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ABIA aposta nos direitos humanos e na luta contra o monopólio e as desigualdades para vencer pandemia


Defender os direitos das pessoas vivendo com HIV/aids a partir da perspectiva dos direitos humanos, com base nos princípios da solidariedade, da justiça social e da democracia. Essa é a essência da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), ONG/aids que nasceu no Rio de Janeiro, ainda nos primeiros anos da epidemia de aids, para construir e cobrar respostas governamentais alinhadas aos direitos sociais e humanos para o acesso e preservação da saúde.

O foco da ONG é a mobilização da sociedade civil para o enfrentamento da epidemia e o monitoramento das ações políticas em curso, principalmente no que diz respeito ao acesso a medicamentos. Em tempos de covid-19, como a ONG tem feito para manter o seu trabalho, atuar no campo internacional e defender os direitos humanos e sexuais? Essas e outras perguntas foram respondidas na noite desta terça-feira (20), na live: “ABIA – advocacy e ações de solidariedade em tempos de pandemia”, da Agência Aids. Em bate-papo com a jornalista Roseli Tardelli, representantes da ABIA disseram que se tivesse que dar uma nota hoje para o que está acontecendo com a aids no Brasil, a nota seria seis. Confira a seguir:

“Eu daria seis porque ainda funciona o programa de acesso a medicamentos, esse programa é muito bom. Mas se fomos considerar a realidade das ONGs que é muito difícil e a realidade dos serviços no país inteiro, não dá para colocar uma nota muito alta. Eu dou seis porque acredito e defendo o programa universal de acesso os medicamentos”, disse o vice-presidente da ABIA, o professor Veriano Terto.

Essa também é a opinião do ativista Pedro Villardi, representante da ABIA na Coordenação do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Rede Brasileira pela Integração dos Povos. “Eu sigo o relator. Seis é justo porque temos uma política de estado. Me lembro que logo que o Bolsonaro tomou posse de um epidemiologista dizer que quatro anos é mais que suficiente para acabar com tudo. Já passamos da metade e ainda há o que manter. Então, seis é justo.”

Para Vagner de Almeida, coordenador do Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens, a nota é um pouco menor, cinco. “Quando você trabalha com a periferia e com a população de base você sabe que há falta de medicamentos em geral, isso causa um estresse muito grande. Os tratamentos estão cada vez mais precários. A minha nota é de cinco para baixo e lamento ter que relatar este retrocesso que temos vivido na pele. Não temos perspectiva do que vai acontecer daqui para frente.”

A antropóloga Sonia Corrêa rebaixou um pouco mais. “Eu daria um pouco menos do que cinco. Do ponto de vista do acesso a medicamentos e manutenção do programa de acesso a saúde, a política de aids está se sustentando. Mas se você olhar para prevenção e temas de direitos humanos e sexualidade a nota cai muito. No que diz respeito a prevenção a nota é dois, talvez três. No que diz respeito a direitos humanos e sexualidade estamos abaixo do zero. É uma tragédia o que está acontecendo no Brasil neste aspecto, basta pensar na política de abstinência.”

Roseli perguntou ao Vagner se este é um processo que está acontecendo de dois anos e meio para cá ou se é um processo que acabou sendo acentuado nos últimos dois anos e meio?

“A partir dos últimos dois anos as coisas pioram muito, mas elas vêm piorando gradativamente há muito anos, com as mudanças de governos, com mudanças nos ministérios. Esse retrocesso, por mais que tenha sido acentuado nesta gestão, estamos vivendo há anos, vem de governos anteriores.”

O professor Veriano destacou que vivemos uma realidade de retrocesso, principalmente nas áreas sociais e na saúde. “Com a aids não seria diferente. Como manter avanços em uma cultura de retrocessos? Como manter a resposta à aids? É quase um “milagre” manter uma política de estado, manter o programa de acesso a medicamentos, que bem ou mal atende muita gente.  Alguns falam de conservadorismo, eu acho que é mais do que isso, é retroceder mesmo e desconstruir. As fronteiras entre descontruir e destruir as vezes são muito tênues. Não dá para manter os avanços neste contexto que vivemos.”

Na opinião de Sônia, é preciso sempre relembrar que a política de aids brasileira foi construída no processo de redemocratização. “Essa política é um produto deste processo. Vivemos hoje no Brasil um franco processo de erosão democrática nas instituições, particularmente no executivo. Como sustentar uma política que foi gerada na democracia num contexto de flagrante erosão democrática? Este não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Dos Estados Unidos as Filipinas os exemplos são inúmeros. O outro aspecto é que as políticas de saúde no Brasil foram historicamente montadas pela concepção dos determinantes sociais, que inclui as desigualdades. Agora temos que começar a falar a partir dos determinantes políticos. As condições da política são fundamentais para sustentar as políticas públicas e assegurar que elas sejam capazes de responder os desafios e as desigualdades de falta de acesso a serviços, por exemplo.”

Propriedade intelectual

Roseli quis saber de Pedro como é possível sustentar a política de aids em tempos de distanciamento social. “Pensando em democracia, equidade e acesso a tecnologias que podem ser potencialmente úteis para o combate ao covid, Índia e África do Sul propuseram medidas que suspendessem diversos direitos de propriedade intelectual relacionados ao covid. Essa foi uma pauta que o Brasil construiu historicamente no cenário mundial. Podemos dizer que desde os tempos do PSDB, o Brasil vem construindo este histórico de ser um país que impulsiona este tipo de debate e coloca o direito a saúde como preponderante em relação aos direitos de propriedade intelectual. Foi estarrecedor perceber que na votação desta resolução proposta por Índia e África do Sul no Conselho Internacional que rege o tema da propriedade intelectual no mundo o Brasil foi o único país em desenvolvimento a se aliar com os países desenvolvidos. Foi uma lambeção de botas inédita na história, nem Costa Rica, Chile e Colômbia, que são países mais alinhado com os Estados Unidos no campo internacional, conseguiram se alinhar aos Estados Unidos, União Europeia e ao Japão. A destruição vem a galope e esse foi um dos exemplos mais claros que tivemos nos últimos meses.”

Erosão democrática

Roseli quis saber de Veriano qual é a sugestão para segurar a onda de erosão democrática neste momento de covid-19, onde a situação de mobilização é mais difícil.

“Temos uma grande oportunidade de voltar a fazer trabalhos de base, um dos caminhos é escutar e trabalhar com as pessoas, valorizar as nossas conquistas, mostrar o valor que elas têm. No caso da aids, por exemplo, o programa universal de acesso a medicamentos, fazer com a população conheça essa história, criar espaços de quebra de silêncio, espaço seguros de fala. Parece uma coisa simples, mas está difícil até online, com a invasão de hackers. Nós, enquanto movimento social e ONGs, temos a dupla missão de falar para mídia, ciência e instituições e ao mesmo tempo temos que falar para as bases e valorizar as conquistas. Participei da campanha da Mariele Franco e me surpreendi muito com a maneira como ela trabalhava, não foi à toa que ela foi assassinada. Ela mantinha o diálogo com as instituições políticas e a conversa de laje nas comunidades. Este é um exemplo de caminho pelo qual a gente pode explorar a democracia.”

Além de explorar o diálogo, Sônia acredita que a outra alternativa é lembrar e nomear a situação que estamos vivendo. “Não é mais só uma situação de defesa da democracia, é de contenção da erosão democrática. Há uma tendência a normalização, uma inercia que leva a normalização. Temos que lembrar o tempo todo que essa ameaça está presente. É fundamental reconhecer e nomear as forças antidemocráticas, saber quem são, o que fazem, aonde estão e criar resistência. Sem dúvida a força do Donald Trump tem um peso para o mundo inteiro. Para o Brasil é relevante porque temos um governo que se alinhou automaticamente a barra da saía do governo Trump. Isso é uma condição brasileira, na América Latina hoje há dois processos políticos importantes em curso que estão em oposição neste processo. O primeiro é a eleição boliviana e o outro é a votação da reforma constitucional no Chile.”

Pandemia não combina com monopólio

Questionado sobre qual é o caminho para garantir vacinas de covid para todos, Pedro foi direto: “Pandemia não combina com monopólio, se tem uma coisa que a história nos ensinou é que os monopólios são extremamente prejudiciais à saúde. Fico impressionado quando escuto em debates que não precisamos nos preocupar com patentes porque esse não é o nosso maior desafio. Quando a gente tiver uma capacidade produtiva e não puder produzir o medicamento ou uma vacina porque essa tecnologia estará patenteada vamos ficar de mãos atadas, como já ficamos várias vezes para o combate do HIV, da hepatite C. Sem enfrentar monopólios e patentes, é impossível pensar em acesso universal. Qualquer calendário vacinal será impossibilitado com a presença de monopólios. E não digo isso só por causa do preço, os últimos estudos mostram que 50% das doses de possível vacinas já estão reservados para 13% da população mundial. Os outros 77% que lutem, vai ser uma corrida desenfreada. A aids nos ensinou que sem solidariedade e enfrentamento as patentes, não existe acesso universal. Essa corrida desenfreada, baseada na grana vai deixar os países em desenvolvimento a sua própria sorte, sem conseguir ter acesso a vacina que for. O Brasil está se escorando no fato de que existe um contrato de transferência de tecnologia, mas precisamos lembrar que essa vacina, embora esteja bem posicionada, é apenas uma das 25 potenciais tecnologias. Temos que continuar pressionado por investimentos públicos não só para vacinas, mas também por tratamentos e diagnósticos. Temos que pressionar muito para que as ações internacionais e nacionais enfrentem essa questão do monopólio, vai ser uma crise de preço e abastecimento.”

Pedro destacou ainda que a covid e a aids são doenças muito diferentes. “As pessoas se curam da covid, é possível imaginar uma tecnologia imunizante em um horizonte próximo.”

Desafios

O especialista em produções audiovisuais, Vagner Almeida, acredita que da forma como as coisas estão, muita gente vai ficar sem vacina. “Concordo totalmente com o que o Pedro. Convivo diretamente com a população que não vai ter acesso a nenhuma vacina e medicamentos básicos. Você observa que a população ainda não tem medicamentos diários para tuberculose. Escuto o tempo todo que a vacina está na porta, que todos serão vacinados, que não é preciso mais usar máscaras. A vacina é a nossa esperança, mas não temos garantias que será para todos. O desafio é  trabalhar a cabeça da população que está negando a pandemia.”

Pandemia não combina com desigualdades

Veriano acrescentou que pandemia também não combina com desigualdades. “A desigualdade social, a desigualdade no acesso a comida, saúde, riquezas mínimas. As desigualdades nos acesso à educação, segurança, nada disso combina com pandemia. Enquanto a humanidade não enfrentar seriamente a questão da desigualdade, teremos essa e outras pandemias. Epidemias não são doenças, são crises sociais, políticas e econômicas. Essa está muito ligada as condições de desigualdades econômica e social.

Resposta da ABIA em tempos de covid

Roseli perguntou a Sônia como a ABIA está conseguindo construir uma resposta equilibrada para este momento. “Estamos alimentando o debate e fazendo o que a ABIA sempre fez: reconhecer a crise e falar dela. Eu vejo muito a covid como um prisma que nos revelou todas as outras crises. Neste sentido, a covid é dramática, tem aspectos trágicos, morreram 150 mil pessoas no Brasil, uma parte possivelmente estaria viva se o governo não tivesse tido uma posição negacionista. Esse luto é um luto que temos que nomear e pensar que não é trivial. Uma parte das mortes também está relacionada com e enorme desigualdade brasileira. Sabemos que a taxa de letalidade na população indígena é 10 vezes maior do que na população geral. A ABIA teve um papel importante de conectar o HIV e a covid. Tudo que a instituição produziu nestes meses foi para lembrar que a experiência da aids tinha muito a ensinar sobre a resposta a covid. Essa situação da virtualidade criada pela covid tem um aspecto interessante. Estamos todos falando com muito mais gente do que há seis meses atrás. A pandemia criou um distanciamento social, mas abriu uma janela de oportunidades para a gente chegar a pessoas que não falávamos antes.”

O Betinho

Nos minutos finais da live, a jornalista Roseli convidou o produtor cultural, Daniel de Souza, filho do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho para conversar sobre o papel do pai nesta luta. Betinho foi um dos fundadores da ABIA.  Ele e seus irmãos, o cartunista Henfil e do músico Chico Mário, eram hemofílicos e foram infectados pelo HIV no início da epidemia no Brasil, nos anos 80, por meio de uma transfusão de sangue. Em 1993, Betinho lançou a ONG Ação da Cidadania, para o combate a fome pelo País. Betinho morreu em 1997 em decorrência da aids. “Se não fosse o Betinho, o Brasil teria tido muito menos dignidade, solidariedade, seriedade e amor”, disse Roseli.

“Não tenho como não falar da aids e da ABIA quando eu falo sobre o meu pai Betinho. No ano que vem vamos lançar na GloboPlay uma série sobre o Betinho. A ideia é resgatar a luta, o legado, a imagem e o trabalho do Betinho como contraponto a tudo que estamos vendo nos últimos três anos, o desmonte e a destruição em todas as áreas. Em 2018, tínhamos 80 milhões de brasileiros passando algum tipo de insegurança alimentar, hoje temos muito mais. Temos um governo negacionista. O Bolsonaro nega a existência da fome da mesma forma que ele nega a existência da queimada e o perigo do coronavírus. Então, tenho passado algum tempo recorrendo a pergunta sobre o que o Betinho estaria fazendo neste momento. Tenho certeza que estaria lutando. Uma das grandes forças do Betinho era ser a ponte de diálogo, discutir com os opostos pelo bem comum. Na minha visão essa pandemia trouxe algumas revelações importantes, como a importância da ciência, a questão da verdade, a cultura e a solidariedade. Com ou sem a vacina, sabemos que a pandemia da miséria e da fome vai continuar. Os próximos anos serão difíceis. Se o Betinho estiver em algum lugar, deve estar absolutamente apavorado.”

Contribuição da aids para o enfrentamento da covid

Roseli questionou os especialistas sobre qual contribuição que a aids pode dar para essa situação de covid. Veriano respondeu que são muitas as lições, o que nós acumulamos nas questões sobre vacinas, em questões sobre a participação comunitária em ética de pesquisas, com a participação da comunidade. São lições que a aids pode trazer. Também em relação ao processo de testagem. O teste não pode servir como um instrumento de segregação, repressão e discriminação entre pessoas. A aids também demonstrou o quanto é ruim trabalhar a linguagem de guerra, investir na linguagem baseada na solidariedade e nos direitos humanos é um caminho que nos levou a lutar pela vida e a conseguir medicamentos.”

Sônia acrescentou que a solidariedade. “A covid restaurou a solidariedade. Temos bons exemplos que vieram para colaborar com a contenção da infecção de covid, como as iniciativas bem-sucedidas que foram tomadas nas favelas do Rio de Janeiro em nome da solidariedade. As pessoas entenderam que não se trata apenas de evitar a minha infecção, do meu medo de ficar doente e morrer, se trata de proteger os outros que estão ao meu redor. Somos interdependentes. A covid nos ensinou muito isso. Temos que estudar o que significou essa experiência solidária.”

A live durou mais de uma hora e chegou ao fim com o desafio de resumir em uma palavra a mensagem dos participantes para as pessoas. Roseli escolheu alegria, Vagner deixou esperança, Pedro optou pelo o acesso, Sônia disse resistência, Veriano escolheu a frase Viva a Vida, de Hebert Daniel, e Daniel finalizou com cidadania.

Para assistir a live clique aqui.

Fonte: Agência de Notícias da AIDS – Talita Martins (talita@agenciaaids.com.br)

 

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