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Da negligência à realidade: Um passo a passo para denunciar a violência contra pessoas LGBTs no Brasil


O País que mais mata pessoas LGBTs no mundo. É essa a amplitude da violência contra pessoas gays, lésbicas, travestis e transexuais no Brasil, de acordo com levantamentos de entidades. Os números oficiais não refletem a totalidade do problema, tampouco o espaço para denúncias é seguro. Então, quais são os caminhos para fazer uma denúncia e como saber a real amplitude da LGBTfobia no Brasil?

O canal oficial do governo federal para denúncias desse tipo, o Disque 100 registrou 1.876 violações em 2016. Os dados completos de 2017 serão divulgados em maio. A maioria dos registros do canal trata de violência verbal e física. Casos de homicídios costumam ser registrados diretamente nas delegacias.

Das identidades informadas no levantamento mais recente, 45% das vítimas são gays, 20% lésbicas, 14% transexuais, 13% travestis, 7% bissexuais e 1% heterossexuais. 40% não informou a identidade.

Além do Disque 100, outros canais do governo federal que recebem denúncias contra a população LGBT são a Central de Atendimento à Mulher (Disque 180), o Disque Saúde (ou Disque 136) e o SUAS (Sistema Único de Assistência Social).

No Ministério da Justiça, a fonte de dados é o Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), com informações das delegacias.

O serviço da pasta de Direitos Humanos é considerado o mais completo porque inclui 20 variáveis, como etnia, idade, tipo de violação etc. A série histórica, contudo, começa em 2011.

Os levantamentos do Grupo Gay da Bahia, por sua vez, que se tornaram referência na área, começaram na década de 1980. De acordo com o os dados mais recentes do GGB, em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) foram mortos em crimes motivados por homofobia. O número representa uma vítima a cada 19 horas no Brasil.

“A imprensa no Brasil teve um papel fundamental na divulgação dessas mortes até se consolidar um canal de recebimento das denúncia”, afirmou ao HuffPost Brasil o antropólogo Marcos Moura, que atua na Diretoria de Promoção dos direitos LGBTs do Ministério de Direitos Humanos (MDH). “O número de subnotificação é muito alto. O dado da imprensa serve para a gente botar uma medida na balança”, completa.

Desde 2015, organizações como a Rede TransBrasil (Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil) e a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) também têm divulgado pesquisas. Segundo o relatório mais recente da Antra, o número de assassinatos de travestis e transexuais registrados no Brasil, em 2017, é o maior nos últimos dez anos.

Como funciona o Disque 100

Serviço de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos, vinculado a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, o Disque Direitos Humanos, ou Disque 100, recebe denúncias de agressões LGBT e encaminha para os órgãos responsáveis. O atendimento é gratuito e funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana.

O Disque 100 também é responsável por atender a outras demandas, como violações a crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência e pessoas em situação de rua.

De acordo com a Diretoria LGBT do MDH, não são feitas campanhas sistemáticas voltadas apenas para a divulgação do canal de denúncias. Em geral, a informação está incluída em outras campanhas da pasta. O órgão reconhece também a insuficiência de recursos e a fragilidade institucional.

No início do governo de Michel Temer, em maio de 2017, Direitos Humanos perdeu o status de ministério e passou a ser uma secretaria do Ministério da Justiça. A área voltou a ser ministério em fevereiro de 2017, mas corre o risco de voltar para o guarda-chuva da Justiça.

“No momento estamos ocupados. Por favor, aguarde”

Quem liga para o Disque 100 não precisa ser a vítima. No atendimento, deve ser informado quem sofreu a violência, qual o tipo (física, psicológica, maus tratos, abandono etc), quem é o suspeito e como localizá-lo. Também é preciso relatar a frequência da violência, o horário e local e como foi praticada, além da situação atual da vítima e se algum órgão foi acionado. O anonimato é garantido.

Ao final do atendimento, o caso é encaminhado para um órgão estadual da área. Não há padrão porque a estrutura depende da unidade da Federação. Há vezes em que a denúncia vai para um Centro de Referência Especializado de Assistência Social, por exemplo. Hoje, 12 estados têm órgãos de referência. Em seguida, o caso é encaminhado para o município de origem.

Mas nem sempre o atendimento é eficaz.

“No momento todos os atendentes estão ocupados”

A reportagem do HuffPost Brasil ligou para o Disque 100, seguindo o procedimento que seria adotado por qualquer pessoa que precisasse entrar em contato com o serviço.

Depois de 7 minutos e 40 segundos, a ligação caiu. Durante a espera, a gravação pedia insistentemente para que o usuário aguardasse o atendimento, “já que todos os atendentes estavam ocupados no momento”.

Ainda durante a espera, a gravação informou que, caso a pessoa não queira esperar pelo atendimento, é possível fazer a denúncia também pela internet pelo site www.humanizaredes.gov.br ou pelo aplicativo “Proteja Brasil”.

A reportagem checou o site fornecido pelo sistema, mas ele está fora do ar. Segundo o site do Governo Federal, o aplicativo permite denúncias “anônimas e seguras de casos de violência contra crianças e adolescentes, bem como idosos, portadores de deficiência, moradores de rua e outros grupos em situação de vulnerabilidade ou discriminação”.

Após uma segunda tentativa, a espera demorou 5 minutos e 27 segundos. A atendente explicou à reportagem que não tem conhecimento sobre o site citado na gravação mas que é possível fazer a denúncia pelo aplicativo.

Caso a pessoa na linha naquele momento fosse uma vítima, ela passaria pelos procedimentos citados acima na reportagem e seria direcionada para setor específico. De lá, a denúncia seria encaminhada para órgãos em estados e municípios específicos para a denúncia.

Diante das falhas do Disque 100, a vítima pode procurar delegacias especializadas e centros de referência. Se o estado não tiver tais opções, a denúncia pode ser feita pelo 190 (número da Polícia Militar). Confira os órgãos responsáveis em cada unidade da Federação.

No caminho das denúncias de violência LGBT, o primeiro entrave é da própria vítima, que muitas vezes se sente intimidada de relatar a agressão por medo de retaliações. Isso faz com que muitas denúncias sejam vagas, como “uma travesti foi agredida no parque”, sem identificação precisa do local ou da vítima.

É importante lembrar que no Disque 100 o anonimato é preservado e que quanto mais informações foram dadas, maior a chance de os órgãos públicos tomarem providências.

Na gestão estadual, muitos responsáveis são despreparados e não têm ligação com a causa. Os cargos, em geral, são indicações políticas. De certa forma, com a falta de dados, pode-se dizer que LGBTfobia se esconde no Brasil.

No âmbito da investigação criminal, a falta de sensibilização e treinamento dentro das policiais e o preconceito nas corporações é o principal problema. “Tem vezes que não reconhecem nem a identidade das pessoas. Falam ‘ah, é um homem vestido de mulher’”, afirmou Marina Reidel, diretora de promoção dos direitos LGBT do MDH.

A esse cenário, se soma a a fragmentação das informações. A maior parte das delegacias não registra orientação sexual, identidade de gênero, nome social ou mesmo a motivação do crime contra pessoas LGBT, o que inviabiliza um diagnóstico preciso do problema. A ficha do IML, por exemplo, não tem campo para esses dados.

Fonte: HuffPost

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