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Sonata do Silêncio – momentos de solidão, estresse e afastamento social em tempos de COVID-19


Tem dias que a gente se sente…Como quem partiu ou morreu…A gente estancou de repente…Ou foi o mundo então que cresceu…A gente quer ter voz ativa…No nosso destino mandar…Mas eis que chega a roda-viva…E carrega o destino pra lá …”– ( Roda Viva – Chico Buarque de Holanda)

O Projeto Diversidade Sexual, Saúde e Direitos entre Jovens conversa com jovens em tempos de COVID-19 e escuta o porquê de tantos jovens estarem desestimulados para a vida. Entre longas conversas, via Messenger, chats de bate papo, aplicativos de conversas, conseguimos reunir algumas falas que nos dão uma serie de alertas de como o ser humano tem encarado sua vida no passado e no presente com tantos enfrentamentos e dúvidas. Um dos temas que mais chamou a atenção neste ping-pong de perguntas, respostas e relatos de fatos, foi a falta de expectativa para a vida futura, o descaso da vida presente e não ter vontade mais de viver. A palavra suicídio em tempos presentes de depressão, ainda é um entrave social. Dado o estigma generalizado em torno do suicídio, a maioria das pessoas que está pensando em suicídio não sabe com quem falar. Em vez de incentivar o comportamento suicida, falar abertamente pode dar ao indivíduo outras opções ou tempo para repensar sua decisão, impedindo o ato – Tempo para falarmos mais com nossos amigos, conhecidos, familiares e nos fazer presentes nas vidas de tantos que se sentem isolados e esquecidos. Tempos de revisitar e repaginar vidas.

A taxa de suicídio entre os jovens brasileiros está crescendo mais do que a média nacional e os números dessa estatística em tempos de COVID-19 é algo que nos deixa em alerta constante. O assunto ainda é tabu e exige a atenção de pais, parceirxs, responsáveis, formadores de opiniões e amigxs, pois juntos muitas pessoas poderão se livrar desse isolamento social, da depressão e do suicídio.

Jovens são os mais inclinados ao imediatismo e à impulsividade, ao vamos viver hoje e consequentemente quando as coisas dão erradas, a tendência da frustração, a raiva, a dor e o significado de que nada dá certo em minha vida leva essa população jovem a perder o sentido positivo da vida.

“Hoje, ontem e sei que amanhã vou acordar e vou querer dormir de novo, pois não tenho incentivo para levantar, tomar banho, café, falar com amigos, abraçar o meu cachorro. Tenho vivido essa solidão imposta por essa droga de epidemia e não me sinto capaz de dar um passo para me livrar desse vazio, dessa angústia, que sinto dentro de mim. Tenho vontade de morrer, mas tenho medo da morte” – (Ellen S, 17 anos, estudante)

Como ainda não atingiram a plena maturidade emocional, têm mais dificuldade para lidar com situações estressantes e frustrações constantes o que torna os pensamentos suicidas mais frequentes nessa população. Na maioria das vezes, porém, eles são passageiros, não indicam psicopatologia ou necessidade de intervenção. No entanto, pensamentos dessa natureza mais intensos e prolongados, associados a um quadro de crise aguda, podem aumentar o risco de um jovem ir às vias de fato.

“Desde muito cedo eu sempre me senti feio, sem jeito e isto era reforçado pelos meus pais e irmãos. Eles nem sabiam o quanto eu sofria com isto, com os apelidos e risadas. Assim que começaram a me perceber mais bichinha, aí as coisas pioraram e os abusos eram físicos e verbais. Meus pais me batiam muito, não mais agora, mas os insultos e falas homofóbicas são muitas. Isto reforça essa vontade de morrer, de estar sempre sozinho, não ter com quem falar o que sinto… nem sei o porquê de estar conversando com você sobre isto. Ninguém nunca ligou para mim” – (Álvaro P, 24 anos, desempregado)

Entre as principais causas de crises que poderiam desencadear o suicídio entre jovens estão baixa autoestima, histórico de abusos (incluindo o bullying, sexo), problemas para lidar com a própria sexualidade e reflexos da superproteção ou da falta da mesma.

“Meu irmão era normal, normalíssimo para todos, bonito, falão, estudioso e se jogou do nosso apartamento do 9 andar e morreu no meio da rua. Nós nunca iremos saber o porquê ele se matou com 19 anos não deixou nada escrito, gravado, nada, nem uma pista. Fomos devastados e nunca mais fomos os mesmos até hoje. Meus pais estão cada dia piores entre eles, minha irmã não está bem também. Tem altos e muitos baixos e eu estou no meio disto tudo. Já se passaram 4 anos e nada mudou lá em casa, tudo piorou em relações humanas. Eu tenho esse buraco dentro de mim, essa vontade louca de ter a mesma coragem do meu irmão. Fico pensando que eu poderia morrer agora, mas tenho que cuidar dos meus pais, eles estão envelhecidos, doentes e eu ainda tenho que cuidar deles, mas eu queria morrer… esses momentos agora que estamos passando de quarentena tem sido os piores da minha vida…” – X – 29 anos, Analista de Sistema

Diferenciar reações consideradas normais de sinais de alerta de que algo grave está por acontecer pode ser extremamente difícil. Quem pensa em suicídio está passando por um sofrimento psicológico e não vê como sair disso, não sabe como sair ou quer pedir ajuda psicológica. Muitas pessoas quando conseguem se expressar o faz com muitas dificuldades ou em últimos momentos de ajuda. Mas não significa que queira morrer. O sentimento é ambivalente: a pessoa quer se livrar da dor, mas quer viver. Por dentro, vira uma bomba preste a ser detonada. Se ela puder falar e ser ouvida, passa a se entender melhor, a valorizar a vida.

“Eu me escondi do mundo antes da minha primeira tentativa de morrer. Queria que as pessoas me ouvissem, mas parecia que eu falava sempre com as pessoas erradas. Um dia vendo uma novela com meus pais, tinha um personagem que era suicida e meu pai vendo o sofrimento do personagem disse que aquilo tudo era frescura, pois essa porra de suicídio é coisa de fracos, desocupados e que ele não aceitava aquilo. Eu me calei e disse para ele em silêncio: – Eu sou aquele personagem na sua frente, eu preciso de ajuda, isto não é frescura… Eu tinha 15 anos, quando tive a minha primeira tentativa, me joguei na frente de um ônibus na minha cidade. Infelizmente o motorista freou e eu sobrevivi e mesmo assim ninguém prestou a atenção no meu apelo de ajuda. Tentei mais 2 vezes e não consegui com veneno de rato e comprimidos, até pedir  ajuda a amigos, contar para eles, meu sofrimento e  finalmente ter a coragem de me auto ajudar com a ajuda de muitos, mas ainda tenho um buraco muito grande dentro de mim e meus pais e familiares são pessoas que até hoje colaboram com esse meu sentimento de tirar a minha própria vida. Tenho lutado muito, mas aos poucos vou conseguindo me recuperar, encontrar sentido para vida. Já era sozinho e agora com esse isolamento, falta de diálogo dentro de casa, falta de emprego e sem estudar, minhas angústias se multiplicam…” – (Pablo D – 22 anos, desempregado e sem estudar)

O suicídio é um processo, uma tentativa de se comunicar com alguém, quando todas as outras demonstrações de alerta que já deram errado não foram percebidas. Antes de efetivamente tentá-lo, a pessoa se isola, dá sinais de que algo não está bem, que necessita urgentemente de ajuda, de palavras de incentivo a vida, de um abraço e núcleos sociais positivos onde se sinta seguro.

“Você me conhece de muito tempo e já sabe sobre meu histórico, não tenho vergonha dele, não tenho vergonha das minhas cicatrizes nos braços, não escondo quantas vezes eu já tive lavagens estomacais, de quantas vezes já sentei para conversar sobre isto com psicólogos, pais de santo, médicos, pastores…, não tenho vergonha de falar que ia fazer e fazia… estava sozinha, tinha medo, mas tinha coragem e tenho até hoje se resolver enfrentar a morte eu enfrento. Tento avisar as meninas deprimidas que conheço que este processo de querer morrer por conta própria é muito difícil e doloroso. Devo ter meu corpo fechado, lacradíssimo… (ri), pois nunca consigo. Vem um anjo e me salva, porra” – (Susy – 26 anos, Mulher Trans Trabalhadora do sexo)

Conversar, questionar, de modo sensato e franco, sem julgamentos a ideias de suicídio, isto  fortalece o vínculo com uma pessoa que realmente está querendo se expressar, falar, ser ouvida, ser querida e amada de novo, ela quer se sentir acolhida e respeitada por alguém, por pessoas, por coletivos sociais, que se interessam por seu sofrimento, seu estilo de vida, sua personalidade fora dos padrões da normatividade impostas pela sociedade.

“`Às vezes não sei o que é realidade ou criação das minhas paranoias. Eu acho que todo mundo me odeia, não gostam de mim, me olham com receio, por que sou uma pessoa diferente, eu sei que saio dos padrões com os meus cabelos, tatuagens, roupas, mas não é isto, é alguma coisa que está dentro de mim, me roendo e me angustiando. `As vezes sonho que tem uma coisa dentro e mim. Um ser de outro planeta que se alojou dentro de mim. Minha mãe fala que sou uma pessoa psicótica, antissocial, agressiva, mas ela nem sabe o que está falando. Meu sofrimento não é reconhecido por ela e por ninguém. Desde pequeno sou sozinho, abandonado pelos meus pais por trabalharem muito fora de casa.  Meus pais são separados e meu pai tem outros filhos. Fui cuidado por empregadas, faxineiras, porteiros e nunca consegui me vincular amorosamente com alguém. Você acredita que eu nunca namorei até hoje aos 23 anos? Não sinto nada por ninguém e ninguém por mim… `as vezes tenho medo de mim mesmo, pois a vontade de sair desse corpo é muito grande” – (Sil – 23 anos, estudante de administração de empresas, desempregado)

As tentativas de suicídio ou sua prática efetiva envolvem sempre uma grande dose de sofrimento, tensão, angústia e desespero. Esta dor da alma pode ser real ou ser a consequência de uma crise de natureza afetiva, de uma conturbação mental, como, por exemplo, a psicose no seu grau mais agudo, ou de uma depressão com sintomas delirantes ou estresse dos tempos em que vivemos nos dias de hoje.

É muito importante estarmos atentos aos nossos amigos, familiares, parceirxs, sejam eles bem próximos ou distanciados, pessoas que resumem suas dores e sofrimentos em pequenos detalhes, os quais deixamos passar despercebidamente. Cuidar, ficar mais cuidadoso com os nossos é uma ação solidária. Temos que nos falar mais, perguntar mais, abraçar mais, sair para uma caminhada leve e gargalhar muito, temos que estar conectados com as pessoas a nossa volta. Temos que mexer com o silêncio do nosso próximo para que juntos possamos resgatar vidas e dar sentido a elas.

VOCÊ NÃO ESTÁ SÓ!

O CVV – Centro de Valorização da Vida realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mails e chat 24 horas todos os dias.

Ligue 188

 

Texto: Vagner de Almeida

 

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