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Drama lésbico desafia leis do Quênia que criminalizam homossexuais


Quando estreou no Festival de Cannes de 2018, “Rafiki” fez história. Não só pelo fato de ter sido a primeira produção cinematográfica queniana a ser escolhida pelo principal festival do mundo, mas por ser uma história LGBT passada no país.

“Ao fazer o filme, sabia que seria importante para muitas pessoas, mas quando tudo disparou, fiquei surpresa e tive dificuldade em entender tudo”, conta a atriz Sheila Munyiva. “Eu me sinto muito orgulhosa de fazer parte de algo que está fazendo história.”

O filme da diretora Wanuri Kahiu estreia nesta quinta-feira (8). Munyiva faz Ziki, uma das protagonistas da trama, que vive um relacionamento com a personagem Kena, interpretada por Samantha Mugatsia.

As duas estão apaixonadas, mas há dois empecilhos —o preconceito e a disputa política local entre seus pais. A inspiração é o conto “Jambula Tree”, da escritora ugandense Monica Arac de Nyeko. Rafiki significa, no Quênia, amigo ou amiga.

Desde 1897, quando o Quênia ainda era uma colônia, a homossexualidade é criminalizada. Em maio deste ano, o Supremo Tribunal local julgou a possibilidade de abolição dessas leis, mas a proposta acabou rejeitada.

Apesar de ser um pouco mais branda para as mulheres, a legislação do país prevê até 19 anos de prisão para quem tem relações com pessoas do mesmo sexo. O Código Penal impõe até 14 anos de prisão para os que tiverem uma “conjunção carnal não natural” e cinco anos para “práticas indecentes entre homens”.

No ano passado, o presidente do país, Uhuru Kenyatta, ao ser entrevistado pela CNN, disse que o debate sobre os direitos LGBT é um tema “sem importância”.

Por isso, para a atriz Sheila Munyiva, o filme tem sua importância tão grande. “Não há nada mais fortalecedor do que se ver representado na tela”, afirma.

“Ao crescer, tive dificuldade em apreciar minhas características africanas, porque tudo o que via na TV era cabelo longo e liso, pele clara e corpos magros. Foi uma tortura, até que mais mulheres não brancas começaram a aparecer nas telas”, diz.

“‘Rafiki’ será capaz de fazer o mesmo para pessoas da comunidade LGBT. Isso permitirá que se sintam vistos, lindos, amados, ouvidos e, mais importante, pertencentes.”

Diante dessa situação era possível esperar alguma reação por parte do governo do Quênia em relação ao longa. Logo após a exibição em Cannes, a obra foi proibida no seu país de origem.

O motivo, segundo o órgão de controle da produção cinematográfica do país, foi o fato de a obra “ter temática homossexual e intenção clara em promover o lesbianismo”. Ainda houve um pedido, não aceito pela cineasta Wanuri Kahiu, para cortar as cenas de sexo entre as personagens.

A cineasta, no entanto, conseguiu reverter a situação. Depois de ter afirmado que houve censura, ela ganhou na Justiça o direito de filme ficar em cartaz nos cinemas do país —ainda que só por uma semana, em setembro de 2018. Isso permitiria ao longa ser escolhido como representante queniano no Oscar, o que acabou não acontecendo.

“Fiquei de coração partido e em choque quando ouvi que o filme foi banido”, diz Munyiva, a atriz. Eu não entendi porque eles nos davam uma licença para filmar no país, mas depois não permitiam que mostrássemos o filme.”

“A relação entre as duas personagem, na minha opinião, não seria impossível. O filme realmente mostra como é problemático ser LGBT no Quênia, mas também quão possível, bonito e terno é quando você encontra o amor. É uma representação realista.”

Para ela, “Rafiki” pode ainda fazer despertar a aceitação. “Espero que os que são ignorantes quanto à situação da comunidade LGBT assistim ao filme e vejam o amor e, talvez então, eles aceitem seus compatriotas ‘queer’ e os vejam como iguais.”

Fonte: Folha de São Paulo

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