A invisibilização sofrida por lésbicas dentro da comunidade LGBT não se resume somente a falta de protagonismo dentro das questões de diversidade sexual. Ela também se apresenta em formas de estudos e observações acerca de sua população. Entretanto, buscando quebrar um pouco esse paradigma o Núcleo Social da UFRJ divulgou na última quarta feira (21/03) um estudo que sobre os crimes de ódio praticado contra mulheres lésbicas no Brasil.
O Dossiê Sobre Lesbocídio revelou que se em 2014 foram registradas 14 mortes, em 2017 esse número saltou para 54 – um aumento de 150% de casos em quatro anos. Só nos dois primeiros meses de 2018, já foram registradas 26 mortes por lesbocídio. Por não haver dados oficiais, os crimes são coletados na mídia e nas redes sociais, o que acaba gerando subnotificação. Os números podem ser ainda maiores que os apresentados. Assim como o feminicídio, o lesbocídio – termo apresentado pela primeira vez no Brasil na pesquisa – é motivado pela misoginia (ódio a mulheres), porém seguem lógicas diferentes. Enquanto o feminicídio generalizado é, na maior parte das vezes, um crime doméstico, 83% dos crimes contra lésbicas são cometidos por homens que não necessariamente possuem algum tipo de parentesco com a vítima, mas que têm algum tipo de aversão a lésbicas em geral – ou seja, lesbofobia.
Os crimes praticados contra lésbicas também são diferentes dos casos de homofobia praticados contra outros grupos, porque a condição das lésbicas é específica. Os demais grupos também são atacados por não estarem em conformidade com a sociedade, mas as lésbicas ainda sofrem com a carga do machismo. A classificação específica desse tipo de crime é fundamental para que ele possa ser combatido por meio de políticas públicas. “As mulheres que não correspondem ao que é padronizado, ao que se esperam que elas sigam, são penalizadas. Quando essa mulher é uma lésbica, o que se espera dela é que ela seja discreta, é que ela não solte fogos para declarar o seu amor pela sua esposa. Então, são penalizadas por pessoas que não se sentem bem vivendo próximo a uma lésbica que não se esconde”, explica a pesquisadora Suane Soares, do grupo Lesbocídio – Histórias que ninguém conta, responsável pelo dossiê. A pesquisa é contínua e apresenta uma demanda ao Estado em busca de solução. “A invisibilidade lésbica dentro da sociedade dificulta o desenvolvimento desse mapeamento. A pesquisa busca criar um espaço de denúncia”, explica a pesquisadora e idealizadora do Dossiê Milena Peres.
Vítimas de 20 a 24 anos
São Paulo é o estado que concentra o maior número de assassinatos e suicídios de lésbicas, representando 20% dos registros dos últimos quatro anos de acordo com os registros. Consequentemente, a região sudeste é que possui mais casos entre 2014 e 2017. Uma característica comum a todas as regiões do país é que mulheres lésbicas têm o dobro de chance de serem assassinadas em regiões de interior. Outra característica do lesbocídio é que afeta mulheres jovens que muitas vezes estão passando a se afirmar como lésbicas na sociedade. 34% dos casos acontecem na faixa-etária de 20 a 24 anos. “As pessoas são mortas sem nunca terem dito o que elas são e terem sido percebidas como elas são”, alerta a coordenadora do Dossiê Maria Clara Dias.
O levantamento também considera o suicídio cometido por lésbicas um lesbocídio por representar um crime de ódio coletivo. “O suicídio representa uma decepção da pessoa com relação a própria vida e a vida em sociedade, e no caso das lésbicas, a gente cataloga o suicídio como um lesbocídio porque a gente identifica que há uma negligência generalizada da sociedade em todas as esferas que a lésbica estiver”, explica Suane Soares.
No ano de 2010 o Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens lançou o filme documentário ” Sou Mulher, Sou Brasileira, Sou Lésbica”, que trata da vida de mulheres brasileiras e seus enfrentamentos na sociedade lesbofóbica e racista.
Fonte: The Intercept Brasil