Sexo ocasional – SORODISCORDANTES
Meio do mês, algumas contas pagas e outras a serem ainda pagas. Trocados contados para tudo, mas sempre há aquelas sobras do salário para uma cerveja com os amigos no final do dia ou final da noite, como depois do meu curso noturno na faculdade dentro daquele ritual de um dia da semana com os amigos. Vamos sempre no mesmo boteco, pois lá o preço é honesto: cerveja gelada, salgadinhos do dia e sorriso dos donos garantidos. Eu sempre achei um dos donos, um homem branco, um pouco delicado, que me deixava confuso e eu não sabia dizer se era gentil ou afeminado, gay, sei lá como descrevê-lo. Ele certamente era muito atraente com aqueles cabelos sempre presos em um rabo de cavalo, barba cerrada e muito bem tratada. Tinha uns olhos apaixonantes como duas jabuticabas negras. Eu o olhava sempre que dava atenção a outras pessoas. Longe de mim dar pinta ali, perto dos meus colegas de trabalho e outros da faculdade. Homens bons, divertidos, mas broncos, mulherengos, e alguns homofóbicos de carteirinha. Às vezes, me sentia um personagem a “bicha camuflada”. Porém, quando estávamos juntos, me sentia sempre seguro e dava boas gargalhadas.
Semana passada fomos ao mesmo boteco, cujo nome é “Boteco do Mané”. Estava lotado e os donos hiperocupados. Nem deu tempo de admirar o bonitão. Após uma rodada de cerveja e outras bebidas, no final de uma semana corrida e cheia de aulas e trabalho, ao lado dos mesmos amigos, peguei o rumo de casa no horário do último ônibus. Encontrei alguns conhecidos e paramos para conversar. Não percebi e perdi o ônibus que me deixaria na porta de casa. Naquele momento era entregar a Deus e esperar outro que me deixaria muito longe, e ainda teria que encarar uma Kombi e andar mais alguns quarteirões até em casa. Vida de pobre é foda! Horas se passaram e nada de um ônibus que me servisse. Passaram dezenas de outros que seguiam para outros locais. E o meu ônibus, nada.
O que parecia ser só mais uma semana igual a tantas outras foi modificada pelo destino com a perda do meu último ônibus. Horas e horas de espera, quando, de repente, alguém de carro para próximo a mim. Fico assustado, pois só eu estava ali no ponto de ônibus à noite e em um local escuro. Baixam o vidro e surge uma voz conhecida, perguntando se tinha me perdido na noite. Reconheci a voz e a pessoa e demos uma gargalhada alta, mas visivelmente cansados. Era o dono do boteco que se chamava Rafael. Fiquei sem jeito e não sabia o que falar. Até que ele conseguiu quebrar o gelo e me perguntou para aonde eu ia naquele horário. Eu respondi que tentava chegar em casa, mas que o ônibus não passava. Ele me perguntou onde eu morava. Respondi que era longe, contei onde morava e ele riu, concluindo que era longe mesmo. Disse também que, se eu não me importasse, poderia dormir na casa dele e pela manhã seguir o meu destino. Não sabia o que responder e quase recusei com medo: medo de deixar meus segredos serem descobertos, medo de não segurar o pau dentro das calças, da boca na rola dele.. Ufa o medo se instalou. Resolvi ousar e a coragem me fez aceitar o convite. Tivemos aquele papo de blá, blá, blá, de não quero incomodar e ele respondeu: “que nada, será um prazer ajudar a um amigo e cliente fiel”. Relaxei um pouco. O carro seguiu para a casa dele.
Parecia um sonho que eu estava no privado com aquele homem dos meus sonhos e desejos. Queria olhar para ele, mas não conseguia. Olhava para as suas pernas cabeludas e brancas expostas por uma bermuda caqui. Queria olhar para o pau e o medo me invadia, mas a ansiedade me consumia. Finalmente chegamos. A porta da garagem abre automaticamente e se fecha às nossas costas. Ele sai do carro. Um cachorro vem ao seu encontro feliz em vê-lo e eu perplexo não sabia o que fazer. Fui convidado a entrar na casa e logo percebo o bom gosto e a harmonia do ambiente. O cachorro, ainda estava em festa. Ele me pergunta se quero beber a última cerveja da noite ou uma outra coisa. Respondo ainda inseguro que qualquer coisa está ótimo. Ele sorri – e fica mais lindo ainda – e me diz que qualquer coisa não tem, mas tem outras coisas… Diz isso de maneira enigmática e sutil. Aceito a cerveja e ele vai até a cozinha pegar a bebida. Já volta sem a camisa e com o corpo exposto, seminu. Fico sem ar e com a certeza que ia me condenar ali mesmo, ao olhar de perto os peitos, os mamilos e os pelos do tórax daquele homem. Peço para ir ao banheiro para lavar o rosto. Ele me indica o caminho. Passo em frente ao quarto e entro no banheiro e não fecho a porta. Estava trémulo. Não sabia nada do Rafael, a não ser da sua vida no Boteco do Mané. Ele aparece nas minhas costas. Vejo-o mais lindo ainda pelo espelho. E com um sorriso lindo, bebendo sua cerveja, me pergunta se quero tomar banho. Não soube responder sim ou não. Queria, mas não tinha coragem para nada. Ele insiste na pergunta e diz que eu posso usar as roupas dele para dormir. Aceito o banho e começo a tirar a minha roupa ali mesmo, ele encostado na porta do banheiro vendo eu me despir.
A vergonha do meu corpo magro, mas bem definido, me invadia ou era invadido pelo olhar daquele cara que sempre desejei. Ele se vira para brincar com o Sultão, seu cão vira lata, lindo como o dono. Eu aproveito a situação, tiro a minha cueca rápida e entro no box, ligo a água e isto me acalma momentaneamente. Não escuto mais barulhos próximos e aproveito para me banhar rápido. De repente, escuto aquela voz sexy do outro lado do box de vidro, dizendo que a toalha e as roupas estavam ali. Que susto! Sentia-me um idiota e ao mesmo tempo um sortudo de estar na casa de alguém que silenciosamente eu o queria, o desejava, esperava ter contato de corpo e alma com ele, mas a coragem nunca me permitiu. Dúvidas… e se o cara for homofóbico, hétero, gentil, afeminado, metroman e mulherengo, cheio de gatas em cima dele? E aí? Se eu desse um chute fora do gol me expondo como um cara que eu queria, desejava, queria dar para ele e chupá-lo ou meter nele sem problema algum? Fiquei mais nervoso ainda. Sem eu esperar, a porta do box deslizou e ele estava ali, nu. Nu, completamente nu… Ele entra no mesmo espaço que eu ainda estava. A água cai sobre seus cabelos soltos e agora posso ver o verdadeiro comprimento . Aqueles olhos de jabuticaba negros e a barba cerrada estavam centímetros da minha boca e face. Gelei. Meu pau não me respeitou e ficou duro e eu tento disfarçar virando para o canto à procura da toalha inutilmente, pois estava longe de mim. Rafael não demonstrava nada de anormal, não ajudava naquela situação. Para ele, era um banho e eu ainda não tinha conseguido olhar o seu pau com medo de me denunciar. Ele banhava-se normalmente, passando shampoo no cabelo e na barba, o sabonete no corpo… Com suavidade ia contorcendo suas partes ao banhar-se e sem perceber ou intencionalmente esbarrava em mim e eu acuado no canto do box, sem fôlego, e sedento de sexo, prazer, tesão e medo por aquele cara e daquela situação. Que situação surreal e tinha que acontecer comigo, um cara sem graça e com uma vida normativa demais! Minha autoestima desabou. Casa, trabalho, faculdade, casa, trabalho e uma parada no Boteco do Mané quando a situação permitia.
Rafael pede para eu lavar as costas dele com uma esponja felpuda e sabonete líquido. Com a mão trêmula, passo delicadamente a esponja por seu corpo. Que sonho, que delicia, que delírio. Ele me pergunta se eu já havia acabado e eu disse que sim. Foi quando desliga o chuveiro, pega a toalha e começa a me secar olhando nos olhos. Como uma serpente com sua presa e com um jeito simples e rápido, me dá um beijo nos lábios sem entrar com a língua na minha boca. Fecho os olhos, agarro seus cabelos entre meus dedos e entro em seu corpo como uma fera faminta. Ele me segura pelo braço, interrompendo a minha ansiedade, sorri e diz que há muito tempo queria aquilo. Diz que me via sem saber nada de mim, me olhava quando eu estava distraído com os amigos rindo ou falando, disfarçava e fica angustiado quando eu não aparecia no dia seguinte ou saía com os amigos antes do bar fechar. Olhei para ele e disse que sempre o amei em silêncio. Não sei onde arranjei tanta coragem na minha vida para falar aquilo.
Ele me convida a sair do banho, passamos pelo quarto e vamos até a cozinha. Ele me pergunta onde eu queria dormir me dando a opção da cama ou do sofá. Eu optei pela cama. E olha nos meus olhos e diz que para prosseguir com aquela noite tão desejada por ele, precisávamos conversar. Fico tenso novamente e ele me pergunta se eu transava com camisinha. Eu digo que sim, e ele responde que também fazia uso do preservativo. Até aí parecia que tínhamos chegado ao último acordo antes de nos entregarmos na cama e estar entre os nossos corpos… Mas não! As surpresas surgiam como se tirássemos coelhos de cartolas. Ele me beija de novo de maneira carinhosa e pergunta se eu era HIV positivo, pois ele era. Com uma voz firme, ele não hesitou em falar sobre ele. Foi uma revelação, um voto de confiança dele na minha pessoa.
Eu respondi que não era positivo e que saí com poucos homens na minha vida. Ele sorri. Diz que não era a quantidade de homens que eu possa ter saído na vida, mas sim como eu havia feito sexo ou amor com eles. Eu disse que tinha usado camisinha com alguns e com outros não e que sabia do impacto que isto poderia ter tido na minha vida. Ele sorriu e disse que éramos sortudos de ter encontrado um ao outro. Ainda sem fugir da revelação sobre sua soropositividade e da nossa vontade de irmos para cama fazer amor, sexo, como eu não sabia o que era, continuei a falar que eu já havia feito meus testes e que tinham dado negativo. Ele olhou para mim e me perguntou se eu queria ainda dormir na cama ou no sofá. Eu disse que queria dormir na cama e com ele. Fizemos amor pela primeira vez com camisinha e já se somam alguns meses que estamos juntos. Sultão tem 12 anos e agora estamos pensando em adotar mais dois cachorrinhos e quem sabe duas crianças.
A nossa vida começou em um Boteco do Mane.