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Do beijo ao sexo explícito, estudiosos debatem o que é pornografia


Foto: Arte

RIO — Em 1896, “The kiss”, de William Heise, chocou a sociedade americana com uma cena de beijo entre um homem e uma mulher. O curta-metragem, um dos primeiros filmes a serem exibidos comercialmente no mundo, foi considerado pornográfico. Afinal, beijar em público era proibido. Corta para 2019. Alegando tratar-se de material pornográfico, a prefeitura do Rio manda confiscar uma história em quadrinhos vendida na Bienal do Livro que mostra, em uma página interna, um beijo entre dois super-heróis.

Todo mundo reconhece a palavra pornografia, mas poucos sabem seu significado exato. Mesmo com o dicionário em mãos, o termo segue nebuloso — ainda mais quando é usado por governantes para definir — e atacar — algumas obras artísticas que circulam pelo país.

Na sexta-feira, agentes da prefeitura foram à Bienal em busca de mais do que consideravam “possível material pornográfico”. A ação ocorreu um dia depois de o prefeito Marcelo Crivella pedir a suspensão da HQ “Vingadores — A cruzada das crianças”, que mostra o tal beijo de dois rapazes. A organização da Bienal respondeu que não embalaria nem colocaria advertência em nenhum livro, como queria a prefeitura, porque não considerava o conteúdo impróprio ou pornográfico.

O termo também tem sido atribuído com frequência ao cinema, como na última terça-feira, quando o ministro da Cidadania, Osmar Terra, disse ao GLOBO que “filmes brasileiros não podem ser só pornográficos”, mesmo que a Ancine afirme não fomentar filmes do tipo (procurada, a agência não quis detalhar os critérios) . Até “Bruna Surfistinha” (2011), que nunca havia sido categorizado como pornográfico, já foi usado como exemplo pelo presidente Jair Bolsonaro.

O fato é que o adjetivo pode ser mais complexo do que se pensa.

— Para o senso comum, o pornográfico é o que “mostra tudo”, enquanto o erótico é o “ velado”; contudo, para o estudioso do erotismo literário, essa distinção é falsa, se não moralista… — argumenta Eliane Moraes, professora de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP), que tem pesquisas sobre as relações entre estética e erótica. — A rigor, livros como os do Marquês de Sade, Georges Bataille, Hilda Hilst ou Reinaldo Moraes são muito mais obscenos do que a pornografia comercial de uma E. L. James, autora do best-seller “50 tons de cinza”. Ou seja: o valor de um texto nunca se mede pela moralidade, mas pela qualidade estética.

Cada época tem sua visão do que é pornografia. Hoje um clássico, o “Ulisses” de James Joyce foi tachado de pornográfico por jornalistas quando foi lançado, no início do século XX. E acabou proibido em todos os países de língua inglesa.

— O que lhe parece grosseiro pode ser belíssimo para mim. A pornografia se subentende como algo aquém da arte, por isso é uma palavra com potencial uso político: ela é empregada no debate público para desqualificar um determinado material — diz Erika Cardoso, doutora em História pela UFF e especialista em história da pornorgafia.

O sociólogo Rodrigo Gerace, autor de “Cinema explícito: representações cinematográficas do sexo” (Perspectiva), concorda que a perspectiva depende do nível de conservadorismo das sociedades:

— O beijo do curta “The kiss“ foi tido como pornográfico na época, e hoje seu efeito não é o mesmo. “Garganta profunda” (1972), pornô de Gerard Damiano, tornou-se adiante um cult . Uma cena de sexo explícito tem diferentes moralidades num filme cult e numa produção da ( produtora pornô ) Brasileirinhas.

A tentativa de censura à HQ dos Vingadores, na Bienal, causou indignação na comunidade LGBT porque a representação em nada remetia à pornografia. Os personagens apareciam vestidos e trocavam um gesto de afeto. Os fiscais da prefeitura que apareceram para apreender livros com conteúdo “pornográfico” ou “homossexual” pretendiam lacrar ambos com um aviso de “conteúdo impróprio”, como se fossem a mesma coisa.

Para o fundador do Somos, primeiro grupo de liberação homossexual no Brasil, o escritor João Silvério Trevisan, o caso mostra que a pornografia está na “na cabeça das pessoas”.

— Muitos tentam ditar o que é pornografia em função de suas crenças religiosas e acabam ditando aquilo que querem que seja pornográfico — diz Trevisan. — E nós LGBTs somos vítimas preferenciais, sempre que eles precisam de bode expiatório. Usam essas acusações porque sabem que toda pauta LGBT é de fácil apelo.

Mas, enquanto estudiosos divergem sobre o que define pornografia, o ator e deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), que nos anos 2000 atuou em filmes de sexo explícito, tem uma distinção mais objetiva.

— Pornografia é exatamente o tipo de filme que fiz no passado — categoriza Frota, que critica a “hipocrisia” existentes hoje no país. — Os filmes exibidos nas salas de cinema podem produzir sensualidade, cenas às vezes quentes de sexo bem fotografadas e com atores de renome se entregando aos personagens. Você assiste se quiser, há classificação indicativa. Por outro lado, você sabe quando um filme é pornográfico: tem que entrar num site e passar o cartão, é trancado. Não é qualquer pessoa que pode ver.

Diretor de “Boi neon” (2015) e “Divino amor” (2019) — que ganhou a classificação máxima de 18 anos por conter “situação sexual complexa de forte impacto”, segundo o Ministério da Justiça —, Gabriel Mascaro acredita que o rótulo não é algo a ser temido:

— A pornografia sempre esteve à frente do seu tempo. A investigação ou uso do corpo, sexo e erotismo é parte da história da arte, da indústria cultural e do consumo de massa. Grande parte dos filmes VR (realidade virtual), para assistir com um headset ( óculos 3D ), de forma interativa, tem conteúdo pornográfico. A pornografia sempre esteve na vanguarda tecnológica.

Fonte: O Globo

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