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Richard Parker esmiúça a quarta onda da epidemia em nova sessão de aula na ABIA


Foto: Jéssica Marinho

Em mais uma rodada de aula na sede da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, no Centro (RJ), das 14h00 às 19h00, (ABIA) o diretor-presidente Richard Parker abordou o período da quarta onda da epidemia de HIV/AIDS. Com início em 2010 e vigorando até o momento, esse “é o momento da promessa do fim da AIDS promovida pela ONU (Organização das Nações Unidas), mas não só por ela. Pois ONU anda de mãos dadas com os EUA e empresário do capitalismo global sob o slogan ‘geração livre da AIDS’”, explicou ele.

Para trazer melhor compreensão e interpretação do que, de fato, acontece Parker separou alguns pontos menos subjetivos e mais objetivos, tais como:

– Os limites na nossa capacidade de analisar e compreender os eventos quando estamos no meio deles;

– De escalonamento (Scale-up) à redução da resposta (Scale-down) frente à epidemia na base;

– Construindo a narrativa do “Fim da AIDS”;

– A neoliberalização das políticas de AIDS (e a dura realidade que os discursos do fim da AIDS encobrem).

“A partir de 2010 reduz-se cada vez mais os investimentos em prevenção e por causa disso as outras atividades começam a irem embora por conta do enfoque na medicalização. Só que ninguém assume isso e continuam com discursos vazios de Direitos Humanos, combate ao estigma e discriminação”, critica Parker. E completa: “a quarta onda é fundamentalmente amparada nas biotecnologias e na promessa do fim da AIDS”.

Alguns países personificaram esse movimento como Vietnã, África do Sul, EUA e Brasil. A realidade na base da epidemia é bem diferente do que as narrativas dizem. Nesse sentido, a narrativa do fim da AIDS surge como uma maneira de passar por cima das correlações em torno do equacionamento das estatísticas oficiais x a vivência qualitativa da epidemia.

Construindo a narrativa do “Fim da AIDS”

Alguns pontos a seguir explicam esse aspecto:

  • 1º Passo: 2010 “Getting to Zero” (Plano do UNAIDS, 2011-2016: 0 novas infecções, 0 mortes devido a AIDS, 0 discriminação);

 

  • 2º Passo: 2014 “Fast Track Strategy” (também do UNAIDS, anuncia as metas 90-90-90 para o ano de 2020: 90% das pessoas infectadas diagnosticadas, destas, 90% em tratamento e, destas, 90% com carga viral indectável);

 

  • 3º Passo: 2016 – Declaração política da ONU sobre o fim da AIDS para 2030: Reunião de Alto Nível sobre o Fim da AIDS

“Eu fico irritado com essas metas e dinâmicas porque elas não serão alcançadas dessa maneira. Não acredito que seja uma boa meta, porque eu acho que tem um efeito perverso (sobre as pessoas e políticas de prevenção)”, lamenta o diretor-presidente. Sua insatisfação não é isolada no tocante à ONU. Segundo sua apresentação, junto com as Nações Unidas, o governo dos Estados Unidos também adere a chamada “geração livre da AIDS”, principalmente a partir de 2012 com Hillary Clinton, Barack Obama e o PEPFAR (programa americano voltado para o HIV/AIDS).

Mas há outros atores envolvidos nisso como a IAS (International AIDS Society) e o engajamento massivo de empresas do capitalismo global: Coca-Cola, Nike e personalidades de Hollywood e do mundo da música/entretenimento como Bono Vox, do U2 e outros anglo-saxões. “Até porque tá claro que os governos querem cair fora”, explica.

A Neoliberalização das políticas de AIDS

Nessa parte os medicamentos continuam sendo vistos como essenciais, apesar do número de pessoas sem acesso. É a junção da neoliberalização com a biomedicalização. Isso é fatídico para encobrir:

– 37, 9 milhões de pessoas vivendo com HIV;

– 23,3 milhões supostamente com acesso aos antirretrovirais (ARVs);

– 14,6 milhões ainda não tem acesso (aos ARVs) > principalmente quase todos aqueles países mais pobres do mundo e que não são prioridades para os Global Health Initiatives (Iniciativas de Saúde Global), como o PEPFAR;

– Das 23,3 milhões que tem acesso, nenhuma agência estima quantos acessam a última geração de medicamentos;

– Sabe-se, por experiência, que no Brasil muitas dessas pessoas não tem acesso aos medicamentos mais novos;

– Efetivamente, milhões de pessoas só tem “acesso de segunda classe”;

– Em lugar nenhum o acesso à prevenção consta como direito de cidadania das pessoas;

– A difícil distinção entre direitos negatuvos e direitos positivos;

– O abandono da luta contra estigma e discriminação;

– O crescimento da criminalização e de índices de estigma;

– O crescimento de políticas populistas e neo-fascistas e o ataque conta gênero, sexualidade e pessoas vivendo com AIDS.

“É uma cortina de fumaça sob o sofrimento desses 15 milhões sem acesso (aos medicamentos)”, refutou Parker.

Debate – Pontos Principais

  • Você vê a retomada desse trabalho com estogma e preconceito para a nova década?

Parker: Eu não vejo essa retomada. É como ter um amor de Carnaval, não vai durar muito. Eu acho que as pessoas estão um pouco sem saber o que fazer. O fato é que as mudanças que seriam necessárias para enfrentar estigma e discriminação precisam ser em grande escala e eu não vejo isso. Se você não trabalhar isso estruturalmente e cruzar com questões culturais você não vai ter mais nenhum impacto. Isso é o que eu percebo desde que comecei a escrever sobre isso no fim da década de 90.

Eu acho que as coisas estão muito mal, não só na epidemia, mas num sentido mais amplo politicamente. Eu tô muito convencido que onde você tem tido políticas progressistas de AIDS você tem melhores resultados.

  • Eu acho que essa análise de como o discurso se cria tem a questão do conteúdo e do uso. O conteúdo não é tão ruim, mas o uso é um desastre. Da mesma maneira esse discurso da UNAIDS segue essa linha. É legal olhar para quem e como esses discursos são direcionados. E tem questões de abandono (de tratamento) em países como a África do Sul e até no Brasil. E não se fala nisso. Não dá para confiar no UNAIDS.

P: É altamente compreensível. No caso do Chile eles acabaram com as ONGs AIDS e eu acho que isso, obviamente, é o caminho neste momento. E é muito provável que a situação no Brasil aconteceça como no Chile. É difícil imaginar as ONGs AIDS sobrevivendo no Brasil pelos próximos cinco anos. Essas questões levantam a importância que um bom trabalho de análise exige. De olhar esses 23 milhões (sem acesso aos ARVs) e ver onde eles estão e como estão. Há poucas pessoas na universidade pesquisando sobre isso.

E como é que eles chegam nesses números? Os dados de AIDS desde o início foram manipulados para (ter) ficções necessárias no alcance de políticas desejáveis. A gente precisa de um epidemiologista para pegar esses dados brutos e analisar, criar debates profundos sobre o que diz a UNAIDS.

  • Mas é difícil trabalhar sobre esses e outros dados num momento em que sequer falar de sexualidade e prevenção nas escolas é possível, pois ou se está incentivando os jovens a fazerem sexo ou praticando “ideologia de gênero”, principalmente nesse governo.

P: De fato é claro para mim que os retrocessos não começam agora, porque isso vem sendo construído por governos diferentes. Quando falo do governo Bolsonaro como ruim, reconheço que teve coisas ruisn também no governo Temer e (no governo) Dilma. Isso é importante lembrar. Tá ruim há muito tempo, apesar de muitas coisas boas feitas com pessoas boas na máquina. O mais difícil é saber nesse contexto o que fazer para reparar os danos. E poucas pessoas investigam os efeitos danosos disso.

  • Richard, você vem falando que esse momento não vem de agora. Mas que forças atuaram e continuam atuando nisso?

P: Temos que reconhecer que as respostas que poderíamos buscar são difíceis. Por um lado sempre tenho argumentado contra o movimento evangélico, (mas) não tentamos trabalhar com eles de maneira mais positiva. É óbvio que eles tem forças conservadoras que ajudaram a fomentar isso no presente momento, assim como setores mais conservadores do Catolicismo.

O diferencial dos evangélicos é eleger políticos e fazer ataques mais frequentes para atacar coisas e assuntos mais importantes para a epidemia. Temos que entender essas coisas com mais profundidade do que conhecemos das religiões no Brasil e que não pesquisamos. Mas é importante ver as razões do retrocesso com mais detalhes. Mas deixe-me bater também no movimento gay que, em termos gerais, não tiveram problemas em pegar dinheiro do movimento AIDS e fazer auto propaganda.

Falaram sobre saúde LGBT com uma única menção sobre a AIDS e o HIV num material divulgado. E só no glossário. E falar do movimento LGBT sem falar de AIDS, sobretudo o movimento gay, para mim é inconcebível. No fim das contas sem reflexão auto-crítica nossa e dos aliados, não vai dar para trabalhar.

  • Atenção básica e (des) centralização: Você tem pensado sobre isso nessa onda e como isso influenciou para ir acabando com as diferentes estruturas?

P:  Acho que isso nos leva a voltar para trás. A descentralização vem desde os anos 2000. E por um lado era sempre o calcanhar de Aquiles do programa brasileiro de AIDS. Você tinha que entrar no SUS e deu problemas em termos de recursos para estados e municípios. Não existe uma reflexão crítica e as pessoas nas suas secretarias não tem tempo hábil para isso.

 

Texto: Jean Pierry Oliveira e Jéssica Marinho

Fotos: Jéssica Marinho

 

 

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