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Cresce o número de casos de sífilis ocular no Brasil


Estudo em quatro centros médicos no Brasil, durante dois anos e meio, traz a maior série de casos recentes de sífilis ocular já registrada e revela que há um aumento preocupante da doença que pode causar dano permanente à visão, mesmo com o tratamento adequado.

No Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP) da USP, por exemplo, até 2012 um caso de sífilis ocular era identificado por ano; a partir de 2013, esse número passou para oito, conta o professor João Marcello Furtado, da FMRP, um dos pesquisadores que assina o estudo publicado na semana passada na Scientific Reports, do grupo Nature.

Diante desse cenário, o professor diz que a sífilis tem que ser investigada em todos os casos de inflamação intraocular, a chamada uveíte, e que é urgente a implantação de políticas públicas de educação e conscientização para alertar sobre o problema das doenças sexualmente transmitidas. “O diagnóstico incorreto atrasa o tratamento adequado e a sífilis tem como ser prevenida com o uso de preservativos”, lembra o professor.

Furtado faz alerta também a médicos, clínicos gerais ou infectologistas, que devem perguntar de queixas oculares e encaminhar ao oftalmologista, se necessário, sempre que diagnosticarem um caso de sífilis. “Já ao oftalmologista indicamos que, sempre que examinar um paciente com inflamação ocular, deve suspeitar de sífilis”, diz.

O estudo, de 2013 a junho de 2015, foi feito no Hospital São Paulo da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); Hospital São Geraldo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Fundação Altino Ventura de Recife, Pernambuco, e Hospital das Clínicas da FMRP. Foram avaliados 127 pacientes que apresentavam a doença, 96 homens e 31 mulheres, com idade entre 22 e 88 anos.

Para o professor, alguém com 88 anos com doença sexualmente transmissível é um mudança de perfil em relação às décadas anteriores. “Não há mais o estigma, ou estereótipo da pessoa com sífilis. Apesar da doença afetar mais homens, principalmente homens que fazem sexo com homens, qualquer pessoa pode ser exposta e infectada.”

Desses, 87 pacientes tiveram inflamação ocular bilateral, ou seja, manifestações em ambos os olhos, queixas e alterações no exame físico. 68 eram HIV-negativos e 36, soropositivos. A grande maioria dos pacientes HIV-positivos era composta de homens e pessoas mais jovens que os pacientes HIV-negativos.

A principal queixa desses pacientes foi a baixa visão. Eles passaram por exames de acuidade visual, de fundo de olho e de imagens do fundo do olho. Os exames revelaram que parte desses pacientes apresentava alterações anatômicas, estruturais e funcionais do olho, como por exemplo, descolamento de retina. Furtado lembra que a doença pode levar à perda da visão por atrapalhar a luz a chegar até a retina e esse estímulo ser transportado até o cérebro, ou pela perda de funcionamento da retina, que “capta” o estímulo luminoso.

O professor lembra que o tratamento padrão recomendado é penicilina cristalina endovenosa (antibiótico injetado na veia). “Parte das alterações podem ser revertidas com o tratamento precoce, com o tempo e tratamento corretos. Mas se ocorrer alguma complicação mais grave, a perda da visão pode ser permanente”, alerta.

A professora Justine Smith, da Flinders University College of Medicine and Public Health, de Adelaide, Austrália, uma das autoras do estudo, diz que a sífilis está reemergindo, principalmente em países industrializados, como o Brasil. “Os médicos não estavam mais acostumados a ver sífilis, e se ela não for detectada precocemente pode trazer complicações sérias e afetar a visão”, alerta Justine. A pesquisadora lembra que “o Brasil é um país muito grande e oferece um bom panorama da sífilis ocular neste momento”.  Veja a entrevista da professora Justine sobre o trabalho desenvolvido com os brasileiros:

Doença ganhou status de epidemia nos últimos anos

Furtado conta que esse aumento também foi verificado em outras partes no mundo, como Estados Unidos e Europa. “Os anos de 1990 e 2000 indicaram que a sífilis ocular era um diagnóstico raro, representando menos de 2% de todos os casos tratados. Relatos mais recentes descrevem coortes de até 85 pacientes com sífilis ocular nos Estados Unidos, Europa e Austrália. E agora, a pesquisa do nosso grupo, que ganha importância, tanto pelo número de pacientes como pelo fato de ter sido feita em quatro centros diferentes, o que mostra que a sífilis não é um problema só de Ribeirão Preto.”

A sífilis é uma doença causada pela bactéria Treponema pallidum, transmitida principalmente pelo contato sexual, mas também pode ser passada de mãe para filho na gravidez. Apesar de ter assolado parte da população no século 16 e permanecer frequente até a década de 50 do século 20, ficou um pouco esquecida da população, mas voltou nos anos 1980 em função da Aids, retrocedeu novamente e, nos últimos anos, ganhou status de epidemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo Furtado, o ressurgimento da sífilis desde os anos 2000 é bem documentado pela vigilância internacional e é atribuído a fatores que incluem práticas sexuais de alto risco, sem proteção; promiscuidade; melhora nas opções de tratamento para HIV/Aids, o que diminui o medo da Aids; o crescimento dos aplicativos de paquera; o uso de viagra e similares, que aumentou o tempo de vida sexual ativa do homem, além de mudanças na sensibilidade aos antibióticos do T. pallidum.

Assinam o artigo da Scientific Reports, Clinical Manifestations and Ophthalmic Outcomes of Ocular Syphilis at a Time of Re-Emergence of the Systemic Infection, além dos professores Furtado e Justine, o professor Rodrigo Santana, Thaís Bastos e Ricardo Martinelli, todos da FMRP; Tiago E. Arantes e Luana P. Brandão, da Fundação Altino Ventura, Recife, Pernambuco; Heloisa Nascimento, Natália Nogueira, Cristina Muccioli e Rubens Belfort Jr, todos da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo; Daniel V. Vasconcelos-Santos e Rafael de Pinho Queiroz, ambos da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais.

Texto: Jornal da USP

 

NOTA

Apesar de preocupante e super importante no atual estágio de reemergência de algumas doenças e infecções que durante anos não constavam ou estavam controladas em estágios e boletins epidemiológicos, vale ressaltar que ao final do texto acima – que lista alguns dos motivos que podem ter contribuído pelos aumentos de sífilis – apresentam-se algumas inverdades, tais como:

Promiscuidade: como a matéria cita um número elevado de casos de sífilis em homens que fazem sexo com homens (HSH), logo, o termo leva a suposições de que essas pessoas adotam um comportamento suficientemente errado – com características moralistas – em relação a outros homens ou pessoas que não fazem sexo com outros homens (simplificando, gays ou não em relação a heterossexuais). Lamentamos que isso sirva como justificativa, o que por si só é muito tênue, uma vez que os últimos dados epidemiológicos apontam um crescente aumento de infecções por HIV e IST em populações de mulheres heterossexuais e idosos, por exemplo.

Além disso, o termo mais uma vez reforça o estigma e a discriminação contra uma população, historicamente falando, marginalizada e colocada à parte no que tange ao acesso de direitos ou como protagonistas dos mesmos, diante do não reconhecimento de suas práticas sexuais, comportamentais e afetivas. Podemos acrescentar que promiscuidade não está ligado a sexualidade e sim a comportamentos de risco que podem ser praticados por qualquer indivíduo em seu livre arbítrio.

O crescimento dos aplicativos de paquera: Outro equívoco. Os aplicativos de paquera – ou relacionamento – não ajudam nem recrudescem os números ou casos de sífilis, HIV ou qualquer outra epidemia. Pelo contrário, vê-se ultimamente inúmeras campanhas (inclusive governamentais) realizadas nesses ambientes virtuais e focadas tanto em LGBT’s (especialmente aplicativos voltados para gays e HSH) como em heterossexuais, adaptando-se portanto à realidade e linguagem juvenil.

Acreditamos que mais importante do que querer responsabilizar jovens – LGBT’s ou não – pelo acometimento de alguma doença ou infecção sexualmente transmissível, o correto seria cobrar das instâncias governamentais competentes as suas devidas responsabilidades no que tange a campanhas que não foquem somente no tratamento (ou biomedicalização), mas também na importância da prevenção (para além do mantra ‘use camisinha’) como aliado em sua vida sexual. E também na ausência –  fomentada por conservadorismo e fundamentalismo – da educação sexual como disciplina nas escolas, que vulnerabiliza e afasta os jovens de esclarecimentos e conhecimentos necessários para uma vida sexual ativa e saudável. 

Nota: Jean Pierry Leonardo

 

 

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