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Epidemia de AIDS e a invenção da Saúde Global são temas de aula ministrada por Richard Parker na ABIA


Foi realizada na última terça-feira (17/09) a aula inaugural do curso “ A epidemia de AIDS e a invenção da Saúde Global”, que será ministrado pelo diretor-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), Richard Guy Parker.

A aula, em parceria com o Instituto em Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ), ocorreu na sede da associação e contou com a presença de estudantes, ativistas e membros da ABIA. 

De acordo com Parker a ideia do curso surgiu quando o antropólogo começou a desenhar seu novo livro que tem como mote “ analisar a história da epidemia nessas quase quatro décadas a partir de minha memória de vida, pois minha trajetória como pesquisador no Brasil é quase a história da epidemia. ” 

O professor começou o encontro expondo que o ponto de partida da nova publicação foi redigido muito mais focado no presente. “ É um livro muito diferente do que eu imaginava que seria no início. Afinal eu imaginava escrever sobre o fim da AIDS, mas em 2014/2015 muitos de nós – pesquisadores da área – começamos a duvidar desse fim”, iniciou Parker. O pesquisador confidenciou aos presentes que o objetivo do livro é contrapor essa versão do Estado que não vai de encontro com a realidade vivida pelas pessoas – gestores, ativistas, pesquisadores, pessoas vivendo e convivendo –  envolvidas na luta contra a epidemia.

Seguindo a ementa do curso a primeira aula examinou a epidemia de HIV/AIDS iniciada no início dos anos 80. Contudo, Parker compartilhou com os alunos o que ele classificou como as “quatro ondas da epidemia de HIV/AIDS”, que serão os temas iniciais dos próximos encontros. Outros pontos analisados no dia foram as respostas iniciais à epidemia por parte das comunidades afetadas, sociedade civil e organizações não-governamentais (ONGs) e governos – bem como as primeiras iniciativas internacionais e transnacionais que visam abordar as dimensões globais da epidemia.

Parker destacou as dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas da epidemia, e os esforços feitos para enfrentar a negação generalizada, o estigma e a discriminação associados ao HIV/AIDS.  Para o pesquisador algumas das lições chaves deixadas pela primeira década da epidemia foram:

  • A arte de cuidar
  • A construção da solidariedade
  • A invenção do sexo seguro e da redução de danos
  • A importância do ativismo cultural
  • As possibilidades e limites de estruturas institucionais

 

“Temos enfrentado nos últimos tempos dificuldades terríveis por conta do conservadorismo no HIV/AIDS, no Brasil e no mundo. Mas desde o começo da AIDS o estigma, preconceito e a opressão foram desafios para a prevenção da AIDS”, relatou Parker. Um dos grandes marcos para ele desse período, porém, foi o trabalho de Herbert de Souza – o Betinho – na luta pelo sangue seguro e HIV/AIDS em prol das comunidades mais afetadas e a sociedade civil no geral. “E foram as comunidades mais afetadas que inventaram a expertise das tecnologias de prevenção que deram importantes respostas para a concepção do termo sexo seguro e da redução de danos. Por isso é importante resgatar o histórico que não se fala mais, é importante para o que estamos vivendo no enfrentamento da epidemia no Brasil”, justificou ele.

 

Sobre a arte de cuidar e construção da solidariedade, Parker indagou como cada comunidade afetada criou sua própria maneira de cuidar da epidemia e daqueles que estavam infectados mesmo com todo o processo de redemocratização, politização da sexualidade e o Movimento Sanitarista, que marcavam presença nessa primeira onda. “ O movimento político e social daquele período foi incrivelmente favorável para isso, pois tanto na esfera ativista como nas esferas governamentais existiam lideranças extremamente politizadas e focadas em construir uma resposta para a epidemia”, atestou.

 

A ideia de Sexo Seguro nesse período de acordo com o diretor-presidente não era algo inventado somente em um único lugar e disseminado. Pelo contrário todas as populações pensavam sobre a questão. “ Naquela época sexo seguro não foi só algo referencial. Sexo Seguro era algo que você fazia para preservar o seu parceiro, já que para muitos se você fizesse parte de uma comunidade de risco mesmo sem o teste se presumia que você era positivo”, expôs Parker.

 

Já o ativismo cultural foi considerado pelo antropólogo como uma das lições chaves deste período devido as poderosas e inteligentes maneiras construídas de se protestar através da arte seja ela cênica, visual ou sonora. Parker acredita que ali surgiu a ideia de que sem mexer com a cultura não é possível enfrentar o estigma e a discriminação. Segundo ele, “ o ativismo cultural é uma das grandes heranças da epidemia no Brasil, pois é uma tradição que ainda se mantém sólida dentro dos movimentos sociais. ”

 

Outro ponto dissecado pelo professor foi o conflito imposto quando o dinheiro disponibilizado ao programa de AIDS se tornou maior do que o ofertado para instituições de saúde internacionais como a OMS (Organização Mundial da Saúde). Passou-se então a existir então um embate de poderes, que tornaram assim esses espaços institucionais locais com possibilidades para uma resposta a epidemia, mas limitados frente ao capitalismo que surgia com força. 

 

Falando sobre a origem da ideia de saúde global ainda nos anos 80 o pesquisador explicou que isso se deu por conta das diferentes versões de como a epidemia surgia em cada país. “ Pode ser menos óbvio do que parece essa ideia de AIDS como epidemia global, mas naquele período não”, articulou Parker, que completou seu pensamento abordando o desafio de como empacotar todo esse problema e articular as pessoas para que entendessem aquele momento como uma epidemia global.

 

Encerrando a aula Parker abriu um espaço para as indagações dos alunos. O primeiro a se manifestar foi o vice-presidente da ABIA, Veriano Terto Jr. “ Primeiro eu gostaria de expor o quanto é gratificante estar nessa sala passados mais de 30 anos da epidemia e ao lado de uma pessoa tão importante para o movimento como você, Richard. Mas, eu acredito que um ponto interessante para iniciarmos esse debate seria a abordagem da Declaração dos Princípios de Denver, porque ela apesar de ter sido criada ainda em 83 mostra a persistência e força do estigma naquela época, já que precisou ser pensada justamente para combater isso e hoje ninguém se lembra. ” Terto Jr, continuou sua explanação “ essa declaração hoje é um excelente indicador para entendermos o que alcançamos ou não nesse período, pois assim podemos começar a entender aonde estão nossas falhas e acertos. ” Parker concordou com a exemplificação do colega e alertou mais uma vez sobre a necessidade de o movimento social valorizar a história.

 

Trazendo sua visão da epidemia a partir de sua vivência em Cuba o assessor Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, Juan Carlos Raxach contou sobre a importância das comunidades na arte do cuidar. “ Em Cuba mesmo com a negação da epidemia a arte do cuidar era uma intensa troca entre os pares. Porque existia uma ideia muito forte de se morrer com dignidade. ” 

 

Já Salvador Corrêa, coordenador da ABIA, questionou os presentes sobre em que medida o conceito de solidariedade fica entre o SUS e a AIDS, e de que forma o ativismo cultural pode resgatar esse espírito de solidariedade em um momento tão desanimador. Sob essa ótica o diretor-presidente explicou que “ o SUS contribuiu muito mais para a AIDS do que a AIDS para o SUS nesse primeiro momento. Isto porque muitas pessoas importantes da gestão foram fundamentais para apoiar as primeiras iniciativas de combate a AIDS. Contudo nos anos 90 a AIDS passa a contribuir já que parte do dinheiro destinado ao enfrentamento foi empregado na capacitação de médicos, enfermeiros, entre outros. ” Respondendo Corrêa sobre a contribuição da arte Parker deixou claro que “ a cultura é importante em qualquer sistema de opressão. E isso não vai mudar nunca. O que tinha em 80 e 90 de diferente era uma literatura muito grande sobre o tema, e isso sumiu já que no Brasil hoje estamos vivendo um ataque a academia. Mas, as intervenções artísticas continuam aí se fazendo resistentes”, finalizou.

 

A próxima aula será no dia 01 de outubro, na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS. Vale ressaltar que todas as aulas estão sendo gravadas pelo Projeto Diversidade e serão publicadas posteriormente em nosso site.

Texto: Jéssica Marinho

Fotos: Jéssica Marinho

 

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