Dois estudos publicados nesta quinta-feira (30) pela revista médica The Lancet mostram que 74 milhões de casos de câncer de colo de útero, além de 60 milhões de mortes, podem ser evitadas no mundo nos próximos 100 anos. Isso somente nos 78 países com maior número de casos desse tipo de doença, provocada pelo HPV, o papilomavírus humano. Como? Com mais acesso à vacina e exames de papanicolau.
O Brasil não fez parte desse levantamento, mas, segundo o Inca, há mais de 16 mil casos diagnosticados a cada ano. E, apesar de a vacina já ser oferecida de graça para meninos e meninas por aqui, muita gente tem dispensado essa ferramenta de prevenção por medo ou falta de informação.
No Reino Unido, o programa de vacinação promovido em escolas nos últimos anos resultou em uma redução dramática na identificação de casos de HPV ligados ao câncer. Vale lembrar que a imunização disponível hoje protege contra os tipos 16 e 18, mais associados a tumores de colo de útero (e também em outras partes do corpo, como, cabeça e pescoço, pênis e ânus). Além disso, oferece imunidade contra dois outros tipos de HPV que causam verrugas genitais, um problema menos grave, mas também de saúde pública.
De acordo com outra pesquisa publicada esta semana, entre 2014 e 2018 a taxa de infecção por HPV de tipo 16 e 18 entre garotas inglesas de 16 a 18 anos de idade foi de apenas 2%. Numa amostra de 600 jovens testadas em 2018, nenhum caso foi encontrado! Para se ter uma ideia, quando a vacinação teve início no Reino Unido, em 2008, a taxa era de 15%, segundo os dados da Public Health England, uma organização do governo. Os casos de verrugas genitais também caíram de 7 a 10%, em 2014, para 4% em 2018.
No Brasil, ainda há muita desinformação sobre a vacina. Muitos pais nem sabem, por exemplo, que a imunização contra o HPV já está disponível na rede pública para os garotos há três anos. Segundo o Ministério da Saúde, apenas um em cada cinco adolescentes de 11 a 14 anos do sexo masculino já tomou as duas doses. Notícias divulgadas em veículos de imprensa locais têm chamado atenção para a falta de procura pela imunização em diferentes regiões do país, como na Bahia e em Minas Gerais. Mesmo entre as meninas, a cobertura vacinal com as duas doses deixa muito a desejar e está longe do ideal.
Outro problema que contribui para a baixa adesão é o medo que a vacina desperta. Muitos pais associam a vacinação ao interesse precoce dos pré-adolescentes pelo sexo. O que é um grande erro! Vacinar não estimula sexo, muito pelo contrário, contribui para uma conscientização maior sobre a importância de se proteger. Mas é importante que eles sejam imunizados cedo, antes dos primeiros contatos sexuais. Importante ressaltar que o HPV não é transmitido apenas pelo sexo com penetração, e o uso da camisinha não é capaz de proteger 100% das infecções, já que a lesão pode estar fora da área de cobertura do preservativo.
Por último, há temores em relação a efeitos adversos. Na prática, a gente sabe que esses efeitos são raros e transitórios. Houve alguns poucos casos de desmaio, mas eles são de ordem psicogênica, ou seja, podem surgir não por causa do imunizante, mas pelo medo de quem se vacina.
Um estudo conduzido por médicos da Universidade de São Paulo com pacientes do Acre confirmou que se trata de sintomas ligados ao receio da vacina, além de outros fatores, como condições sociais que podem fragilizar os pacientes. O mesmo fenômeno já foi observado outras vezes, inclusive com as vacinas contra o H1N1 e o tétano. Nesse contexto, as “fake news” só servem para agravar o cenário.
Em um cenário em que pais e filhos fossem expostos a informações sobre sexualidade, essas “fake news” seriam muito melhor trabalhadas e a gente conseguiria ampliar, em muito, a cobertura vacinal contra o HPV. Pelo que mostram esses estudos, o país poderia estar reduzindo de forma importante muitas mortes pelo câncer de colo de útero, o segundo que mais mata as mulheres no Brasil (só atrás do câncer de mama). Está aí mais um argumento importante para projetos de prevenção e sexualidade adequados na sala de aula e com os pais dos alunos. Assim se faz política pública em saúde!
Fonte: Jairo Bouer (UOL)