O deputado federal David Miranda (PSOL-RJ) é casado há 14 anos com o jornalista Glenn Greenwald, do site “The Intercept”, responsável pela divulgação das conversas entre o Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, na época em que era juiz da operação Lava Jato, e o procurador Deltan Dallagnol.
As revelações incendiaram a vida política do país e chacoalharam a intimidade do casal. Principalmente porque a relação dos dois, bem como a orientação sexual deles, foram colocadas na vitrine. “Estão me chamando de ‘namorada’ dele. Querem me ofender dizendo que sou viado e usaram um vídeo em que apareço dançando funk para denegrir a minha imagem e desqualificar o trabalho do Glenn. Como se ser gay fosse motivo para uma pessoa não ser levada a sério”, diz David em entrevista a Universa. “Chamar de viado, para mim, é elogio.”
No domingo (23), o deputado estará no primeiro carro da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, que no ano passado reuniu três milhões de pessoas. Glenn ficará em casa porque “alguém precisa ficar com as crianças (eles têm dois filhos)”. E David ainda celebra a “balbúrdia” do evento, um dos maiores do mundo. “Tem que dançar e gritar mesmo. Somos o país que mais mata LGBTs. A parada é a comemoração dos que sobrevivem.”
Leia a entrevista:
Que leitura faz sobre os ataques homofóbicos que o senhor e o seu marido estão recebendo?
Usaram da homofobia para minimizar a gravidade do que foi denunciado pelo Intercept. Pegaram meu vídeo dançando [a música] “Bola Rebola” no Carnaval, que eu mesmo postei, para denegrir minha imagem. Então, para ser levado a sério preciso andar de terno 24 horas por dia? Não vou ficar nessa caixinha. Se querem fazer com que me sinta desconfortável, digo: não vai funcionar. E seu eu dançar de novo, vou colocar outro vídeo. Me chamam de viado, de ‘namorada’ do Glenn, para me desqualificar, como se tivesse algum problema dois homens serem assumidamente casados. Estamos juntos há 14 anos, temos dois filhos, e essa é a notícia? O fato real é que tinha um juiz ajudando um promotor com om conversas direitas. Não é sobre isso que tinham que falar?
Já procurou a polícia por causa desses ataques?
Já procurei a Polícia Federal e levei os e-mails com ameaças de morte que recebi. Mandaram vários. São muito violentos. Mas dizer que vão me matar não vai me paralisar. Sou de Jacarezinho [favela do Rio de Janeiro]. O primeiro corpo estendido que vi foi aos oito anos de idade, na porta da minha casa. Agora que o STF decidiu que LGBTfobia é crime, quem me ofender também vai tomar processo. Se bem que me chamar de viado já é elogio. Tenho 34 anos, sabe quantas vezes me chamaram de viado? Várias. Hoje em dia eu e meus amigos nos chamamos assim: “E aí, viado, você vai em tal lugar hoje?”
Quais são as qualidades do seu marido que mais impressionam o senhor?
Ele é muito corajoso e honesto. Glenn é o centro do meu mundo. Têm dias que saio da Câmara dos Deputados desanimado porque algum projeto que não concordo foi aprovado, ou o contrário. Ligo para ele, que mora no Rio, e ficamos conversando até eu dormir. Ele me escuta e me fala o que pensa, por mais dura que seja sua opinião. Somos casados no Brasil e nos Estados Unidos, mas só no papel; não teve cerimônia. Eu gosto muito de festa, mas ele, não.
O que mudou na rotina da família com a divulgação das reportagens do “The Intercept”?
No domingo, quando as reportagens saíram, passamos a madrugada deitados na cama, um ao lado do outro, respondendo a tweets e rindo de comentários de figuras da oposição, que duvidavam do que havia saído. Foi divertido. Mas agora tivemos que desenvolver um esquema de segurança para os meus filhos (dois meninos de 10 e 11 anos) e, para protegê-los, não vou falar quais são.
O senhor teve alguma dificuldade para lidar com sua sexualidade?
Não. Quando comecei a me relacionar com as pessoas já percebi e aceitei que era bissexual. Outras pessoas com quem eu convivia me julgaram, mas nunca foi uma questão para mim. Eu era um jovem rebelde. Saí de casa aos 13 anos e não queria estudar. Meus filhos estão quase chegando nessa idade, mas acho que não serão rebeldes como o pai. Ou melhor, como os pais. Eu dormi na rua, depois fui morar com uns primos e trabalhei como engraxate, entregador de panfleto, faxineiro, office boy, atendente de telemarketing. Foi nessa época que comecei a seguir a Wicca.
Wicca é uma religião pagã, que adora um deus representado pelo Sol e pelos animais, e uma deusa, representada pela Lua e pela Terra, correto?
Sim. Faço parte de um grupo que ministra rituais e estuda os conceitos da Wicca. Foi onde aprendi tarô, runas e numerologia. Agora, como deputado federal, está mais difícil de participar.
A Parada LGBT de São Paulo, uma das maiores do mundo, é criticada por alguns grupos que acreditam que ela “atrapalha” a imagem dos homossexuais, uma vez que só mostra o lado festivo. O que pensa sobre essa avaliação?
Não concordo. Vejo como uma comemoração dos que estão vivos no país que mais mata LGBT no mundo. Tem que fazer festa mesmo, vivendo em uma sociedade que calunia, faz terrorismo e nos mina mentalmente. É um dia no ano para se orgulhar, tem que ter festa. Vão falar que é ‘balbúrdia’, mas não importa. Eu vou participar neste ano, sairei no primeiro carro. Glenn não vai. Alguém tem que ficar em casa com as crianças, né?
A revista “Time” elegeu o senhor como “um dos dez líderes da próxima geração”. Segundo a publicação, o senhor é “um político gay negro que confronta um governo de extrema direita no Brasil”. Quais as consequências de ser declaradamente contrário ao presidente Jair Bolsonaro?
Isso coloca um alvo nas minhas contas. O Bolsonaro é meu inimigo. Sei que posso sofrer violência na rua. Também evito certos locais, como algumas áreas controladas por milícias no Rio de Janeiro. Sobre a lista, eu sou o primeiro brasileiro a entrar nela. Chorei tanto quando saiu! Me escolheram porque viajo fazendo palestras, trabalhei com Edward Snowden em 2013, já escrevi para jornais internacionais, como o “The Guardian”, sempre com um trabalho denunciando o governo Bolsonaro. Tenho as características que ele repudia: sou da favela, negro e LGBT.
O senhor sofreu algum ataque na Câmara de Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), nos moldes que Jean Willys, de quem o senhor herdou a suplência, sofria do então deputado Jair Bolsonaro?
Ainda não. O que houve foi até o contrário: ele propôs um debate sobre a Venezuela e eu pedi que fizéssemos juntos, para ter os dois lados. Nos entendemos e vamos organizar, os dois, essa sessão. Temos embates que saem faísca, mas sou um parlamentar e preciso me comportar como tal.
O senhor foi o primeiro vereador gay do Rio de Janeiro. Que projeto voltado aos direitos LGBT desenvolveu então e qual proposta é o principal foco do seu mandato atual?
Como vereador, criei e virou lei a garantia do respeito ao nome social para transexuais e travestis no município. Agora, como deputado, criei uma espécie de Lei Maria da Penha para LGBTs, para proteger pessoas em situação de violência. Ele ainda será votado.
Fonte: Universa UOL