A educação sexual pode se tornar crime passível de até cinco anos de prisão na Polônia se o Parlamento aprovar uma lei que criminaliza a “promoção da atividade sexual entre menores de idade”. A iniciativa, promovida por uma associação pró-vida que, em seu enunciado, afirma que busca impedir a “promoção da pedofilia” e “proteger crianças e jovens da depravação sexual”, foi criticada pela oposição ao Governo ultraconservador do partido Lei e Justiça (PiS), organizações civis e o próprio Parlamento Europeu, que consideram que, na prática, a norma persegue aqueles que transmitirem noções de educação sexual.
O PiS, que votou em outubro pela tramitação do projeto de lei conhecido como Stop Pedofilia, ponderou na ocasião que o medo de que os educadores possam acabar na prisão se deve, nas palavras do deputado Marcin Ociepa citadas pela agência Reuters, a uma “sobreinterpretação da lei”.
A normativa, no entanto, colocou em estado de alerta a sociedade civil —mobilizada nas ruas— e as instituições europeias. A Federação Internacional de Planejamento Familiar na Europa, em um texto divulgado no último trimestre do ano, instou o Parlamento polonês a “defender a saúde e o bem-estar de meninas e meninos em vez de eliminar as proteções essenciais”. Guillermo González, presidente da federação estatal, afirma em uma entrevista por telefone que a iniciativa é “um ataque frontal aos direitos sexuais e reprodutivos” e a compara com “outras que estamos vendo na Espanha, como o pin parental do Vox, uma medidaque obriga a administração dos centros educacionais a solicitar autorização dos pais para dar às crianças palestras, oficinas ou atividades com carga ideológica contrária às suas convicções. González também aponta que a iniciativa polonesa se assemelha a uma lei russa de 2012 que proíbe a educação sexual.
O Parlamento Europeu aprovou em novembro uma resolução condenando a iniciativa. Considera que as disposições do projeto penalizariam “o fornecimento de educação sexual integral a menores sob o pretexto de prevenir a pedofilia, o que teria um impacto sobre, entre outros, educadores, ativistas, pessoal de saúde, psicólogos, editores, jornalistas e inclusive pais ou responsáveis legais”. A Câmara Europeia lembra que “a saúde sexual é fundamental para a saúde e o bem-estar geral das pessoas, casais e famílias, além do desenvolvimento social e econômico das comunidades e países, e que o acesso à saúde, inclusive a saúde sexual e reprodutiva, é um direito humano”.
No texto aprovado, o Parlamento Europeu “expressa sua profunda preocupação com as disposições extremamente vagas, amplas e desproporcionais” da normativa e “solicita ao Parlamento polonês que se abstenha de adotar o anteprojeto de lei e garanta que os jovens tenham acesso a uma educação integral em sexualidade e que aqueles que fornecem tal educação e informação recebam apoio de maneira objetiva”.
Klementyna Suchanow, escritora, jornalista e integrante do movimento feminista Greve Nacional da Mulher, explica ao EL PAÍS em um email que o projeto de lei está em uma comissão parlamentar. “Foi muito criticado e agora o Governo faz silêncio”, acrescenta a ativista. Em 2018, a pressão social fez o Executivo ultracatólico recuar de uma reforma que visava restringir ainda mais a interrupção legal da gravidez, permitida apenas se fosse resultado de estupro ou incesto, se a vida da mulher estivesse em perigo ou se o feto sofresse de malformações ou doença irreversível.
O PiS revalidou sua maioria absoluta na Câmara baixa em outubro. Desde então, o partido liderado pelo ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski conseguiu aprovar no Congresso um projeto de lei que contempla a exoneração de juízes críticos das reformas. Uma medida questionada por Bruxelas, que em dezembro pediu ao Parlamento que interrompesse a tramitação do projeto até que a Comissão de Veneza —órgão consultivo que depende do Conselho da Europa e é formado por especialistas constitucionalistas independentes— se pronunciasse sobre o assunto, o que provavelmente acontecerá nesta semana. Os deputados conservadores, no entanto, deram luz verde ao texto horas depois e o enviaram ao Senado.
Fonte: El País Brasil