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Documentário mostra violências enfrentadas pela população LGBT nos presídios brasileiros


Foto: Reprodução/Youtube

As violências vivenciadas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais que estão cumprindo pena no sistema carcerário no Brasil são múltiplas e desencadeadas por diversos fatores, que vão desde a ausência de uma ala específica para essa comunidade ao modo como são tratados pelos agentes públicos que atuam nos presídios e violentados por outros presos. Ter o cabelo raspado, não poder realizar tratamento com hormônios, não ter acesso a exames médicos, sofrer assédio em troca de comida e ter o corpo violado por meio de agressões ou estupros são algumas das violências enfrentadas pelos LGBTs presos no Brasil.

Muitas dessas situações são narradas no documentário ‘Passagens: ser LGBT na prisão’, produzido pela ONG Somos – Comunicação, Saúde e Sexualidade durante a realização do projeto ‘Passagens – Rede de Apoio a LGBTs nas Prisões’, que de julho a dezembro de 2018 visitou 13 casas prisionais brasileiras para levantar dados sobre essa população e construir um mapa do encarceramento LGBT, documento até então inédito no país.

No processo de construção do documentário, o projeto, que é financiado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, percorreu os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso, São Paulo e Ceará. De acordo com Guilherme Gomes Ferreira, ativista do Somos e coordenador do Passagens, durante a construção do documentário a ONG realizou entrevistas com presos LGBTs, trabalhadores penitenciários, diretores de presídios, ativistas e pesquisadores de cada uma das casas prisionais. Porém, somente os relatos da população LGBT presa aparecem no curta, que foi lançado em maio.

Dados subnotificados

Além da pesquisa qualitativa, que buscou descobrir sobre as experiências enfrentadas pela população LGBT dentro dos presídios, o projeto Passagens também desenvolveu uma pesquisa quantitativa para encontrar dados sobre essas pessoas dentro do sistema prisional. O estudo quantitativo foi realizado por meio de um questionário virtual, que foi encaminhado para todas as casas prisionais do Brasil. “A taxa de retorno foi baixa, só 5% das casas respondeu”, conta o advogado do Somos e assistente de coordenação do projeto Passagens Caio Klein.

Porém, ele afirma que, mesmo com um retorno tão baixo, a equipe do projeto pode perceber que os dados que existem atualmente sobre a população LGBT presa são “extremamente subnotificados”. Enquanto dados de 2018 do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) mostram que existe no país 1.730 pessoas LGBTs presas, as informações arrecadas pelo projeto apontam que “há pelo menos 572 pessoas LGBTI presas entre as 80 casas prisionais participantes”, sendo que 67 responderam o questionário por e-mail e as outras 13 foram visitadas pelo projeto. Ainda, Klein afirma que estimativas da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo apontam que só em São Paulo podem existir 5 mil pessoas LGBTs presas.

Todos os dados obtidos pelo Passagens ao longo da realização do projeto integrarão um relatório que será lançado pelo Somos em agosto deste ano. O documento também contará com um mapa do encarceramento LGBT no Brasil, que trará informações sobre questões como seletividade penal, por exemplo.

Violências

Ao visitar instituições em diferentes locais do país, o projeto Passagens percebeu que algumas prisões procuram garantir melhor as necessidades básicas da população LGBT do que outras. “Em alguns lugares as dificuldades das pessoas LGBTs eram as mesmas da massa carcerária, como a alimentação ser pouca ou de péssima qualidade, não ter acesso a remédios, viver em condições insalubres. É a falta de acesso às políticas básicas nos campos da saúde, da educação e trabalho”, aponta Klein. Segundo ele, em muitas prisões as mazelas de “ser uma pessoas LGBT e de ser uma pessoa no sistema carcerário” se confundem em função disso. Entretanto, o advogado reforça que os problemas que alguém enfrenta dentro do presídio são intensificados quando essa pessoa também é LGBT. “Se é difícil pra uma pessoa presa acessar o básico, é mais difícil ainda para uma pessoa LGBT presa”, afirma.

A série de violências sofridas pela população LGBT dentro do sistema carcerário é chamada por Ferreira de “sobrecargas penais”. Segundo ele, um dos fatores que costuma propiciar violências para essa comunidade é derivado de o Brasil ainda realizar a determinação de em qual presídio alguém cumprirá pena com base em sua genitália. “Se a pessoa tem um órgão sexual masculino, ela vai pra uma prisão masculina. Se ela tem um órgão sexual feminino ela vai pra uma prisão feminina”, afirma Ferreira.

Isso faz com que, normalmente, mulheres transsexuais e travestis sejam encaminhadas para presídios masculinos, enquanto homens transsexuais são levados para presídios femininos. Dessa forma, é comum que as pessoas sejam impedidas de terem acesso à roupas de acordo com o gênero com o qual se identificam e que mulheres trans e travestis tenham o cabelo cortado. O projeto também constatou que é recorrente que a hormonoterapia seja algo inacessível para mulheres e homens trans nas prisões e que o tratamento antirretroviral de algumas pessoas seja suspenso.

Conforme Klein, as violações vividas pela população LGBT no sistema carcerário estão ligadas ao ambiente em que elas estão cumprindo pena. “Existem duas situações que geram violências: uma é quando essas pessoas estão em contato com os outros presos e outra é quando estão em um espaço voltado para LGBTs”, explica. De acordo com o advogado, alguns estados brasileiros possuem normas internas, feitas pelos governos, que orientam como deve ser o tratamento para pessoas LGBTs dentro dos presídios. “A nível nacional também existe uma resolução que diz que as casas prisionais deveriam ter um espaço para as pessoas LGBTs, mas é uma instrução, isso não obriga que os estados criem essas alas. Nada é garantido legalmente”, afirma Klein.

Ao cumprir pena nas mesmas celas de outros presos a população LGBT, principalmente as mulheres trans e travestis, têm como maior dificuldade conseguir manter sua integridade física. “Os outros presos as atacam e agridem, estupram, utilizam seus corpos das mais variadas formas, como para esconder drogas, ou escravizam essas pessoas, obrigando-as a fazer trabalhos dentro da cela”, relata.

Em algumas cadeias masculinas em que não existem alas específicas para a população LGBT, a gestão dos presídios adota outras medidas para tentar evitar que violações como essas ocorram, como colocar essas pessoas em alas de criminosos sexuais, que precisam estar separados do restante da população carcerária. Entretanto, conforme aponta Ferreira, essa decisão acaba deixando essas pessoas “à mercê desses homens que cometeram violências sexuais”.

O projeto também percebeu dentro dos presídios que visitou a presença de um crescente fundamentalismo, onde presos evangélicos realizavam torturas e exorcismo nas pessoas LGBTs. “O fundamentalismo religioso tem atacado bastante essa população, tanto do ponto de vista das gestões das casas prisionais quanto de presos evangélicos que tem realizado torturas com essa população”, afirma Ferreira.

Alas específicas

Quando as pessoas LGBTs estão em um presídio que possui alas específicas para essa comunidade, o projeto descobriu que essas pessoas acabam ficando protegidas das violências que precisam enfrentar ao estarem junto dos outros presos, mas, ao mesmo tempo, passam por dificuldades para acessar políticas públicas que o resto da massa carcerária conseguiria mais facilmente, como exames de saúde. Em uma das cenas do documentário Passagens, uma das pessoas entrevistadas conta que estava com suspeita de ter HIV e pediu que uma escolta o acompanhasse para fazer um exame. Porém, teria recebido como resposta apenas a frase “por mim, que você morra de Aids”.

Ainda, ao estarem em alas específicas, é comum que muitas das violências sofridas por essa população sejam ocasionadas pelos servidores que trabalham nas instituições. “Uma das queixas mais frequentes é que os agentes públicos não respeitam o nome social das pessoas trans. Muitas vezes elas não são chamadas pelo nome de acordo com sua identidade de gênero”, conta Klein.

Por conta das denúncias que recebeu, a equipe do projeto encaminhou uma devolução de dados para os responsáveis pelas casas prisionais que visitaram. Todos os documentos continham como sugestão que o treinamento dos servidores abordasse temas como identidade de gênero, orientação sexual e explicasse como a população LGBT deve ser tratada dentro do sistema prisional.

De acordo com Klein, além das denúncias feitas pela população carcerária LGBT, o projeto, que também entrevistou os agentes públicos, percebeu que alguns servidores achavam que não era obrigação deles pensar sobre esses assuntos, mas que outros queriam atender com dignidade as pessoas LGBTs e afirmavam não terem sido ensinados a respeito. “Acreditamos que pensar a educação para os direitos humanos e para diversidade sexual e de gênero deve passar pela formação do servidor público. Tem que ser uma formação que é emancipatória para questão de gênero, de sexualidade, para tratar de todas essas questões, tanto de gênero quanto de etnia, já que a maioria da população presa é negra”, afirma

Fonte: Sul 21

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