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Pessoas não binárias não serão incluídas de forma plena se a linguagem não mudar


O problema do gênero é que ele não existe realmente. É uma construção que já mudou muitas vezes ao longo da história. Todos sabemos de algumas verdades que costumam ser ignoradas, como a de que os saltos altos foram inventados para homens e que o azul era originalmente uma cor feminina. Então por que de repente estamos fazendo tanta questão de policiar o gênero alheio? E qual é a sensação de ser policiado dessa maneira? A primeira pergunta você terá que fazer a um antropólogo, mas no caso da segunda, eu me sinto qualificado a propor uma resposta – ou até 15 delas.

A questão é que não apenas sou uma pessoa não binária e uso tanto os pronomes “they” (indicativo de gênero indeterminado no inglês, sem equivalência no português) quanto “she” (ela), também sou visivelmente não binária, ou seja, transito entre os dois gêneros. Como não me encaixo em nenhum estereótipo específico, muitas pessoas ficam confusas com minha aparência e, em muitos casos, ofendidas. Escrevi uma peça de teatro inteira sobre ser uma pessoa não binária, mas, para simplificar, e corrompendo um pouco as palavras da icônica (apesar de apoiar Trump) Shania Twain, “quer dizer que você é não binária? Isso não me impressiona muito”, a observação dela resume bem qual é a sensação de viver minha vida de modo aberto e visível.

Um fenômeno singular, embora não seja novo, enfrentado por milhares de pessoas não binárias como eu, em todo o mundo, quando tentamos realizar as tarefas mais mundanas, é não conseguirmos registrar nossa identidade real. Pode ser desde o fato grave e financeiramente prejudicial de que no Reino Unido – país onde moro -, para poder pedir uma verificação simples de antecedentes para checar se uma pessoa não tem delitos ou histórico criminal passado que a impeça de trabalhar com crianças, a pessoa precisa se identificar como homem ou mulher. Assim, professores, artistas ou facilitadores não binários precisam mentir ou identificar-se como sendo de um gênero que não são para poderem aceitar trabalho e ganhar a vida. Ou há o fato mais trivial de que, quando me inscrevi para receber ingressos para a turnê da banda Little Mix, tive que me identificar como sendo do sexo masculino ou feminino. Como não sou nenhuma das duas coisas, não pude completar o formulário online e por isso perdi a oportunidade de comprar com antecedência os ingressos dos shows de minha girlband favorita. O que não consigo entender é por que precisavam saber qual é meu gênero.

Já perdi a conta dos empregos possíveis aos quais já desisti de me candidatar porque os formulários não incluem a opção do prefixo Mx (que não define o gênero), ou em que minha opção de gênero é ‘prefiro não dizer’.

Mesmo dentro de organizações individuais, as políticas seguidas podem ser tão confusas e irregulares que é impossível se manter a par das regras. Uma amiga minha levou seu documento de troca de nome a duas agências distintas de seu banco para mudar o nome do titular de sua conta. A primeira agência considerou que o documento não era válido, mas a segunda o aceitou imediatamente, sem fazer qualquer outra exigência. No Tinder, posso colocar minha identidade como sendo não binária, mas depois preciso escolher se quero ficar visível para pessoas que filtram por masculino ou feminino, de modo que a definição de minha identidade se torna irrelevante de qualquer maneira.

Quando você não sabe onde ou como será aceita, pode ser difícil se enquadrar – ou mesmo querer se enquadrar. Já perdi a conta dos empregos possíveis aos quais já desisti de me candidatar porque os formulários não incluem a opção de gênero. Minha opção de gênero é sempre “prefiro não dizer” nesses casos. O problema é que eu não “prefiro não dizer” – eu quero dizer. Quero gritar a plenos pulmões, exibir no meu passaporte, ser reconhecida legalmente como uma pessoa não binária. Mas não posso.

Isso quer dizer que a cada passo que dou na vida, desde preencher um formulário online até ouvir um garçom me chamando de “senhor”, sou lembrada de como sou diferente. Tenho consciência de que raramente as pessoas têm intenção de me prejudicar ou incomodar, mas, seja qual for sua intenção, o efeito sempre é nocivo à minha saúde mental. Precisamos converter o mundo em um lugar mais inclusivo das pessoas trans e não binárias, e uma maneira muito simples de fazê-lo seria adaptar nossa linguagem para que seja menos binária. Considerando que 48% das pessoas trans já tentaram o suicídio e 84% dos não binários já cogitaram disso, parece evidente que isso seria a coisa certa a fazer.

Um exemplo básico de linguagem adaptada que você mesmo poderia empregar seria dizer “gente”, “pessoal” ou “turma” em vez de “caras”, “garotas” ou “senhoras e senhores” quando se dirige a um grupo de pessoas, usar o pronome “they” quando não tem certeza da identidade de gênero de alguém – ou, melhor ainda, perguntar especificamente a todas as pessoas, indiscriminadamente, que pronome preferem que você use em relação a elas. Nunca conheci uma pessoa trans ou não binária que não apreciasse isso. Essa atitude indica que você nos enxerga, mas que não nos enxerga como diferentes.

Fonte: Huffpost

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