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Entre a esperança e o descontentamento, jovem morador do Centro do RJ conversa com a ABIA e revela como enfrenta o desemprego, a vida como LGBT na comunidade, AIDS e religião: “depois que eu me assumi, não fui mais para a igreja” (2017)


Texto: Jean Pierry Oliveira

“Atualmente estou desempregado. Eu acho que com a crise está mais concorrido do que o normal. Às vezes isso me deixa chateado, mas eu tento espairecer”. Esse é o relato de Dyego Vicente, jovem de 24 anos e morador da Gamboa, no Centro do RJ, lamentando a situação em que se encontra no momento, bem como os demais 12 milhões de brasileiros sem trabalho. No tarde do dia 14/02/17, ele esteve na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) para mais uma entrevista de perfil do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, coordenado por Vagner de Almeida na instituição.

Com muita franqueza e sinceridade, Dyego vive entre “dois mundos”. Isto é, morador da localidade mais baixa do Morro da Providência, próximo ao Hospital Servidores do Estado, ele convive com o olhar de quem viu o desenvolvimento modernizar o asfalto e dar uma nova cara a região portuária  do Rio, enquanto no morro os problemas continuam sem saber quando sua hora vai chegar. “Sobre a transformação sofrida na região, eu acho que eles (governo) queriam transformar o lugar para o público da Olimpíada, onde estavam todos os turistas, que ficava lotado. E o lado que ficou esquecido é o lado que ninguém vai, que ninguém conhece”, atesta. Além disso, afirmou que nem mesmo uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) trouxe um ar de mais tranquilidade no dia a dia, pois “não alterou a realidade quando estava lá e agora muito menos, quando não estão mais. Eles ficavam patrulhando, mas numa rua próxima, menos de 500 metros, tinha uma boca de fumo, com bandido armado”. E completa: “Quando tá (sic) tendo tiroteio eu não posso sair ou não posso entrar”. Apesar dos pesares, Dyego nunca teve problemas em expressar sua homossexualidade dentro da favela. Segundo ele, “pelo menos ali (na comunidade), eu não sou julgado, eu não sou discriminado por conta disso. Até porque, eu acho, que ali todo mundo vive a mesma realidade. Mas assim, eu acho que em outros lugares, por exemplo, talvez me veriam de um jeito diferente”, disse.

Entretanto, com seus familiares, especialmente com sua mãe, no começo foi meio tumultuada a relação entre ambos. “Eu me revelei com 20 anos. Na verdade não fui eu quem resolvi me revelar. Quando eu fui morar com minha tia, ela me chamou pra conversar. Eu cheguei do trabalho e ela me chamou para conversar, porque pelos lugares em que eu saia, as pessoas que eu andava, então ela foi percebendo. Minha mãe uma vez que falou comigo no telefone que…coisa de mãe né”. E completa: “Ela me deu apoio, mas criticou. Porque ela achava que o gay era, sei lá, ia se prostituir, que o gay faz isso e faz aquilo, sai ficando com todo mundo, sai fazendo sexo com todo mundo. Foi isso. Como eu tinha discutido com ela, na hora eu não tive nem reação. Na verdade eu não discuti, eu chorei (risos). Fiquei quieto e deixei ela falar”, revelou. Apesar de não ter nenhum resquício de indiferença com sua progenitora, o jovem revela que desde muito cedo a relação entre os dois foi de altos e baixos. “Eu sou o mais velho de três (irmãos) e eu tenho três anos de diferença do meu irmão e cinco anos para minha irmã. E aí minha mãe saía muito. Como a gente morava no interior, lá era um quintal que só morava a família e toda a vizinhança era conhecida, então ela saía e eu ficava em casa, eu cuidava deles, eu dava banho. Às vezes comida, quase sempre”, pontua. Além disso, teve pouco contato com seu pai – que mora em Itaperuna no interior do Rio de Janeiro. Traumas? Não, para ele. “Não fazia questão (da presença) igual aquelas crianças que fazem questão de ter o pai, saber quem é o pai. Mas eu não tinha, não fazia questão nenhuma disso. Eu acho que antes me fez falta, talvez na infância, no começo da adolescência. Mas hoje em dia não”, pontua.

O que também não deixou saudades foi o período em que freqüentava a igreja católica. Pelo menos desde que saiu do interior para o Rio de Janeiro. Dyego afirmara que o despertar da sexualidade culminou com a identificação e o acolhimento na umbanda, diferentemente do estigma que sua sexualidade enfrenta no catolicismo. Ele explica que “esse preconceito todo da igreja com gay não me levava a ir, eu não tinha vontade também de ir por causa disso. Eu achei que não seria aceito na igreja por ser gay, mas isso foi depois também dos 19 anos. A igreja tem esse preconceito né,  não é todo mundo na igreja, mas eles acham que é errado”. E completa: “O que eu mais gosto da Umbanda é que lá não tem julgamentos”. Aliás, é evitando ser julgado pelos demais que o jovem faz de sua prevenção algo primordial em suas relações, no que diz respeito ao HIV, à AIDS e a camisinha. “A primeira vez que ouvi falar sobre AIDS foi quando era criança na televisão. Eu sempre fui muito de assistir televisão então – não me lembro muito bem – mas costumava ouvir na televisão, aí falava de AIDS, falava de cantores que morreram com AIDS, que teve aquele surto todo da AIDS na década de 80. Aí foi quando eu comecei a ouvir muito, mas saber mais, foi depois na Internet. Foi isso”, diz ele.

Mas a teoria daquilo que ouve e vê também é levado a sério na prática. Principalmente após passar por um susto que o fez repensar os riscos aos quais se expunha. “Eu já passei por um susto sobre isso(não usar camisinha). Aí eu fui fazer um exame, fiquei nervoso e comecei a chorar pensando que eu tinha pego. Mas eu não tava (sic) com HIV. Eu acho que com aquele fogo da hora, aquela euforia…eu não tinha camisinha. Não é nem que eu tenha me sentido seguro, mas é aquela coisa de que você bebe, que você fica eufórico ali com a pessoa”, revela. E o aprendizado foi que “devo usar sempre camisinha, hoje em dia eu tenho medo (de não usar preservativo), mesmo nesse prazer todo, pra mim tem que ter a camisinha. Porque tem muita gente que acha que a AIDS não existe mais, mesmo sabendo que tem vários casos. Eu acho que as pessoas não conseguem enxergar na outra que ela pode ter AIDS, porque hoje em dia qualquer um pode ter AIDS, pode ter HIV né. Ela olha assim e “ah, não tem” e arriscam”, atesta.

Questionado sobre suas expectativas de vida, o carioca resigna-se com algumas expectativas frustradas como as que “eu tinha na minha cabeça que eu ia acabar de estudar, ia fazer faculdade, aquela coisa de traçar seu destino e não aconteceu assim. E também, eu não foquei em tentar passar numa faculdade, uma faculdade federal, estadual ou até conseguir uma bolsa numa faculdade particular”, conta. Mas sem deixar de sonhar revela: “O que eu gostaria mesmo de fazer era dança, que é a coisa que eu gosto”, diz ele sem deixar-se abater pelas agruras do dia a dia e esperançoso que o fim do Carnaval, traga consigo um trabalho e a certeza de um novo ano.

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