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Descolamento do desemprego dos jovens bate recorde


Pessoas olham para anúncios de vagas na Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo – Mathilde Missioneiro – 30.set.2020/Folhapress

A pouca experiência laboral faz com que jovens enfrentem piores condições no mercado de trabalho do que seus pares mais velhos. Essa tendência histórica e universal ganhou contornos dramáticos no Brasil dos últimos anos.

A sucessão de crises econômicas e políticas vivida pelo país nesta década levou a desvantagem e a vulnerabilidade da população na faixa dos 20 anos a patamares recordes, capturados por vários indicadores.

A diferença entre a taxa de desemprego dos jovens de 18 a 24 anos e da média dos brasileiros ativos atingiu 16,4 pontos percentuais no segundo trimestre deste ano, em meio à pandemia do coronavírus.

Iniciada em 2012, a série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua nunca havia registrado uma distância tão grande entre os dois indicadores.

Embora o desemprego tenha aumentado para todos entre abril e junho, para a faixa etária de 18 a 24 anos ele atingiu 29,7% contra 13,3% para a média da população ativa.

Outro indicador muito acompanhado por especialistas em mercado de trabalho é a chamada taxa de participação.

Esse índice é o resultado da soma entre todos os trabalhadores ocupados e aqueles que buscam um emprego dividida pelo total de pessoas em idade ativa (acima de 14 anos). Ele oferece uma medida do aproveitamento da mão de obra potencial do país.

O aumento da taxa de participação feminina nos mercados de trabalho de diversos países nas últimas décadas é, por exemplo, celebrado como um passo na direção de uma maior equidade de gênero.

A pandemia derrubou esse indicador para o mercado de trabalho de forma geral no Brasil. Entre janeiro e março de 2020, 61% dos brasileiros em idade ativa estavam ocupados ou buscando uma vaga. No segundo trimestre, essa parcela recuou para 55,3%.

Entre mulheres, o indicador caiu de 52,1% para 46,3%. O recuo de 5,8 pontos percentuais ficou um pouco acima da queda de 5,3 pontos percentuais da taxa de participação masculina, que foi de 70,8% para 65,5%.

Nenhum grupo —nos recortes por idade, escolaridade e gênero— foi mais afetado do que os jovens de 18 a 24 anos, cuja taxa de atividade no mercado de trabalho despencou quase nove pontos percentuais, de 68,8% para 59,9%. Parte dessa queda se explica porque as demissões dos brasileiros nessa faixa etária dispararam.

Metade dos potenciais trabalhadores de 18 a 24 anos do país estavam ocupados no início deste ano. Entre abril e junho, esse indicador havia recuado para 42,2%.

A queda de oito pontos percentuais no nível de ocupação dos jovens também superou a diminuição de 5,6 pontos percentuais amargada pela população ativa como um todo.

Embora a pandemia tenha sido um golpe duro sobre os trabalhadores mais novos, os indicadores revelam que a desvantagem deles em relação à média do mercado já vinha aumentando gradativamente muito antes da Covid-19.

No início de 2012, o nível de ocupação dos trabalhadores então na casa dos 20 anos era, ligeiramente, maior do que a registrada pela média dos brasileiros em idade ativa.

Naquele momento, o mercado de trabalho vivia o boom iniciado em meados da década anterior. Esse cenário mudou após a eclosão da recessão de 2014 que atingiu o universo laboral em cheio a partir de 2015.

Embora o período de contração da economia tenha terminado em 2016, ele foi seguido por um triênio de expansão pífia da atividade, que, em 2020, dará lugar a uma nova recessão na esteira da pandemia.

Se em momentos de expansão as empresas estão mais dispostas a correr riscos, contratar jovens potencialmente inovadores e investir em seu treinamento, nas crises, a necessidade de cortar custos eleva o conservadorismo dos empregadores.

Segundo especialistas, os sete anos de conjuntura econômica adversa do país têm afetado o ânimo dos jovens.

Um sinal disso é que a parcela da população de 20 a 29 anos que não trabalha nem estuda atingiu um nível recorde no segundo trimestre deste ano, segundo dados compilados pela equipe do economista Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

Para a faixa etária de 20 a 24, a fatia dos chamados “nem nem” saltou de 26% no início de 2012 para 35% entre abril e junho de 2020. Essa alta indica que a brutal queda na taxa de participação dos mais jovens no mercado de trabalho não se explica apenas pela onda de demissões, mas também porque muitos simplesmente desistiram de buscar uma vaga.

“Nas crises, até o diploma de conclusão de um ciclo educacional perde parte do efeito de bilhete premiado que garante salários maiores. Isso contribui para um maior desalento dos jovens”, diz Neri.

GERAÇÃO VAI SOFRER ‘EFEITO CICATRIZ’, DIZEM ESPECIALISTAS

Pesquisas acadêmicas mostram que a estreia no mundo do trabalho em períodos de recessão traz consequências negativas que podem perdurar por anos, quando não por toda a vida. Não por acaso, os pesquisadores batizaram esse fenômeno de efeito cicatriz.

Um dos estudos seminais sobre esse tema foi feito pela norte-americana Lisa Kahn, que atuou como conselheira do ex-presidente Barack Obama. A acadêmica analisou a evolução, por duas décadas, da carreira de homens brancos que se formaram antes e depois da crise que afetou a economia dos Estados Unidos no início dos anos 1980.

O trabalho indica que os profissionais que se graduaram no auge da crise registraram perdas de renda persistentes relativas a trabalhadores que conseguiram seus diplomas em períodos de expansão, anteriores ou posteriores.

Análises semelhantes feitas para outros países como Canadá e Austrália encontraram o mesmo efeito.

A hipótese do efeito duradouro das crises econômicas sobre jovens trabalhadores foi testada recentemente também para o Brasil pelos pesquisadores Paulo José Mencacci Costa, Naercio Menezes Filho e Bruno Komatsu, do Insper.

A partir de dados dos censos demográficos, os três economistas analisaram várias gerações que, ao chegar perto dos 20 anos, viviam em municípios que enfrentavam distintas situações econômicas. Eles descobriram que a aproximação dessa idade em momentos de crise deixou cicatrizes na trajetória laboral dos jovens.

Os cálculos mostram que gerações que começam a trabalhar em um momento em que o desemprego dobra de patamar terão eles próprios, em média, uma taxa de desocupação futura 1,39% maior. Os pesquisadores também encontraram um impacto negativo na renda futura desses profissionais.

Segundo Menezes, embora seja significativo do ponto de vista estatístico, os efeitos de entrar no mercado de trabalho em momentos de recessão não chegam a ser catastróficos.

“Há outros fatores, como diferenças no nível de escolaridade, que têm um impacto muito maior na renda e na empregabilidade”.

Porém, ressalta o acadêmico, a longa duração da crise brasileira nesta década poderá acarretar prejuízos mais significativos do que os aferidos por eles para a juventude atual.

“Os jovens, quando saem da escola, precisam experimentar várias ocupações para saber em que, efetivamente, são bons”, diz. “Quando ele encontra o que gosta, se torna mais produtivo e passa a ganhar mais”.

Em um mercado de trabalho restritivo, as chances para experiências diversas diminuem.

“Os últimos tempos têm sido difíceis. Neste ano, em particular, não há shows, restaurantes, atividades culturais, novos empregos em empresas”, afirma Menezes.

O mercado de trabalho emite sinais da persistência com que os jovens têm sido prejudicados por essa conjuntura econômica adversa.

Em 2002, 19% dos postos com carteira assinada do Brasil eram ocupados por trabalhadores de 18 a 24 anos. Dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais) divulgados na última semana mostram que, em 2019, essa fatia havia caído para 13,1%.

No mesmo período, a participação dos profissionais de 50 a 64 anos no estoque de vagas do mercado formal subiu de 10,5% para 17%.

O fato de que a população brasileira, em média, envelheceu ao longo desse período ajuda a explicar essa tendência. Mas a demografia não parece ser o único fator por trás dessa mudança.

A parcela de vagas formais ocupadas por trabalhadores de 25 a 29 anos caiu de 16,6% para 13,4% entre 2002 e 2019. Esse recuo —de três pontos percentuais— foi a metade do amargado pelos profissionais de 18 a 24 anos.

O número de brasileiros de 18 a 24 anos, porém, ainda cresce um pouco no país, já a população de 25 a 29 começou a encolher. Ou seja, se fosse apenas pela demografia, a queda da presença relativa do segundo grupo etário no mercado formal deveria ter sido maior do que a do primeiro.

Para especialistas, apesar da conjuntura desfavorável, há alguns sinais positivos que podem levar os jovens brasileiros a reverter os prejuízos que têm sofrido agora.

Neri destaca o aumento da escolaridade. “Mesmo nesse período recente mais difícil, o número de anos de estudo dos mais jovens continua aumentando”, diz. A preocupação, segundo ele, é que o fechamento das escolas imposto pela pandemia prejudique essa tendência ao causar uma alta da evasão escolar.

“Por isso, é crucial que a política pública foque em evitar que crianças e jovens que tiveram maior dificuldade em manter o vínculo com a escola em 2020 desistam de estudar”.

Menezes, do Insper, concorda que incentivos tanto para que a evasão não aumente agora quanto para que os jovens continuem aumentando sua escolaridade são fundamentais.

“A melhor política pública para mitigar os efeitos desses anos de crise sobre os jovens é o incentivo, inclusive por meio de crédito, para que eles continuem estudando”.

“O retorno salarial garantido por uma maior escolaridade, principalmente pelo ensino superior, ainda é enorme no Brasil”, conclui o economista.

Fonte: Folha de São Paulo

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