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Como deveria ser a triagem de doadores de sangue LGBTs


young caucasian woman with toy heart in the hand donates blood for saving lives and medical research in some hospital at day time

Uma história que se arrasta desde os anos 1980 parece que está chegando ao fim no Brasil. A proibição à doação de sangue por pessoas LGBTs, que havia sido derrubada em 8 de maio de 2020 pelo STF (Supremo Tribunal Federal) depois de ser considerada inconstitucional, até a semana passada continuava em vigor. Mas agora as coisas vão mudar.

Os hemocentros do país inteiro estavam seguindo ainda uma orientação de 14 de maio da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de manter a proibição a esses doadores. Mas, após um grupo de entidades representantes de LGBTs acionar novamente o STF devido ao não cumprimento da decisão da corte, essa semana o Ministério da Saúde determinou que a restrição à doação fosse imediatamente suspensa.

A notícia sem dúvida é boa, afinal milhares de pessoas deixarão de passar pelo constrangimento de ter o sangue recusado durante a triagem nos bancos de sangue por causa exclusivamente da sua sexualidade. Entretanto, melhor do que uma determinação como essa, imposta judicialmente, seria que tivéssemos um protocolo atualizado de triagem de doadores de sangue, que levasse em conta critérios técnicos de prevenção e de riscos de infecção, e não a LGBTfobia.

Enquanto isso, apenas para fins de exercício de imaginação, simulo abaixo um trecho de como poderia transcorrer uma entrevista de triagem de um doador de sangue LGBT, seguindo apenas o conhecimento científico acumulado no assunto, sem cometer qualquer tipo de discriminação e nem perder a segurança no controle da transmissão de doenças por via transfusional.

NO BANCO DE SANGUE…

Entrevistador: – Boa tarde, como você está?

Doador: – Olá, tudo bem. E com você?

E: – Obrigado pela sua disponibilidade para vir até aqui para doar seu tempo e seu sangue. Isso ajuda muito o Banco de Sangue. Estamos com os estoques muito baixos devido à pandemia de coronavírus.

D: – É um prazer poder ajudar.

E: – Uma coisa que você precisa saber é que talvez a maior das preocupações de um Banco de Sangue é garantir que na bolsa doada não existe um agente infeccioso, como por exemplo um vírus, que poderia ser transmitido para o receptor do sangue. Nós fazemos de forma rotineira todos os exames necessários para diagnosticar essas infecções, mas se uma delas ocorreu há pouco tempo, os exames podem não conseguir detectá-la. Por isso, agora eu vou fazer algumas perguntas com o objetivo de avaliar quais as chances de você ter se infectado com alguma dessas doenças transmissíveis recentemente, ok?

D: – Claro. Vamos lá.

E: – Você tem vida sexual ativa?

D: – Sim. Eu sou um homem cisgênero bissexual.

E: – E como você tem cuidado da sua prevenção contra o HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs)?

D: – Eu sou solteiro, tenho parceiras e parceiros casuais. Uso a camisinha em quase todas as relações sexuais. E justamente por haver situações em que eu acabo não usando, há 1 ano comecei a usar diariamente a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP).

E: – Entendo. E você consegue manter uma boa adesão à PrEP?

D: – Sim. Perfeita.

E: – Legal. Nos últimos 3 meses você teve alguma relação sexual? Se sim, você usou preservativo?

D: – Sim. Nesse período eu tive duas relações. Uma com um parceiro, há 2 meses, e outra com uma parceira, há mais ou menos 1 mês. As duas foram com camisinha. Ah, e a parceira me contou que vive com HIV e está em tratamento antirretroviral com carga viral indetectável.

E: – Perfeito. Nos últimos 3 meses você teve algum sintoma diferente, como febre, manchas na pele, gânglios aumentados, dor de garganta, alteração nas fezes ou urina, ferida genital ou corrimento?

D: – Não. Nadinha.

E: – Legal. Pelo que você me respondeu, não me parece haver riscos de você ter alguma infecção que não seria diagnosticada pelos exames de rotina feitos na bolsa de sangue doada. Agora uma última informação: se você teve alguma exposição sexual recente em que pode ter se infectado com alguma doença, mas está com vergonha de me contar e veio doar sangue apenas para se testar para as ISTs, saiba que não está fazendo o melhor pra você e nem para o receptor da bolsa de sangue. Se esse for o caso, recomendo que procure um centro de testagem e aconselhamento. Posso passar os endereços, se quiser.

É possível notar com o diálogo hipotético acima que, com o conhecimento científico atual, a avaliação do risco de uma infecção e da sua transmissão por meio de uma transfusão de sangue é bem mais complexa do que apenas separar os LGBTs dos não-LGBTs.

Apenas suspendendo a proibição à doação por LGBTs, sem uma atualização dos critérios e perguntas relevantes que de fato devem ser avaliados na triagem, não estamos garantindo controle adequado do risco de transmissão de alguma doença por via transfusional. Segundo a portaria atual, por exemplo, um indivíduo heterossexual cisgênero que tem relações sexuais sem preservativo com sua parceria não tem riscos de contrair uma IST. Mas todos sabemos que tem.

Espero fortemente que alguma atualização do tipo já esteja sendo elaborada por técnicos do Ministério da Saúde. Só assim viraremos essa página da forma correta, fazendo com que LGBTs, receptores de transfusão de sangue, hemocentros e todos da sociedade saiam ganhando.

Fonte: Viva Bem (UOL) / Coluna Rico Vasconcelos

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