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Análise da conjuntura entre HIV/AIDS e COVID-19 abre série de lives da ABIA


Richard Parker e Veriano Terto Jr – diretor-presidente e vice-presidente, respectivamente – abriram o primeiro dia de lives da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS (ABIA), como parte do “Seminário HIV/AIDS em tempos de COVID-19 – Aprimorando o debate III”.

O encontro – realizado via Zoom para inscritos e convidados e com transmissão simultânea pelo YouTube para o público em geral – com mediação de Rajnia de Vito (assistente de pesquisa e comunicação SPW/ABIA) foi realizado na tarde desta segunda feira (06/07), entre 14h00 e 16h30 e teve como objetivo descrever e entender o cenário político atual em relação ao enfrentamento da epidemia de HIV, em que pese o novo elemento da COVID-19.

As interações entre as epidemias, suas histórias, velhos e novos desafios e respostas deram o tom da fala inicial de Parker. Segundo o diretor-presidente, “são duas realidades históricas que se cruzam em períodos diferentes e desafiam a prevenção como um todo”, afirmou ele. Ambas se apresentam como características daquilo que o antropólogo chama de “epidemias de significação”, isto é, ambas trazem consigo consequências e implicações que afetam estruturas para além das questões de saúde tais como, o econômico, o social, sanitário, de direitos humanos (cidadania) entre outros. Em outras palavras, são pragas dotadas de sinergia – mas que também podem vir acompanhadas de inovações.

“Quem viveu os primeiros anos de AIDS e acompanha os primeiros meses de ciência com o COVID, (percebe) que é muito semelhante o processo para se chegar ao tratamento. A ciência tá correndo atrás, porque desde que surgiu a SARS (outro tipo de coronavírus), em 2013, e razoavelmente controlaram ela que perdemos a oportunidade de avançar mais. Porém, para a indústria farmacêutica só interessa o que dá lucro”, observa ele. Diante disso, em exibição remota, Parker apontou cinco objetivos típicos da “análise de situação”:

1 – Descrever o potencial das políticas e padrões atuais do programa de saúde pública para oferecer serviços de qualidade;

2 – Descrever a capacidade de equipes e instalações existentes de fornecer serviços de qualidade aos usuários;

3- Descrever a qualidade real do atendimento recebido pelas pessoas que utilizam os serviços;

4 – Determinar as tendências dos programas ao longo do tempo através do uso de análises de situação repetidas;

5 – Resgatar a memória e documentara história da resposta comunitária.

Essa análise é importante porque ambas as epidemias surgiram em períodos desafiantes para as sociedades, afetadas por crises prolongadas em âmbito socioeconômico. Com quase cinco décadas, a história da AIDS no Brasil e no mundo é um reflexo disso. Esse são os pontos elencados por Parker:

  • Uma história de diversas fases, incluindo fracassos, sucessos, ufanismos, omissões e desmontes;
  • As barreiras políticas e preconceito como política de Estado (durante os governos Sarney e Collor);
  • As inovações e sucessos relativos (durantes os governos FHC e Lula);
  • O abandono de protagonismo, a adoção de modelos externos e a censura de campanhas de prevenção (no governo Dilma);
  • A total entrega para a re-biomedicalização da epidemia (nos governos Dilma e Temer);
  • O descaso e o desmonte das políticas e do programa de AIDS (no governo Bolsonaro);
  • O papel (sempre complexo) da sociedade civil como protagonista e força política ao longo de todo este tempo.

“Tratamos o COVID como problema de polícia e não de saúde pública”

Já em seu momento Veriano Terto Jr – vice-presidente da ABIA – trouxe reflexões acerca das retaguardas e paralelos entre os dois vírus – o do HIV e o do COVID-19. Uma das implicações é sobre medicamentos para o tratamento do HIV e o do futuro medicamento para o coronavírus: como se dará o acesso? Quem terá direito? Como lidar com o tratamento dos medicamentos? Como o conservadorismo vai agir sobre isso?

Esses dilemas devem ser levados em conta, segundo Terto Jr, para que o acesso à cidadania e o direito à saúde e prevenção sejam garantidos. Sobre a vacina para a COVID-19 Veriano afirma que “não sabemos o efeito dela será semelhante como o da gripe. Quanto tempo vai imunizar? Não tem sido colocado. Estamos trabalhando com questões éticas nos estudos”.

Ética essa que não está sendo posta conforme se deveria, dentro do contexto social brasileiro. “Nós estamos colocando o coronavírus como problema de polícia e não como questão de saúde pública”, critica. E completa: “muitas pessoas morreram em casa e estão subnotificadas. Então testar é importante, mas há de ter educação para isso. Uma sinergia que envolva pontos de solidariedade, o que não é visto no momento nem em campanhas. Só ouvir os médicos e especialistas falando na Globo não vai adiantar”.

Debate

Durante o debate, que teve uma audiência de 100 pessoas simultâneas pelo Zoom e até 360 pelo YouTube – surgiram muitos questionamentos por ambas as plataformas. Desde as comparações das mutações entre o vírus HIV e o da pandemia de COVID-19, até pelos desafios estruturais que ambas causam em questões sociais, de solidariedade, cidadania, direitos humanos, prevenção, SUS etc.

Um dos participantes levantou a questão sobre a oferta e acesso da Telemedicina para alcançar quem precisa se consultar. Assessor de projetos da ABIA, Juan Carlos Raxach – também médico – questionou: “mas quem teria acesso a essas consultas de maneira remota? Não é acessível”. Já Richard Parker resumiu: “a Telemedicina nos oferece poucos avanços e individualizados. Temos que pensar na saúde coletiva, como saúde e direitos humanos. Porque há muitos abusos e isso é extremamente preocupante durante a COVID-19”. E finaliza: “nós não temos aliados agora, como também não tínhamos nos anos 80 (auge da epidemia de HIV/AIDS)”.

O Seminário HIV/AIDS em tempos de COVID-19 – Aprimorando o debate III” será realizado de 06/07 à 10/07, a partir das 14h00, em transmissão ao vivo pelo YouTube (público geral) e pelo Zoom (para o público inscrito/convidado).

 

Texto: Jean Pierry Oliveira

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