Em junho do ano passado, o policial militar Leandro Prior, de 27 anos, recebeu ameaças de morte depois que viralizou um vídeo em que ele, fardado, beijava outro rapaz no metrô de São Paulo. A maioria das agressões veio de colegas da corporação. Abalado, Prior se afastou para tratamento médico. Na ocasião, afirmou: “Existem gays na PM, e muitos”. Mas homossexualidade e LGBTfobia são temas pouco abordados na área de segurança pública. Ou eram.
Depois do episódio de Prior, vários outros agentes, entre policiais militares, civis, rodoviários, federais, bombeiros, guardas municipais e militares se uniram em uma rede para fortalecer o combate ao preconceito nas instituições de segurança, e também fora delas. A chamada Rede Nacional de Operadores de Segurança Pública LGBTI+ (Renosp) foi formalizada. Os agentes criaram um estatuto de ação, um perfil engajado nas redes sociais e redigiram um manual com dicas de segurança para a população LGBT+ nas ruas. Agora, às vésperas da possível retomada do julgamento no STF sobre a criminalização da homofobia, organizam uma nova mobilização nas redes e em Brasília.
Vimos a necessidade de somar forças para lutar juntos. Na época das eleições, representamos uma ação contra pessoas que defendiam o extermínio gay. Hoje fazemos ações de prevenção à LGBTfobia, damos palestras, apoiamos as pessoas que nos procuram. O preconceito existe e deslegitima nossa capacidade profissional, como se a sexualidade nos definisse — diz Leandro Martins, guarda municipal em Sergipe e integrante da Renosp.
Formação de atendimento
A rede conta hoje com mais de cem agentes de segurança pública em todo o Brasil. Na sexta-feira, eles ressaltaram que a Polícia Civil de São Paulo registrou, pela primeira vez, a morte de uma mulher transexual como feminicídio. A tipificação de crimes motivados por orientação sexual e identidade de gênero é uma demanda presente.
Seria só os colegas estenderem o campo da ocorrência e colocarem “violência motivada por questão de gênero”, por exemplo — diz Leandro, que já sofreu violência verbal de colegas. — Quando entrei como guarda, há seis anos, não falei sobre minha orientação sexual por medo de retaliação. Mas, com o tempo, se tornou algo natural. Uma vez um colega me questionou: “Você nunca disse que era gay.” Respondi que ele nunca tinha dito que era hétero. Não fico calado.
Não raro, a Renosp recebe mensagens de pessoas trans e gays que revelam o sonho de serem agentes de segurança, mas que temem o preconceito. Nas redes, os integrantes compartilham notícias de vagas de concurso. E, em suas instituições, oferecem formação de atendimento e abordagem de colegas a população LGBTI+.
— A área de segurança pública é formada por pessoas da sociedade. Então o que acontece na sociedade se reflete também nessas instituições. Em todos os setores — diz o policial militar Henrique Lunardi.
Soldado Henrique, como é conhecido, é o primeiro homem trans policial militar no estado de São Paulo. Ele entrou na Renosp no ano passado, e é um dos símbolos de luta contra o preconceito. Ingressou na corporação na cidade de Ituverava há três anos quando ainda se chamava Emanoely, e batalhou não só para ser reconhecido como do gênero masculino, como depois pediu para trocar de nome e conduziu uma transição dentro da instituição.
Levar essa questão para a PM foi complicado porque eu mesmo tinha preconceito e medo de ser expulso. A instituição lidou de modo tão natural que até me assustei. No geral, falta segurança para as pessoas se exporem. O que me motivou foi que eu não conseguia mais viver da maneira que estava — conta.
Ele diz que, quando chegou na polícia, não escondeu dos colegas que namorava uma menina. Depois da transição, teve que explicar aos colegas a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual. Diz que foi bem acolhido.
— O que me deixa mais feliz não é ser o primeiro homem trans policial militar no estado. É saber que toda a ansiedade e o medo sem saber se ia dar certo podem criar esperança para outras pessoas na mesma situação — afirma.
Para Valdimara Brito, policial civil no Mato Grosso, o apoio de outros agentes de segurança pública LGBT+ é fundamental à distância. Valdimara é a única mulher, e lésbica, de uma delegacia em Alto Boa Vista. Segundo ela, não só a homossexualidade é pouco abordada na segurança pública como falta preparação dos policiais para atender esse público.
— Falo sempre com meus colegas. Divulgo nas redes, mando notícias e posts no grupo dos policiais — diz. — Já discuti com outros policiais que agrediram uma trans.
Valdimara conta que, na rede, os agentes expõem situações de preconceito e orientam outros colegas:
— Ajudamos quem sofre preconceito e quem ainda não conseguiu tirar a farda do armário.
Fonte: O Globo