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Como vive um jovem em Paraisópolis


Foto: EPA

Nenhuma biblioteca pública. Também não há parques ou salas de cinema.

Por outro lado, a favela de Paraisópolis, localizada no distrito da Vila Andrade na zona sul de São Paulo, é campeã em tempo de espera quando o assunto é marcar uma consulta com um clínico geral: 75 dias.

Já no rico bairro vizinho do Morumbi, que fica literalmente do outro lado do muro que o separa da favela, a espera é de apenas 1 dia. A média de espera do município de São Paulo é de 19 dias.

O distrito onde fica Paraisópolis também fica em primeiro lugar em toda a cidade com o maior tempo de espera para matricular uma criança na creche. Não possui nenhum equipamento público de cultura, enquanto no Morumbi a média é de 5,83 equipamentos para cada 100 mil habitantes e o bairro conta até com um museu.

Esses dados oficiais são referentes ao ano de 2018 e foram compilados no Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo.

Questionada porque há essas diferenças tão marcantes entre locais tão próximos como Paraisópolis e Morumbi, a prefeitura não respondeu. Também não disse quais são os projetos que tem para a região nos próximos anos.

Entretanto, a prefeitura informou que a Vila Andrade foi priorizada no atendimento a creches e que zerou a fila em 2019. Há três unidades básicas de saúde no bairro, mas a administração não informou quais ações foram tomadas para reduzir a espera para consultas.

A difícil busca pelo lazer

De todo modo, ser jovem na segunda maior favela de São Paulo, onde vivem mais de 100 mil pessoas, é um desafio em busca de lazer. Sem opções, jovens ouvidos pela BBC News Brasil dizem que chegam a se deslocar mais de 10 km para chegar a um parque ou cinema, por exemplo.

As poucas ações culturais e opções de lazer, esportivas e profissionalizantes que existem dentro de Paraisópolis não são iniciativas do poder público, mas sim promovidas por ONGs e empresas privadas.

A estudante Andressa Viana de Souza, de 18 anos, diz que um de seus passeios preferidos é visitar parques, mas que a opção mais próxima de Paraisópolis é o Ibirapuera, a uma hora de transporte público.

“Aqui não tem nenhum parque com uma boa estrutura. Só umas pracinhas. Além da distância, a gente ainda tem que pagar a condução (R$ 8,60 ida e volta), que para mim não faz falta, mas tem muitas famílias numa situação muito mais difícil que não têm condições”, afirmou a estudante.

A jovem também é privilegiada por participar da Orquestra Paraisópolis, um dos projetos oferecidos na favela. Graças ao projeto, ela ainda ganha dinheiro fazendo apresentações, como a deste fim de ano no shopping Granja Viana, em Cotia, na região metropolitana da capital.

Ao citar a falta de opções culturais e de lazer, Souza lembra do Baile da 17, ou Dz7, onde nove pessoas morreram pisoteadas após ação da Polícia Militar no último fim de semana.

Para ela, o pancadão promovido pelos próprios moradores, que chega a reunir dezenas de milhares de pessoas, é uma das raras opções acessíveis de diversão para os jovens que vivem na favela.

“Todos os jovens daqui têm curiosidade em conhecer o baile. Eu já fui uma vez, com a minha mãe e a minha irmã, mas eu não vou mais porque não é algo que me chama a atenção. Hoje, quando chega sábado e domingo, eu combino com minhas amigas e a gente vai uma na casa da outra”, disse Souza em entrevista à BBC News Brasil.

A jovem afirma que o Baile da Dz7 é tão popular porque é um point de encontro de pessoas da mesma faixa etária, de graça e numa área carente de opções. Ela reconhece que o pancadão atrapalha o sono e a mobilidade de alguns moradores, já que a festa toma algumas ruas da região, mas diz que não vê como mudar.

“É o lazer dos jovens. Não temos teatro ou casas de show. O baile cresceu muito e hoje não sei se existe uma outra forma de fazê-lo”, disse.

Erick Viana, também de 18 anos, conta que ele e seus amigos sempre procuram os bailes de rua quando querem se divertir. O que eles mais levam em conta é a facilidade para chegar ao local e o custo zero.

Em nota, a prefeitura disse que reconhece o funk como movimento cultural da periferia e que vai promover um festival com cantores do estilo nos dias 14 e 15 de dezembro na Cidade Tiradentes. Para chegar ao local localizado no extremo leste da cidade, moradores de Paraisópolis passarão até três horas no deslocamento em transporte público.

Líderes comunitários e moradores dizem que as opções de lazer, cultura e educação só não são piores em Paraisópolis porque a ausência do poder público é parcialmente compensada pelas ações de ONGs, pelas iniciativas dos próprios moradores e de empresas privadas. São dezenas de projetos musicais, cursos profissionalizantes e até ensino fundamental e médio oferecidos na favela por escolas particulares.

Entre as ações e eventos culturais, há o Ballet Paraisópolis, a Orquestra Paraisópolis, o Favela Music Festival, a Batalha de Rimas, o Cineclube e a Mostra Cultural de Paraisópolis. O principal equipamento público que oferece algo nesse sentido é o Centro Educacional Unificado (CEU), da prefeitura, que possui aulas de artes marciais e esportes menos comuns no Brasil, como esgrima, rúgbi e ginástica artística.

O problema, segundo relatado pelos jovens ouvidos pela reportagem, é que há poucas vagas para muita procura.

Desigualdade e planejamento urbano

Com ruas estreitas, algumas com esgoto a céu aberto, e calçadas em que mal cabem uma pessoa, os moradores de Paraisópolis não enfrentam problemas apenas quando assunto é lazer. A estrutura urbana, como todo o mais na região, possui deficiências.

A coordenadora da Rede Nossa São Paulo Carol Guimarães afirma que isso ocorre por diversos fatores que resultaram numa desigualdade histórica entre a comunidade e os bairros vizinhos. A área contornada por condomínios de alto padrão passou a ser ocupada de forma irregular a partir da década de 1950 e desde então cresce sem planejamento.

“Desde o começo, a ocupação teve dificuldades para regularizar a área e não teve um olhar pensado para cultura e outras áreas. A classe mais alta do distrito não precisa desses dispositivos de lazer porque usa tudo privado. Já a população da favela, a mais pobre, não tem voz política de reivindicação e fica sem essa demanda”, afirmou Guimarães.

A coordenadora explica que um dos principais motivos de tantas pessoas morarem em Paraisópolis, além do baixo custo de moradia, é o fácil acesso aos distritos vizinhos, que possuem as maiores médias de empregos formais da cidade, como Morumbi, Itaim Bibi, Lapa e Santo Amaro.

“A Vila Andrade tem a maior porcentagem de favelas em relação a domicílios da cidade. Essa falta de estrutura em Paraisópolis tem muito a ver com um preconceito e uma ideia antidemocrática de planejamento urbano, pois a arrecadação do IPTU é a 13ª maior da capital por conta dos condomínios que fazem parte dele. Se o imposto arrecadado fosse usado para aquele distrito, a favela teria muito mais infraestrutura”, afirmou.

Para ela, as mortes que ocorreram no último baile da Dz7 são “a materialização das desigualdades e preconceitos contra negros, pobres e a estigma de como o Estado deve lidar com essa situação”. Guimarães disse ainda que a estrutura precária também é um reflexo da ausência do poder público.

“Um bairro é pensado de uma maneira que ele seja seguro, voltado para o pedestre. Mas quando não existe Estado, você responde à demanda da forma que pode. Mas eles estão cansados de serem resilientes e querem direitos porque pagam impostos por meio de suas compras de bens e por seu trabalho. É a periferia que sustenta a classe alta. É a mão preta que sustenta todo o sistema”.

Fonte: BBC Brasil News

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