canção para encaixá-los à persona de Iron Ferreira. O carioca de 24 anos, morador da Ilha do Governador – que em sua opinião “ainda é um lugar um pouco isolado e não é tão violento como o resto do Rio de Janeiro” – tem sim muitos predicados e consciência do lugar de fala que seus marcadores sociais de privilégio o conferem. Mesmo enquanto homossexual.

Assim, uma vez eu saí com um menino e ele era, tipo, bem afeminado e a gente estava na rua quando um carro passou e gritou ‘ah viadinhos’. Não deixa de ser uma homofobia, (mas) fora isso eu nunca sofri. Hoje eu ando de mãos dadas com o Marcos (seu namorado) na rua e as pessoas olham, umas olham espantadas, outras olham normal, mas nunca sofri do tipo me agredirem ou ter um espaço negado por isso. Acho que talvez possa ser pelo fato de eu não ser tão afeminado à ponto de “agredir” os olhos de outras pessoas. Porque tem isso né as pessoas acham que “gay, tá, mas você não pode ser muito afeminado. Então como eu obedeço um certo padrão: eu não sou negro, sou branco, não sou tão afeminado, sou de classe média, eu não uso shortinho curto, camiseta rasgada etc acho que de repente isso faz com que o preconceito não me atinja tanto, mas eu não acho que esse preconceito deixou de existir. Ele existe e acho que talvez não me atinja por conta da classe social, da maneira (heteronormativa) de me portar. Acho que talvez por isso”.

Justamente por isso, entre outros quesitos, o jovem julga necessário e importante a visibilização e ascensão de diversos artistas e influenciadores LGBTs. “Acho que na época em que eu me assumi com 15 anos, mas não era tanto como é hoje em dia. Assim, tinha artistas que falavam sobre esse tema como, por exemplo, músicas da Lady Gaga e da Madonna e de outros artistas que falavam sobre sexualidade e que fizeram eu incorporar mais o discurso de que ‘não estou errado ou no caminho errado’. Mas acho que é importante que essa nova geração veja que você ser ou não ser gay é uma questão apenas de característica. Acho que não só dos artistas (musicais LGBTs) – que são absolutamente importantes – como pessoas de outras áreas como escritores, diretores, atores enfim”, acredita ele. E completa: “Eu acho que é importante mostrar isso pra nova geração justamente pra que elas não se sintam inferiorizadas de ser e sentir o que elas sentem”.

Além do mais, “de uma forma ou de outra isso já é uma coisa positiva, porque querendo ou não eles estão ali ocupando os espaços deles e estão sendo discutidos assuntos que são extremamente importantes como sexualidade, identidade de gênero e tudo mais”. Mas ainda há muito o que melhorar nesse aspecto. A preponderância do protagonismo homossexual – dentro e fora da mídia – invisibiliza outras letras do movimento e padece a sociedade de conhecer e se apoderar de novas realidades. “Você vê muito falando sobre gays, mas você vê pouco falando sobre lésbicas, que são extremamente invisibilizadas na dramaturgia, de uma maneira geral. Enfim, eu acho que de certa forma isso é muito bom mas eu acho que essa discussão precisa ser ampliada. Eu acho que dentro do próprio movimento LGBTQ+ tem muitas falhas de comunicação e preconceitos dentro do próprio meio”, critica.

Sobre oprimidos reproduzindo opressão, LGBTs no caso uns contra os outros, Ferreira compartilha que “já ouvi da boca de vários amigos meus gays dizendo ‘eu não fico com negro’, ‘eu não saio com drag’, ‘ah eu não saio com caras afeminados porque vão achar que eu sou também’, ‘não saio com travestis porque vão achar que sou também’. Cara, se você já tá num meio em que você sofre preconceito e você ainda pratica o preconceito contra uma pessoa que tá mais invisibilizada do que você, você só reforça aquele preconceito mais ainda”.

Porque a gente sabe que dentro do movimento LGBT tem níveis. A bicha preta favelada sempre vai sofrer muito mais preconceito do que o gay da zona sul, masculinizado, que é bombadinho e malha na SmartFit. Isso é fato! Eu, por exemplo, sei que embora seja gay estou dentro de vários padrões: eu não sou pobre, eu não sou negro, não sou extremamente afeminado. Então se eu chego e falo ‘não vou andar com a bicha preta favelada que usa shortinho’ eu já estou reforçando o preconceito. Eu estou sendo preconceituoso com aquela pessoa que está abaixo de mim. E isso cria mais preconceito e dificulta ainda mais essa discussão. Como é que pode dentro da própria comunidade LGBT ter preconceito? Isso não entra na minha cabeça”, indaga e responde ao mesmo tempo com pesar e incredulidade.

Família e Sexualidade

A segurança com que aponta e reflete sobre problemas estruturais também foi – e continua sendo – a mesmo com que vive sua sexualidade. Desde o despertar. O universitário afirma que, apesar dos pais terem se separado quando era muito novo, nunca sentiu a ausência deles em sua criação e nem teve maiores problemas para lidar com isso. Até por ser filho único, afinal, “ser criado como filho único é assim: tem umas vantagens de você ter a atenção toda pra você, os recursos todo pra você, mas por outro lado também existe uma cobrança maior, uma preocupação maior, uma superproteção”.

E na maioria das vezes essa superproteção vêm imbuída de muitas expectativas – desde a concepção, por sinal – sobre aquele/a filho/a. Quebrá-las não é das tarefas mais fáceis. Principalmente no que tange à sexualidade, assunto caro aos lares brasileiros e que não fugiu à regra debaixo do teto da família de nosso entrevistado. “Olha, desde sempre, eu sempre senti atração por homens. Quando eu comecei a sentir atração sexual mesmo, com meus 12, 13 anos sempre foi com homens. Eu sabia que a figura masculina me atraía, mas na minha cabeça eu não sabia que aquilo significava ser gay. Quando eu tinha 15 anos foi quando a ficha caiu, que eu falei ‘não eu sou gay. Eu sinto atração por homens e não é uma questão passageira. Isso é fixo’. E foi aí que eu me entendi como gay”, revela.

Mas contar mesmo para a família levou um tempo maior. “Eu só fui contar pra minha mãe que era gay com 18 pra 19 anos e eu namorava com meu primeiro namorado e ela percebeu que a gente era mais do que amigos. Até que um dia ela virou pra mim e perguntou ‘eu acho isso muito estranho. É isso que eu tô pensando?’. E eu virei pra ela e falei ‘é, é isso que você está pensando. Ele é meu namorado e eu sou gay’. E minha mãe começou a chorar e chorou e chorou. Disse que não criou filho pra isso, que Deus criou homem e mulher e tal”.

Apesar do momento delicado, Iron Ferreira afirma que o tempo foi o melhor remédio para a compreensão e o respeito. “Tipo, o primeiro e segundo ano que se seguiu depois disso foi um pouco mais difícil pra ela lidar. Mas na medida que eu fui crescendo e tendo mais maturidade, a certeza do que eu sou e até minha postura em relação a ela também, acho que ela foi internalizando que tipo ‘meu filho é assim e tudo bem’. Hoje a gente não conversa do tipo ‘ah mãe saí com um menino ontem’. Não. Não chega nesse nível. Mas ela já consegue lidar com esse fato de uma maneira muito melhor. Eu namoro há quatro anos e ela gosta do meu namorado, conhece, ele dorme lá em casa várias vezes, a gente já viajou juntos, ela tem uma amizade com ele. Então ela já sabe”, disse.

Mais uma vez sua consciência fala mais alto e com ela a reflexão sobre determinadas reações e comportamentos, até hoje tidos em alguns momentos, de sua mãe. “Teve uma vez que eu acho que a gente estava na rua – eu, ela e o Marcos, meu namorado – e ela encontrou uma amiga e ela falou ‘ah esse aqui é o amigo do Iron’. Tipo assim, eu achei engraçado, mas eu tô até pensando em virar pra ela e falar ‘quando você encontrar alguém na rua não diz assim que é amigo do Iron, diga que esse é o namorado do Iron’Mas ao mesmo tempo eu também entendo que minha mãe tem 64 anos. São 40 anos de diferença entre eu e ela. Então isso, querendo ou não, é um abismo. Para algumas pessoas não é, mas pra ela é. (Ela) foi criada em outra época, é outra mentalidade e embora ela não seja homofóbica e preconceituosa ela ainda tem uma certa dificuldade de entender, talvez, por essa questão da idade e da época em que ela foi criada. Mas eu acho que também é muito do medo do que pode acontecer com o filho dela. Então acho que seja isso na cabeça dela e (por isso) ela não se sinta tão à vontade pra sentar e conversar e se abrir comigo nesse sentido”, atesta.

Questionado sobre como seu pai reagiu ao mesmo momento, o jovem afirma que “não foi uma reação muito traumática”. “Um certo dia eu fui na casa dele, cheguei e falei ‘pai eu vim aqui porque acho que a gente precisa conversar…eu sou gay’. E meu pai disse ‘eu não entendo’. Não sei se ele chegou a dizer ‘eu não aceito’. Mas disse ‘eu acho que pra mim isso não é certo, mas eu só espero que você não me envergonhe’. Ele disse isso e eu disse pra ele ‘olha, eu não sei o que você tá querendo dizer com envergonhar, mas tudo bem. Eu vou dar o seu tempo, sei que é difícil, não vou querer enfiar na sua cabeça uma coisa e é isso’. E ele ‘tá bom’”. E complementa:

Eu acho que o medo (quando pediu que eu não o envergonhasse) dele era que eu ficasse extremamente afeminado ou que eu virasse uma drag (queen), uma trans, uma travesti. Coisa que não teria problema nenhum se eu fosse, mas acho que ele sentiria muito isso. Assim, eu acho que ele sente pelo fato de eu ser gay, mas de repente ele sente menos pelo fato de eu não transparecer (ser gay) de forma tão gritante na cabeça dele. Tipo assim ‘ah pelo menos ele não é afeminado’. Acho que ele pensa assim”. Hoje, porém, se a relação já não é mais envolta sob desconfianças, ao menos é amistosa e cercada de companheirismo.

Hoje ele conversa com o Marcos, a gente (sic) já almoçou juntos, ele fala com ele. Tem uma relação boa. Eu acho que ele, de repente, não sei se ela aceita ou não mas hoje isso pra ele ‘foi’. Acho que hoje ele já encara isso de maneira mais tranquila”.

Política e Ideologia de Gênero

Jovem, inteligente e jornalista formado Ferreira não se furta de falar sobre nenhum assunto. Aliás, algumas temáticas são bastante caras para ele enquanto cidadão como, por exemplo, a atual política. Marcada por uma guinada à direita e extrema-direita desde as últimas eleições, onde o tom é ditado pelo conservadorismo raiz e com matrizes religiosas moralistas, o jovem mostra-se preocupado e pessimista com algumas atitudes recentes protagonizadas por alguns dos principais alcaides da política brasileira.

“Apesar do ser liberal em muitos lados, o Brasil é um país extremamente conservador. Não dá pra entender. Eu vejo esse momento (político) com um pessimismo absurdo. Eu acho que não só o lado social há um retrocesso. Eu acredito que o governo não só do (Jair) Bolsonaro, como do (Marcelo) Crivella – do Witzel eu não sei se tanto, mas do Bolsonaro e do Crivella sim – é um conservadorismo muito ligado a religião e isso me assusta. Porque, independente de qualquer coisa, a gente vive numa democracia que é um Estado laico. Então quando você mistura religião com política, pra mim, isso já é imoral. Acho que isso não conversaria”, ressalta.

Os principais reflexos dessas uniões são políticas públicas que não atendem as demandas de todos os tipos populacionais especialmente mulheres, negros e LGBTs. Sobre esse último contigente, aliás, a cruzada conservadora é combatida sob o viés de uma suposta “ideologia de gênero”. Para Ferreira, “Eu acho que essas atitudes estão muito ligadas ao conservadorismo. Primeiro que essa coisa do Crivela (de mandar recolher HQ com beijo gay na Bienal) eu acho uma coisa completamente arbitrária, porque se trata de uma feira de livros onde as pessoas vão e compram livros de acordo com o interesse delas. Tudo bem que haja uma restrição de faixa etária quanto ao conteúdo do livro que você vai publicar, seja ele LGBT ou não, mas ali era uma HQ, um livro que só quem compra é quem quer (ler). Eu acho que isso sim é uma censura e uma tentativa de intimidação. Primeiro que é uma falta do que fazer, deveria se preocupar com coisas mais relevantes. Segundo, que é a oficialização de uma postura preconceituosa e conservadora que ele tem de querer aparecer em cima disso, como se tivesse lutando pelos direitos morais e deveres. Quando na realidade não é isso”.

Se a esperança é a última que morre, está certo de que tem que se apegar a ela para esperar por dias melhores. “Eu acho que a gente tá num momento muito complicado – isso é fato – mas eu espero que a gente consiga ultrapassar isso. Tomara que a gente consiga inverter e eleger pessoas que sejam mais propensas ao diálogo. Eu não acho que a gente precisa eleger pessoas que necessariamente pensem como a gente, mas que ao menos estejam propensas a discutir, a debater, a conversar e entender um outro lado e não simplesmente ser radical e achar que o gay e a lésbica querem “atirar arco-íris” nas pessoas e transformar todo mundo em gay”.

Sexo e Prevenção

A conscientização de suas opiniões sempre esteve aliada a sede de informação e, sobretudo, conhecimento. Conhecimento esse que dentro de questões relativas ao sexo e à prevenção é para Iron Ferreira algo salutar dentro de relações afetivas, sejam elas quais e como forem. “Eu sempre soube que a gente deveria usar camisinha, mas eu fui displiscente em alguns casos. Graças a Deus isso nunca me trouxe nenhuma consequência negativa, mas poderia ter trazido. Hoje eu já tenho uma mentalidade de que eu preciso usar camisinha muito mais claro do que eu tinha no passado, que eu era, não sei se inexperiente ou talvez (foi) por falta de conversa”, conta.

Mas é necessário fazer um mea culpa. “Assim, minha mãe já chegou a falar e me mostrar como usa e tal, falou da importância chegou a colocar camisinha no meu pênis e disse como eu deveria usar quando era mais novo, mas hoje eu como pai falaria mais. Tipo eu tentaria mostrar mais, eu bateria mais na tecla da AIDS, das doenças sexualmente transmissíveis no geral, das consequências (…) conscientizar mais”. Tecla, por sinal, constantemente dialogada em seu relacionamento. “Sim, a gente já conversou bastante sobre isso (sobre prevenção com o namorado). Se por algum motivo a gente fizer sexo fora do relacionamento ou com outra pessoa sem usar camisinha, pra que o parceiro seja avisado – caso não use camisinha”.

Também é necessário, segundo ele, falar mais sobre PrEP (profilaxia pré-exposição) e os riscos associados ao não uso do preservativo com os jovens. “Eu já vi muito em aplicativos de relacionamento gay as pessoas que usam PrEP e acham que não precisam usar camisinha. Claro, eu não sou da área da saúde e não sei falar muito bem disso, mas eu acredito que a camisinha é uma coisa indispensável e o certo deveria ser combinado justamente pra reduzir o risco ainda mais. Porque tem outras doenças – posso até estar falando besteira – que a PrEP não evita tipo gonorréia, sífilis”, explica.

Já sobre os altos índices registrados atualmente de HIV/AIDS na juventude, Ferreira aponta algumas causas. “Acho que talvez por aquele estigma de ‘ah a AIDS já acabou, tá diminuindo’. Como existia na década de 80 a questão da “peste (gay)”, como se fosse uma praga de eliminar os gays e tal, talvez essa preocupação tenha ficado tão latente na cabeça daquela época e das décadas seguintes que, acho, a proteção passou a fazer mais parte do cotidiano. E como a gente vem de uma geração onde isso estava um pouco mais erradicado, talvez a gente não tenha noção do perigo, justamente por  não ter vivido tanto. Por isso eu comentei com você de assistir a série Pose (na Netflix) porque ela se passa na década de 80 e ela fala muito sobre isso. Isso mexeu comigo na (questão) da importância, da gravidade”, diz ele.

Que completa: “eu não sei se seria por ignorância minha (mas) eu acho que já teve época de ter mais propaganda sobre HIV/AIDS. Talvez, hoje em dia, não sei se essa propaganda é tão forte como deveria ser. Talvez pelos índices terem diminuído, em relação ao passado, eles podem ter reduzido um pouco investimento dessa propaganda. Mas eu acho absolutamente necessário você propagar cada vez mais porque as coisas não estão tão certas”, pontua. 

Futuro

Encerrando o bate-papo Ferreira compartilha algumas apreensões típicas da juventude, como a questão da formação profissional e a tão sonhada estabilidade financeira, por exemplo. Como dito anteriormente, sua primeira formação é em Jornalismo. Mas, apesar de dizer que “sempre gostei de me comunicar e passar mensagem para as pessoas”, não dá atualmente para romantizar. “Eu sinto a área desvalorizada e eu agora eu tô fazendo Relações Internacionais porque eu tô buscando uma…sendo bem sincero: eu tô indo muito também pela remuneração. Estou tentando buscar uma remuneração um pouco melhor e um estilo de trabalho um pouco melhor. E também como eu falo algumas línguas tipo inglês, espanhol, francês e agora tô fazendo alemão aí eu busquei uma área onde posso misturar minha habilidade de comunicação para outros caminhos como ONGs, instituições públicas, privadas também”.

Já no âmbito pessoal o plano é não planejar. “eu não faço muitos planos não. Eu acho que eu quero estar bem, estar com minha saúde mental e física bem também. Eu acho que o resto a gente vai enfrentando e levando, Eu não tenho essa “ah quero estar casado”. Não. A vida vai me levando. Tenho vontade de ter filhos, mas não sei também se teria, mas se não tiver também não seria nenhum problema. Enfim, não faço tantos planos assim não. Acho que nesse sentido tô mais ‘noiado’ (sic) com esse lado profissional. O lado pessoal estando em paz comigo mesmo e bem as coisas vão (acontecer)”.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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