Um país economicamente estável atualmente, com um turismo pujante, uma culinária tradicional, histórico e que fala português. Muito genericamente era dessa maneira que muitos brasileiros lembravam de Portugal – fosse dos livros de história, da televisão ou a passeio. Entretanto a realidade em tempos de pandemia informa outros detalhes ao pequeno país Ibérico.
Atualmente, o país também se vê imerso – e em completo isolamento social – na luta contra o novo coronavírus. Segundo dados do Serviço Nacional de Saúde, até a tarde desta quarta feira (29/04), a situação na terrinha encontra da seguinte maneira: 24.505 casos confirmados, 1.470 recuperados, 973 óbitos e 243.655 casos suspeitos. Os impactos são enormes, mas em comparação com a vizinha e fronteiriça Espanha o país aparentemente tem conseguido respostas consideráveis até aqui.
O governo do socialista António Costa que, durante a quarentena, fechou a maioria dos serviços não essenciais no mês passado para conter a disseminação por COVID-19, pretende suspender o contingenciamento nacional a partir de 3 de maio, , mas a reabertura da economia será um processo lento e gradual, disse o presidente do país, Marcelo Rebelo de Sousa, nesta terça-feira (28/04). “Os portugueses têm de ter a noção de que a contenção continua a ser importante para que possamos dar pequenos passos e constantemente avaliar (a situação)”, afirmou ele em uma coletiva de imprensa ao anunciar o fim de um estado de emergência imposto pela primeira vez em 18 de março.
Entretanto, para a jovem brasileira Catiane Paixão, de 26 anos, as coisas ainda não estão totalmente bem resolvidas para isso. Moradora do Algarve, no sul litorâneo de Portugal, a carioca de Duque de Caxias, afirma que com a proximidade do verão no Hemisfério Norte, acredita que “o que vai ter de infectados, que os profissionais da saúde têm falado, vai ser muito grande e Portugal não tá preparado pra isso”.
Em entrevista ao Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA) Paixão ressalta ainda que um dos grandes problemas causados pela pandemia em sua cidade trata-se do desemprego. Boa parte de Portugal depende do turismo e em cidades menores como a sua, o lastro do desemprego e da falência de muitos empreendimentos tem sido visível, entre outros assuntos.
Confira a entrevista na íntegra:
1) Há quanto tempo você mora em Portugal? E em qual cidade e/ou região do país?
R: 1 ano e meio. Moro no Sul do país, no Algarve.
2) Até o momento desta entrevista por e-mail, segundo o Sistema Nacional de Saúde de Portugal, o país registra 19.022 casos de COVID-19, com 657 óbitos e 519 recuperados. Fora 158.940 casos suspeitos. Como tá sendo viver esse momento de isolamento social e pandemia na Europa? Quais os cuidados que você e as pessoas que porventura more com você estão tomando para não entrarem nas estatísticas?
R: Não vou dizer que não tá sendo complicado. Eu moro na região de Albufeira (uma cidade litorânea na região do Algarve), que é uma cidade muito cultural, pequena, mas muito turística. Aqui eles estão proibindo de sair nas ruas e estão pensando em colocar um cordão sanitário, porque a nossa contaminação é comunitária e não se consegue identificar de onde vêm os casos. Não podemos sair nas ruas, (porque) os policiais perguntam onde você tá indo e o que você está fazendo, pra onde você vai e onde você mora. Se você sai ou entra na cidade eles te questionam também.
A gente só pode ir no mercado e, mesmo assim, têm número limitado de pessoas que pode entrar nos estabelecimentos. Tem outro mercado muito popular aqui na Europa que eles só deixam entrar, no máximo, 10 pessoas. Independentemente do tamanho (do supermercado). Para ir nas farmácias também você tem que pedir pelo vidro, do lado de fora, e eles não aceitam dinheiro. Só maquininha de cartão. É basicamente isso: nós estamos vivendo aqui um isolamento social mesmo. Algumas pessoas não respeitam, mas agora estão sendo obrigadas a respeitar porque se não toma multa se você sair e tiver indo pra uma outra cidade. Esses dias mesmo quando fomos ao hospital, em Faro – que é a capital daqui de onde eu moro – e eu estava voltando de Faro para Albufeira vieram me perguntar o que eu estava fazendo lá. Eu tive que explicar que estava em uma consulta médica. Aí perguntaram se não tinha hospital em Albufeira e eu disse que sim, mas que fazia tratamento em Faro. Aí falaram “tudo bem, pode ir”.
E formas de precaução: eu não uso máscaras, é muito difícil eu usar. Porque eles estão pedindo pra não utilizar máscaras. Usar só luvas. É um pedido, preferencialmente, pra lavar as mãos e usar álcool em gel. Porque com as luvas a gente fica falsamente protegido e sem querer acaba colocando a mão no cabelo, nos olhos, nos óculos e essas coisas assim. Alguns mercados até distribuem luvas e você têm que passar álcool em gel pra entrar. Também não estava usando máscaras porque não estava com nenhum sintoma e nem tendo nenhum tipo de contato com alguém, porque só estava dentro de casa. Aí quando vou pra rua tenho que respeitar o limite de dois metros, então não estava tendo nenhum tipo de problema.
Chego em casa e lavo as chaves, limpo com álcool em gel, lavo as mãos, limpo as maçanetas. Todos os dias limpo a casa, até nos dias em que não vou sair. Até porque tenho um cão e às vezes preciso sair com ele, lavo as patas dele e assim tem sido. O meu noivo também mora aqui, só que ele vive na Espanha. Ele trabalha na Espanha fazendo transporte de alimentos e ele tá fazendo essa parte de ter que ir pra diversos países levar alimentos, fazer carregamentos pesados. E você precisa ter um exame pra poder provar que você não tem o coronavírus, pra conseguir passar pelas fronteiras e fazer descarregamento de alimentos para as pessoas.
3) O estado de isolamento social em Portugal foi prorrogado por mais 15 dias e se estendeu até o dia 3 de maio. De que forma toda essa situação afetou sua saúde mental? Quais são as maiores dificuldades desse período?
R: Provavelmente vão prorrogar ainda um pouco mais. Ainda não se sabe, mas sei que hotéis e centro comerciais ainda não vão voltar a atender e vender agora após dia 2 de maio. Poucas coisas irão retornar. E é sempre por períodos mais cortados, estão dizendo pra gente que as pessoas vão trabalhar em regime de part time (meio período). Não vão funcionar no horário completo.
Com relação a saúde mental eu tenho feito muitas coisas pra ocupar minha mente dentro de casa mesmo. Tenho aproveitado pra treinar, tenho passeado com o cão, coloco as séries em dia, estudo e aproveito para termina-los. Porque meus estudos são online e isso tem ajudado um pouco mais. Aproveitando para aprender uma nova língua e estou tentando afiar um pouco mais o espanhol, estudando inglês e ficar com a prática em dia porque não tem nada pra fazer. É muito entediante. Basicamente é isso.
Com relação as dificuldades, a pior dificuldade aqui é o emprego. Porque o que acontece: Portugal é um país onde mais de 90% é dependente da área turística, tanto a parte do Centro-Norte, como Lisboa também. E o que acaba acontecendo? Essas regiões têm mais desenvolvimento, são cidades maiores então vai ter uma diversidade de empregos muito maior, de tipos de empresas. É cidade grande, é diferente. É tipo como se fosse o Rio (capital). Agora, aqui onde eu moro no Algarve pensa em Cabo Frio: é como se fosse Cabo Frio alguns anos atrás. O desenvolvimento da cidade é bom e grande, mas não tem tantas coisas comerciais como Cabo Frio. Não é tão desenvolvido como Cabo Frio hoje.
Por quê? É uma região completamente dependente do turismo, então a gente vive em altas temporadas. Como o pessoal diz aqui o Algarve é o lugar mais quente da Europa, é um dos primeiros lugares onde as pessoas querem tirar férias, principalmente férias de verão – não só os europeus, mas também o pessoal do norte da América. Então a gente tem uma receptividade muito grande de pessoas e os empregos são totalmente voltados para essa área do turismo. E como não tem turista, tá tudo fechado por aqui, as empresas começaram a falir. E muitas empresas faliram, só que o governo liberou uma verba e combinou com as empresas que elas pagam 70% do salário e o governo paga 30%. Só que o que acontece aqui: o salário mínimo é 635 euros (R$ 3.720,12, convertendo em real na cotação atual onde 1 euro equivale a R$ 5,86). Por norma a gente acaba recebendo mais porque continua trabalhando e tem os benefícios, tem as horas extras e etc.
Só que a empresa não tem dinheiro. Pega dinheiro emprestado com o governo e a empresa não tem como voltar a trabalhar, porque não tem como pagar o funcionário, (porque) eles pegaram esse empréstimo e tem três meses pra começar a pagar. E você recebe 635 (euros), que é o que deveria receber, mas recebe 470 euros (R$ 2.753,47). Renda aqui onde eu moro – aluguel aí no Brasil – de um apartamento é de no mínimo, por baixo, uns 600 euros (R$ 3.515,07) fora as contas. Então você imagina como é pra viver.
E assim, no meu caso, eu ainda tenho sorte porque tenho um contrato de trabalho, tenho direito de receber por tempo de contribuição, mas tem pessoas que não tem dinheiro pra tirar. Não tem por onde se sustentar. Aí fica bem complicado porque as pessoas não tem como viver. E isso tem sido muito complicado mesmo. Decretaram até a lei de meia renda (meio aluguel) ou então pra você conseguir negociar com o proprietário pra não pagar a renda (o aluguel). Eu tenho sorte porque pago menos no meu apartamento e não moro sozinha, então tenho ajuda e fica muito mais fácil. Vai ser pior quando as empresas não tiverem mais a ajuda do governo e com os salários reduzidos das pessoas. Vai tirar o dinheiro de onde? Porque ainda vai estar recomeçando e foi uma pancada muito forte.
4) Como você avalia as medidas sanitárias realizadas pelo país até aqui, considerando que no país vizinho – a Espanha – a pandemia ganhou ares de caos e descontrole sanitário com colapso dos serviços de saúde e medidas de isolamento mais rígidas?
R: Uma coisa com relação a Espanha. Em fatos, o controle sanitário tá muito mais rígido do que aqui em Portugal. Bem rígido mesmo. A Espanha , tudo bem, tem um número de infectados muito maior – se não me engano, atualmente, são 231 mil e alguma coisa (na verdade em números atualizados até a tarde desta quarta-feira, 29, são 213 mil infectados) – só que ele tem quase 110 mil recuperados (109 mil até o momento na verdade para ser mais exato) e se você faz uma porcentagem estatística em comparação com aqui em Portugal, você acaba vendo que o número de recuperados deles é muito maior (1.470 no total).
Tudo bem, a Espanha é um país muito maior. Só que eles estão com bastante estrutura para lidarem com isso. Tá muito restrito na Espanha e algumas lojas que estão abrindo você não pode experimentar nada, você não pode tocar, tem que ter aquele distanciamento dos funcionários. Postos de atendimentos quase todos fechados e as fronteiras só pode passar se você for algum residente ou tiver algum motivo que você tá indo pra Espanha. Mas eu acho que eles ainda estão lidando com a pandemia de uma forma melhor do que a gente aqui.
A taxa de recuperação deles, pelo menos, é bem melhor do que aqui de Portugal. A taxa de recuperação aqui não é tão grande em relação ao número de contaminados (até o fechamento desta publicação foram 24.505 casos confirmados), fora aqueles que ainda não foram confirmados. E o que acontece: tá todo mundo confinado em casa e depois que começar a liberar, aqui vai ser verão. Isso aqui no verão lota porque as pessoas saem de casa, os próprios moradores mesmo. O sol vai se pôr lá pelas 21h00, então as pessoas querem aproveitar o máximo possível o sol.
Quando acabar a quarentena o que vai ter de infectados, que os profissionais da saúde têm falado, vai ser muito grande e Portugal não tá preparado pra isso. Porque eles ainda não conseguiram lidar de uma forma que conseguissem um trabalho mais rápido ou melhor de recuperados. O foco tá sendo em conter as pessoas, parar um pouco a contaminação, mas estão se esquecendo de quando as pessoas começarem a ir para as ruas. Quando acabar a quarentena, se não tiver cautela, pode ser muito perigoso.
5) Como tá sendo acompanhar à distância o impacto do coronavírus no Brasil? Que paralelos – positivos e negativos – você consegue enxergar entre a forma como os dois países estão enfrentando a situação?
R: Com relação ao Brasil só tenho uma palavra pra resumir isso tudo: tristeza. Sabe, eu me sinto muito triste mesmo porque ao invés do povo se unir, se resguardar, pensar no próximo – porque, tudo bem, eu posso não tá com o vírus, mas posso entrar em contato com uma pessoa que tá contaminada, pegar o vírus, nem gerar sintomas ou gerar de uma simples gripe e depois chegar e ter contato com uma pessoa de risco que pode ser um idoso ou também um jovem com problemas cardíacos ou imunológicos, por exemplo. E ficar na rua e não respeitar a quarentena, eu acho isso um absurdo!
Tudo bem, as pessoas tem que trabalhar. A situação do Brasil é diferente de Portugal. Vou nem dizer diferente, é a mesma situação de pessoas que tem dependência aqui do governo. Então as pessoas tem que trabalhar, ok. Mas vamos fazer tudo com respeito, tudo com limite, tudo com resguardo. Pra quê você vai pra rua à toa, passear, sair de casa sem necessidade?
O pior de tudo é ver o oportunismo do que tá acontecendo dentro do país. Independente da ideologia, independente do país, do político ao invés de focarem suas forças para cuidar da nação, não. Começam a fazer guerra política. Esse é o grande problema: ficam se aproveitando da situação pra começar a fazer aquele cabo de guerra e não vai chegar a lugar nenhum. Na verdade, vai: a tragédia pra nação. Uma coisa que Abraham Lincoln falava era: “uma casa dividida não tem como subsistir”. E é verdade. Não dá. Casa dividida não fica de pé.
6) De maneira geral, os níveis de isolamento social no Brasil em grandes cidades ainda estão abaixo do ideal para ajudar a mitigar os efeitos do vírus e encurtar a quarentena. Que mensagem você deixaria para aquelas pessoas que resistem ao isolamento social?
R: Eu espero mesmo que as pessoas se conscientizem, que pensem mais no próximo, sejam um pouco mais altruístas. Não só empáticos e querer entender o que o outro tá passando e sentindo, não. Mas que sejam altruístas mesmo de querer fazer o bem pro próximo, se preocupar com o próximo. Isso pode fazer com que a pandemia, embora traga muitos problemas, não venha ser algo destrutivo pra sociedade. Mas que seja algo construtivo. Porque toda tempestade que passa pela nossa vida vai destruir alguma coisa. Mas dá algo para reconstruir muito melhor.
Texto: Jean Pierry Oliveira