A Neisseria gonorrhoeae é bactéria causadora da gonorreia, doença que normalmente cursa com uretrites, proctites ou infecções ginecológicas, podendo até levar à esterilidade quando não tratada.
Ela circula entre nós desde o princípio da humanidade e sua epidemia é ainda hoje um problema de saúde pública não resolvido e crescente, mas descobertas recentes têm mudado o entendimento dessa doença e as perspectivas de controle de sua epidemia.
Segundo o último relatório da Organização Mundial da Saúde sobre infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), somente no último ano foram registrados em todo o mundo mais de 87 milhões de novos casos da infecção. Nos Estados Unidos, país que dispõe de um bom sistema de notificação de doenças, os casos de gonorreia aumentaram em 67% somente entre 2013 e 2017, e são hoje a segunda IST mais frequente, ficando atrás apenas das infecções por clamídia.
Apesar de o senso comum sempre achar que o crescimento das ISTs está acontecendo porque as pessoas não usam a camisinha nas suas relações sexuais com penetração, a ciência tem nos mostrado que a questão é mais complexa do que parece.
Primeiramente, já há vários anos foi demonstrado que uma pessoa pode em até 30% dos casos ser portadora da gonorreia sem apresentar qualquer sintoma, podendo mesmo assim transmití-la aos seus parceiros. Da mesma forma, infecções assintomáticas ocorrem, em diferentes proporções, com todas as ISTs, como clamídia, sífilis e HIV.
Sabendo disso, se formos tratar apenas as ISTs sintomáticas, estaremos deixando toda uma epidemia silenciosa sem tratamento acontecendo no “subterrâneo”. Foi por isso que pouco a pouco, se começou em todo mundo a recomendar às pessoas com vida sexual ativa o rastreamento periódico de ISTs mesmo que não apresentem sintomas para, assim, identificar e tratar os positivos, quebrando a cadeia de transmissão dessas bactérias.
Nesse rastreamento, a pesquisa da N. gonorrhoeae é feita principalmente em uretra uma vez que tradicionalmente esse era considerado o principal sítio fonte de novas infecções. Entretanto, há algumas semanas um estudo australiano publicado na revista científica Sexually Transmitted Infections revelou que talvez estejamos procurando a bactéria no local errado.
No estudo, 60 casais de homens gays em que pelo menos um havia sido diagnosticado com gonorreia foram investigados quanto à presença de gonorreia. A pesquisa foi feita, além da uretra, em garganta e ânus. Os achados mostraram que a garganta é o local em que mais frequentemente foi identificada a infecção assintomática por essa bactéria e, a partir daí, teria se transmitido para os diferentes sítios corporais dos seus parceiros.
Mesmo quando não havia bactéria encontrada na uretra, nos casais houve evidência de transmissão entre gargantas por meio do beijo e entre garganta e ânus por meio do sexo oro-anal e do uso da saliva para lubrificação da relação sexual. Todas essas situações em que o uso do preservativo não teria evitado a transmissão.
Os resultados encontrados, no entanto, não devem servir de argumento para restringir nem estigmatizar as práticas sexuais desenvolvidas pela população. Ao contrário, compreendendo melhor essas práticas e os mecanismos de transmissão da gonorreia, poderemos desenvolver novas estratégias de rastreamento e prevenção que de fato controlem sua disseminação.
Novas pesquisas nesse sentido já se encontram em andamento. Mas no Brasil, precisamos desde já começar a pensar na incorporação dessas descobertas nas nossas rotinas de rastreamento. Mantenha-se em dia com seus exames para ISTs. Assim você está cuidando da saúde de toda a sua comunidade.
Fonte: Rico Vasconcelos/Viva Bem/UOL