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Educação sobre prevenção do HIV: Recapitulando o que já aprendemos


Richard Parker [1] 

A cada dois anos, a Conferência Internacional sobre AIDS nos oferece o a oportunidade de fazermos um balanço sobre nossa posição na luta contra esta epidemia – aonde chegamos, e que rumo deveremos tomar. Aprendemos muitas lições importantes sobre como reagir ao HIV e à AIDS durante os últimos 35 anos (lições que eu temo que, às vezes, possamos esquecer). Por isso, a presente sessão nos proporciona uma grande oportunidade para relembrarmos alguns dos fatos mais importantes que aprendemos:

Em primeiro lugar, embora devamos reconhecer (e celebrar) os notáveis feitos alcançados na ampliação da resposta global ao HIV durante as últimas décadas, também precisamos ser realistas quanto aos desafios que ainda se impõem.

Vejamos alguns exemplos:

Hoje, em 2016, 20 anos após Vancouver, cerca de 50% das pessoas em todo o mundo que precisam de tratamento contra o HIV ainda não são atendidas. Devemos comemorar o número de pessoas que estão em tratamento, mas não devemos jamais esquecer aquelas que ainda não tiveram acesso ao tratamento – isso para não falar da dor, do sofrimento e da morte a que estão sujeitas devido à incapacidade por parte da sociedade de adotar as medidas necessárias.

  • Além disso, após um aumento substancial dos recursos destinados à resposta global ao HIV, o apoio oferecido permaneceu o mesmo nos últimos anos – e agora sabemos que em 2015 a ajuda alocada ao HIV reduziu-se pela primeira vez nos últimos cinco anos, caindo de 8,6 bilhões para 7,5 bilhões de dólares americanos – uma redução considerável que sinaliza certa complacência com relação à epidemia. Pelo menos em parte, podemos concluir que essa complacência decorre da declaração prematura sobre “o fim da AIDS” oriunda de muitos dos principais órgãos e autoridades responsáveis pela “administração da epidemia”, Trata-se de uma falha de liderança.
  • Por fim, embora tenhamos testemunhado um grande progresso no desenvolvimento de novas tecnologias preventivas, falhamos lamentavelmente no campo coletivo por não torná-las disponíveis onde eram mais necessárias. Deixamos de desenvolver e manter programas educativos baseados nas comunidades. Em vez disso, lançamos slogans como “Tratamento é Prevenção”  (embora atendamos somente 50% das pessoas que precisam de tratamento) e programas, como “Testar e Tratar” (embora os sistemas sociais e de saúde restritivos dos países e comunidades pobres tenham fracassado reiteradamente em atender de maneira adequada às necessidades de pessoas  com resultado positivo para HIV). E o que é pior, essas abordagens se transformaram cada vez mais em uma espécie de cortina de fumaça que encobre a realidade da  “redução” (em lugar do “aumento”) em muitos países – cortina de fumaça que funcionou muitas vezes como justificativa para cortes de verbas destinadas a importantes programas de  prevenção com base no engajamento e comprometimento da comunidade.

Considerando esse cenário, eis o segundo ponto que gostaria de abordar: em minha opinião, os desafios enfrentados atualmente pelas ações de prevenção ao HIV comparam-se à história do tratamento do HIV há mais ou menos 15 anos (com opções biomédicas cada vez maiores, porém com acesso desigual, embora haja maior eficácia quando as estratégias são aplicadas de forma combinada).

  • É particularmente importante salientar que a expansão do tratamento também requeria um conhecimento básico relativamente sofisticado sobre as opções disponíveis de tratamento, bem como a necessidade de programas baseados nas comunidades e o comprometimento dessas comunidades no que diz respeito ao tratamento antirretroviral. O acesso ao tratamento deve ser entendido como um processo social e político, e não apenas como a disponibilização de medicamentos.
  • À medida que se iniciava uma escalada nos tratamentos, grupos como o Treatment Action Campaign aqui na África do Sul (e outros grupos ativistas da comunidade em todo o hemisfério Sul) desenvolveram abordagens como a “treatment literacy” (educação sobre medicamentos antirretrovirais) como uma forma de promover a expansão do tratamento ampliando-se o empoderamento da comunidade e a expertise baseada na comunidade, necessários para concretizar o acesso ao tratamento.
  • Tais grupos reconheceram que esse acesso não poderia ser visto como uma dádiva concedida por benevolentes elaboradores de políticas, e sim como um processo que se constrói coletivamente – tanto por comunidades afetadas defendendo suas próprias necessidades, quanto por ações bem intencionadas de administradores esclarecidos. O acesso deveria ser assegurado mediante o reconhecimento dos direitos humanos fundamentais – o direito à vida, à saúde e ao bem-estar.

Isto me leva ao meu terceiro argumento: a concentração não apenas na “treatment literacy” do tratamento, mas também na “prevention literacy” (educação sobre prevenção) se pretendermos valer-nos da crescente gama de opções de prevenção.

  • Precisamos reconceber e reformular a prevenção ao HIV como uma prática complexa que ultrapassa a fronteira da divulgação de informações e de produtos ligados à saúde, mas que deve assentar-se na promoção dos direitos humanos – inclusive o direito de ter acesso às opções de prevenção que fazem sentido sob a perspectiva das pessoas que as utilizam.
  • Também precisamos aumentar a visibilidade, o apoio e a inclusão social daquelas que eufemisticamente passamos a descrever como populações “chave” – considerando-as não apenas como grupos dóceis que devem ser “acolhidos” (em oposição a serem “deixados de lado”), mas reconhecendo-as como tal, e por seus próprios nomes, como comunidades orgulhosas por serem capazes de cuidar de si próprias quando lhes são conferidos o respeito e a proteção social a que fazem jus.
  • O que essas comunidades mais precisam não é da retórica condescendente dos elaboradores das políticas e dos gerenciadores dos programas, mas sim de intervenções estruturais transformadoras (por exemplo, a reforma da legislação, serviços jurídicos, adaptação dos serviços de saúde, formação de capacitação dos profissionais da saúde), e, acima de tudo, de acesso: ao atendimento e tratamento, sem dúvida, mas também acesso a todas as opções de prevenção existente atualmente ( e não apenas àquelas que os burocratas do governo ou os tecnocratas do fomento ao desenvolvimento julgam serem as mais rentáveis ou moralmente aceitáveis).

Em suma, com base em tudo aquilo que aprendemos sobre essa epidemia ao longo dos últimos 35 anos, para que consigamos verdadeiramente alcançar a “prevention literacy” necessitaremos de vários elementos fundamentais – que serão factíveis se formos capazes de congregar a vontade política de concretizá-los.

  • Precisamos aumentar a conscientização e o reconhecimento da expertise baseada nas comunidades – expertise esta que não é uma exclusividade dos cientistas ou dos especialistas em saúde pública, mas que existe também nas comunidades de base que são afetadas mais diretamente pela epidemia;
  • Precisamos formar conhecimento e compreensão acerca de todas as opções de prevenção disponíveis – o leque completo das abordagens existentes e todas as ferramentas de que dispomos atualmente;
  • Precisamos assegurar o empoderamento das bases para defender, promover o acesso e utilizar efetivamente todo o arsenal de abordagens de prevenção disponíveis, escolhendo aquelas que mais se ajustam à perspectiva das pessoas que irão utilizá-las. Os especialistas poderão contribuir no sentido de informar essas opções, mas jamais deverão achar que podem escolhê-las em nome de outrem. No final das contas, a escolha deverá caber sempre àqueles que aplicarão os métodos de prevenção à sua própria vida.
  • Acima de tudo, devemos reconhecer que as comunidades mais afetadas devem ser o ponto central dessa resposta, e estar no comando dela, se quisermos alimentar a esperança real de erradicar a epidemia de HIV.

Assista a conferência completa em inglês aqui

[1] Presidente e Diretor da ABIA, Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, no Rio de Janeiro, e Professor de Ciências Sociomédicas e Antropologia da Universidade de Columbia, na cidade de Nova York. Documento apresentado na AIDS 2016, 21a Conferência Internacional sobre AIDS em Durban, África do Sul, de 18 a 22 de julho de 2016.

Fonte: Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS

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