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“Apesar de estarmos conquistando espaço na sociedade, as comunidades são ambientes pretos esquecidas pelo poder vigente”, diz jovem professor da Baixada Fluminense


Foto: Arquivo Pessoal

Educação é o que liberta, empodera e equaliza desigualdades. Também é um instrumento que combate opressões e dignifica o Homem. Ciente desse poder Douglas Caldeiras, de 28 anos, não teve como fugir da pedagogia.

Morador de Nilópolis, menor município da Baixada Fluminense, o jovem é o entrevistado do mês de maio do Fala Jovem, seção do site do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA). Num mundo onde palavra também é poder, o professor leciona Língua Portuguesa, Literatura e Redação.

Consciente dos desafios e da importância de sua profissão – que se estende além daquilo que ensina em sala de aula, num contexto social carioca e brasileiro imerso em desigualdades – Caldeiras não se priva em ficar somente até onde sua licenciatura permite dar aulas. Pelo contrário. É justamente ciente dos desequilíbrios sociais, dos dilemas do cotidiano e daquilo que ainda quer alcançar em sua carreira que ele faz dos seus estudos e sua cultura uma extensão para pensar sobre diversas questões – e a partir delas também poder levar transversalmente para as salas de aula, bem como sua vida.

Atento aos sinais, Caldeiras – em entrevista realizada por e-mail diante do isolamento social – conta ao Projeto quais estão sendo as implicações do COVID-19 em sua rotina, relações familiares, sexualidade, questões étnicos raciais, políticas governamentais, prevenção e expectativas para o futuro.

 

Confira a entrevista na íntegra:

 

1- Apresentação

R: Douglas Caldeiras, 28 anos

2 – Sempre morou no bairro onde reside em Nilópolis?

R: Nesse bairro sim. Mas já vivi no litoral norte do Rio.

3 – Como é a relação com sua família? Tem irmãos?

R: Há muito companheirismo, principalmente com meu irmão mais novo e minha mãe. Tenho 2 irmãos: sou o filho do meio.

4 – No que diz respeito a sexualidade: como foi lidar com ela e externar para os familiares? Houve reações ou episódios negativos?

R: No início, houve sim, mas nada muito extremo. Era uma não aceitação meio velada. Aconteceu tudo muito rápido, pois comecei a namorar com homens relativamente cedo.

5 – Qual é sua formação profissional? E de que forma ela e, consequentemente você, estão sendo afetados pela pandemia de coronavírus?

R: Sou professor de língua portuguesa, literatura e redação. Tenho gravado aulas em casa e dando aulas ao vivo.

6 – Aliás, sobre isso: de que forma você vê o combate ao COVID-19 em Nilópolis, considerando que a Baixada Fluminense é a região mais afetada depois da capital? O isolamento social anda sendo cumprido?

R: Acho as medidas do governador e do prefeito de Nilópolis prudentes, porém vejo que há muitas famílias baixadenses que não têm respeitado a quarentena.

Sobre Questões Étnico-Raciais

7 – Você tem um grande apreço por questões étnico raciais, nas mais diversas possibilidades e frentes. Num país notadamente racista como o Brasil é difícil relativizar determinadas desigualdades no dia a dia. Inclusive, no que diz respeito ao COVID-19, apesar de serem os menos infectados, os negros são o que mais morrem pela doença. Como você avalia esse paradoxo?

R: Esse é mais um reflexo do racismo estrutural e sistêmico a que estamos submetidos desde o período colonial. Inclusive ele se reitera nas relações sociais, na hierarquia social na atualidade, em que o poder se concentra nas mãos de uma minoria branca. Apesar de estarmos conquistando espaço na sociedade patriarcal e racista e lugar de fala, aos poucos, a periferia, a favela, as comunidades que são ambientes majoritariamente pretos são esquecidas pelo poder vigente e local. Logo, a mortandade é maior em espaços onde o Estado não chega ou, se chega, é de maneira deficiente e segregadora.

8 – Como enxerga o crescimento da representatividade que negros e negras têm alcançado em diversos segmentos? Você teve ou tinha alguma referência nesse sentido quando mais novo?

R: Acho necessária e importante essa visibilidade e faz com que haja uma isonomia social, salarial e até de tratamento. Na minha área, eu vejo muitos professores e professoras negras e eles são meus espelhos, como minha ex-professora Fernanda Felisberto e a minha ex-orientadora no mestrado Renata Flávia da Silva. Elas são dois grandes exemplos de mulheres pretas que conseguiram seu espaço numa sociedade machista, misógina e racista.

9 – Em algum momento a intersecção gênero + sexualidade + raça “pesou” em sua vida?

R: Creio que pesa sempre. Em alguns momentos e espaços de maneira mais velada. Em outros, de forma mais explícita, inclusive em ambiente de trabalho.

Relacionamento e Prevenção

10 – Atualmente você namora ou tem algum tipo de relacionamento? 

R: Não.

11 – Independente da resposta, qual a importância da prevenção em seus relacionamentos? É algo que você costuma dialogar, por exemplo?

R: É um dos primeiros tópicos que eu levanto em um relacionamento quando o assunto é sexo. Até porque pensamos muitas vezes que conhecemos a pessoa com quem nos envolvemos, porém há pessoas que vivem durante anos com seu cônjuge e são contaminadas e acometidas a alguma doença sexualmente transmissível. E isso é muito grave e deve ser debatido e combatido.

12 – Sobre a questão da prevenção, você tinha abertura para conversar isso dentro de casa? Ou o assunto era tabu? Quando tinha dúvidas ou dilemas nesse sentido, como buscava resolvê-los?

R: A minha tia é enfermeira, assim como a minha avó materna. Aquela sempre conversou sobre isso de maneira mais aberta que os meus pais. E ela sempre trouxe preservativos pra mim e para os meus irmãos.

13 – Jovens de 15 a 29 anos são uma das principais parcelas populacionais, atualmente, no que diz respeito aos índices de infecção por HIV/AIDS no Brasil. Ao mesmo tempo, nunca se teve tanto acesso à informações e outras tecnologias. Em sua opinião, o que faz com que a juventude se infecte tanto atualmente por HIV?

R: Muitos não acreditam que possam ser contaminados e a junção bebida/drogas + sexo acaba aumentando também a possibilidade de contaminação a partir do coito sem preservação.

14 – E sobre o uso da camisinha. Também como jovem, você consegue refletir acerca do porque o método contraceptivo decresce entre a juventude em suas práticas sexuais? Porque isso se tornou uma tendência?

R: Para mim, sinceramente, não tem a ver com falta de informação. Muitas vezes acontece uma comodidade, pois o jovem não pensa em procurar um posto mais próximo para pegar camisinha, por exemplo, caso não tenha dinheiro para comprar um pacote de preservativos. Outra questão é que em alguns postos também não existem campanhas e distribuição de métodos outros, somado a isso vemos muita publicidade geralmente só no carnaval, ainda que a problemática persiste como uma endemia durante o ano inteiro. Além disso, muitos alegam perder a sensibilidade, o desejo sexual na hora do manejo da camisinha e outros colocam uma responsabilidade muito grande apenas no homem como o indivíduo responsável pelo porte e pelo cuidado com o preservativo. Logo, as meninas/mulheres precisam também terem camisinhas em suas bolsas, carteiras etc.

15 – O governo promove desde fevereiro uma campanha focada em abstinência sexual para adolescentes e jovens no Brasil de forma a evitar a gravidez indesejada e reduzir os dados de infecções sexualmente transmissíveis. Você concorda ou discorda dessa iniciativa? Por quê?

R: Eu acho que ela não é eficiente. É preciso diálogo, necessário também haver campanhas preventivas. Proibir o sexo é pior, então eu não concordo com a iniciativa. O jovem sente-se desafiado e acaba por fazer o contrário do que se prega.

16 – PEP (Profilaxia pós-exposição) e PrEP (Profilaxia pré-exposição) são duas terapias que auxiliam no combate à exposição por HIV/AIDS. Inclusive são métodos largamente utilizados por LGBTs, publicizados em aplicativos de relacionamento e que podem ser encontrados em determinadas unidades de saúde. Já ouviu falar deles? Caso já tenha ouvido falar, qual a importância dos mesmos para a prevenção?

R: Já ouvi falar, conheço o mínimo a respeito deles e acho que, se comprovada a eficácia, seria bom utilizá-los. Porém não se pode banalizar o uso desses métodos.

17 – Você acha que projetos como esse que entrevista você, existentes em ONGs que trabalham com prevenção e outras prerrogativas de direitos humanos, são importantes? Por quê? 

R: São fundamentais. Iniciativas como essa salvam muitas vidas, abrem discussões pertinentes e reflexões importantes para o debate de temas considerados ainda tabus como racismo, sexo e homoafetividade.

18 – Tem alguma coisa que eu não tenha te perguntado, mas que você ache relevante falar? Seja sobre você ou quaisquer outros assuntos?

R: Não. Adorei a experiência. Gostaria muito de agradecer o convite.

Futuro

19 – Qual sua perspectiva para o futuro (pessoalmente e profissionalmente falando)?

R: Pretendo ainda tentar concursos públicos, buscar minha independência financeira e plenitude e estabilidade na minha carreira como professor e pesquisador.

20 – Quais suas expectativas para o mundo pós-pandemia, individualmente e coletivamente?

R: Espero que as pessoas estejam mais conscientes do cuidado com o outro, mais altruísmo e empatia.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

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