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Estudante de Medicina faz prevenção ao HIV em apps gays


Na esfera da saúde, a informação dá poder a uma pessoa, independentemente de seu status social. Bem-informada, ela pode se prevenir de doenças, receber o diagnóstico precoce de alguma anomalia e buscar o melhor tratamento. Quem possui conhecimento ganha a chance de prolongar a própria vida. O graduando em Medicina Augusto Imanishi Bonavita, da UFPel (Universidade Federal de Pelotas), aplica essa verdade incontestável em aplicativos de paquera gay como o Scruff.

Augusto Bonavita defende que a PrEP seja mais explicada na TV e em outros meios de comunicação
Augusto Bonavita defende que a PrEP seja mais explicada na TV e em outros meios de comunicação

Foto: Reprodução

O paulista de 29 anos, que estudou Psicologia na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), tornou-se ativista e divulgador das prevenções e do tratamento do HIV. “Acredito na  potência do esclarecimento consciente sobre o tema e a necessidade vital de combate à sorofobia para promoção da saúde pública”, afirma. Sorofobia designa o medo e a aversão às pessoas que vivem com o HIV. Muitos brasileiros não fazem o teste (e deixam de se tratar) por temer esse preconceito.

Augusto também divulga obras audiovisuais sobre o HIV. É o caso do documentário ‘Carta para Além dos Muros’, do diretor André Canto, disponível na Netflix. Nele, conceituados profissionais de saúde — entre eles o médico Drauzio Varella, apresentador dos quadros de saúde do Fantástico, da Globo — relembram a árdua batalha da Medicina contra a Aids desde o início da década de 1980 e o abominável estigma imposto ao portador do HIV.

O filme exibe ainda o depoimento de pessoas soropositivas e de personalidades da mídia que testemunharam a morte de entes queridos e a evolução na prevenção e no tratamento do HIV. O título do documentário faz referência a um livro do jornalista, dramaturgo e escritor gaúcho Caio Fernando Abreu (1948-1996), uma das vítimas mais famosas do HIV no Brasil.

O Terra conversou com Augusto Imanishi Bonavita a respeito de sua militância nos apps e a importância da produção ‘Carta para Além dos Muros’.

Faz alguns anos que utilizo esses apps. Gosto de chamá-los de redes sensuais (risos). A ideia de divulgar estratégias de prevenção ao HIV e, especialmente, a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) ocorreu no início de 2019, após me tornar usuário dela. O objetivo do meu perfil informativo no aplicativo é dar acesso às diversas estratégias existentes sobre prevenção para uma população que é estatisticamente mais vulnerável à infecção pelo HIV: os gays e os demais homens que fazem sexo com homens. O que busco é tornar mais consciente e protegida a comunidade a qual eu pertenço. A PrEP começou a vigorar no SUS apenas em 2018, é pouco conhecida pelas pessoas, inclusive por profissionais da saúde e, principalmente, fora das capitais do País.

Os usuários do app reagem bem ou reclamam por você desviar do objetivo inicial de marcar encontros sexuais?

Quase todas as mensagens que recebo são de dúvidas sobre a PrEP: quem tem indicação de utilizar, os possíveis efeitos colaterais e onde acessá-la no SUS. Chegam também mensagens de incentivo daqueles que já conhecem a PrEP e acreditam nela como uma importante estratégia na resposta à epidemia de HIV. São raras as mensagens de desaprovação. Eventualmente, julgam que eu incentivo o sexo sem preservativo, o que não é verdade. Em todos os diálogos no app discuto a prevenção combinada, ou seja, apresento as estratégias de prevenção. A escolha das mais adequadas deve ser feita pela própria pessoa. Sempre busco deixar claro que preservativo e PrEP não são inimigos, podem ser utilizados juntos na prevenção ao HIV e a outras ISTs (infecções sexualmente transmissíveis).

Essa abordagem interpessoal, já usada com ótimos resultados em um centro de saúde em Nova York, por exemplo, funciona mais do que anúncios convencionais na internet e campanhas na mídia?

Não posso dizer qual tipo de divulgação funciona mais ou menos que outro, mas percebo que grande parte das perguntas que me fazem poderia ser respondida pelo próprio app ou em uma busca simples na internet. No entanto, alguns usuários se sentem mais confortáveis de questionar no meu perfil, talvez em busca do relato pessoal de um usuário da PrEP. Além disso, ofereço os informativos que estão no site do Ministério da Saúde, ajudando quem me procura a encontrar próximo dele um serviço que ofereça PrEP.

Teve retorno de pessoas que buscaram teste de sorologia ou tratamento depois do seu incentivo online?

Alguns usuários me informam após marcar ou ter a primeira consulta. Não é regra, mas isso também me ajuda pois consigo saber como foi o atendimento, me orienta ao recomendar o mesmo posto de atendimento para outros usuários.

De acordo com matéria da BBC, de janeiro deste ano, a infecção pelo HIV entre homens gays e bissexuais caiu 71% no Reino Unido em relação a 2012. O uso da PrEP é apontado como principal motivo dessa redução. No Brasil, ainda há muita desinformação e preconceito com esse método preventivo?

A PrEP carrega consigo o estigma do sexo anal, da homossexualidade e do HIV/AIDS, temas ainda tabus em nossa sociedade. Entre os preconceitos mais comuns estão a associação da PrEP com sexo bareback (sem preservativo) e aumento de outras ISTs. Há também a ideia de que os antirretrovirais são ‘coquetéis’ extremamente danosos ao corpo. É importante informar que são interpretações equivocadas. Os usuários de PrEP são constantemente acompanhados nos serviços de saúde, onde recebem orientação para utilizarem preservativo, vacinarem-se e testarem-se para as outras ISTs. Tornam-se, portanto, potencialmente mais protegidos do que aqueles que não são aconselhados por serviços de saúde sexual. Os medicamentos utilizados na PrEP se mostram bastante seguros e bem tolerados pela maioria dos pacientes. Além disso, são realizados exames frequentes para monitorar os possíveis efeitos adversos.

Os ataques contra a PrEP têm a ver com o fato de o grupo principal que recebe a medicação ser formado por homens jovens homossexuais?

Infelizmente, a homofobia é um fato presente no Brasil. A eficácia da PrEP tem sido amplamente demonstrada pelos Países que há mais tempo a adotam. A PrEP pode ser indicada e benéfica para vários outros grupos que não apenas os jovens, gays, brancos, com mais anos de estudo e moradores dos grandes centros urbanos, que compõem grande parte dos usuários atuais desta profilaxia. Precisamos agir para que a PrEP tenha seu acesso expandido para grupos vulneráveis, como negros, transexuais, profissionais do sexo e pessoas mais velhas, entre os quais a epidemia de HIV/AIDS segue crescendo.

O documentário ‘Carta Para Além dos Muros’ faz um panorama da evolução da prevenção e do tratamento dos soropositivos no Brasil. O que achou da produção?

‘Carta Para Além dos Muros”é uma obra maravilhosa que ao relatar a história do HIV no País busca, além de disseminar conhecimento, diminuir a sorofobia. O filme mostra a resposta positiva à epidemia de HIV. É informativo e emocionante. Felizmente, existem cada vez mais produções audiovisuais, cênicas e literárias sendo lançadas sobre o tema, que nos ajudam a quebrar preconceitos e difundir a prevenção efetiva.

No documentário há um entrevistado soropositivo de nome fictício Caio que prefere não mostrar o rosto por temer o preconceito. Isso ainda é comum ou os soropositivos estão cada vez mais dando a cara a tapa na sociedade?

Nos apps de paquera gay ainda é raro, mas está se tornando mais frequente que pessoas vivendo com HIV revelem sua sorologia. Essa decisão tem o potencial de ajudar a quebrar preconceitos, possibilita divulgar mais o conceito I=I (indetectável = intransmissível). Entretanto, ninguém deve ser obrigado a revelar seu status sorológico, pois essa é uma informação pessoal que só deve ser compartilhada por decisão do próprio sujeito.

Acredita que a mídia em geral (TVs, jornais, revistas, portais etc.) e a direção das redes sociais deveriam colaborar mais com a discussão do preconceito ao soropositivo e as campanhas de prevenção e informação do tratamento do HIV?

Precisamos falar sobre HIV em todos os espaços possíveis, principalmente por meio das mídias que alcançam as populações mais vulneráveis à infecção pelo vírus. Muitos canais de YouTube feitos por pessoas vivendo com HIV estão surgindo e prestam um importante serviço ao informar e acolher seu público. Mas segue necessário que os meios de comunicação e as redes sociais ajudem a tratar desse tema sem estigmas e preconceitos.

Se você ganhasse um espaço em horário nobre na televisão para falar do assunto, como seria a abordagem?

Para qualquer grupo que se queira informar sobre saúde sexual, primeiramente, é necessário deixar de fora do discurso o moralismo e a culpabilização do indivíduo. Sexo não deve ser tratado como algo sujo a ser condenado, impróprio, mas como uma prática humana saudável e normal que, com o uso de estratégias preventivas combinadas, não será um risco à saúde. Muitos acreditam que os jovens não se previnem porque não temem o HIV como deveriam, apoiados na ideia de que não presenciaram seus ídolos ou amigos morrendo em decorrência da AIDS. Essa é uma afirmação falsa. Para esclarecê-los é importante resgatar o slogan histórico da luta contra AIDS: ‘Ignorance = fear, silence = death’ (Ignorância = medo, silêncio = morte’), do ACT UP (coalização criada em 1987, nos Estados Unidos, para enfrentar a epidemia de Aids) e eternizado na obra de Keith Haring (celebrado artista plástico americano morto aos 31 anos, em 1990, por complicações do HIV), que aponta a desinformação e o medo, na realidade, como motivos para que as pessoas não se testem, não se tratem, não tenham acesso a uma prevenção eficaz. O medo é a barreira, não a solução para a saúde sexual. Com uma linguagem própria a cada grupo, deve-se sempre estimular a consciência do HIV, de seus modos de transmissão, das estratégias preventivas, da importância do tratamento e da desestigmatização das pessoas que vivem com HIV.

 

Fonte: Terra – Blog Sala de TV

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